Patrimônios da Humanidade

Patrimônios da Humanidade

10 setembro 2015

MONTAÑO, Carlos; DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classe e movimento social.



Percursos Históricos, Ano V, vol. set., série 10/09, 2015.
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MONTAÑO, Carlos; DURIGUETTO, Maria Lúcia. Estado, classe e movimento social. São Paulo: Cortez, 2010. (Capítulo 2 – Classe social, consciência de classe e lutas de classe, pp. 77-132).
RESENHA

SOARES, Marilda

Carlos Montaño e Maria Lúcia Duriguetto  abordam a temática das classes sociais à luz do conceito de Modo de Produção Capitalista (MPC) definido pela teoria marxista.
Segundo os autores, no MPC o capital deve ser entendido como “determinação econômico-politica”, ou seja, como um valor que se amplia pela extração da mais-valia, que por sua vez é apropriado pelo capitalista, o dono dos meios de produção;   e “relação social” específica, na medida em que o trabalhador é compelido à vender sua força de trabalho ao dono dos meios de produção, sendo subordinado econômica e socialmente a este. Como explicitam os autores: “o trabalhador para ter acesso aos meios necessários para produzir [...], necessita vender sua força de trabalho; como contrapartida disso, o capitalista [...] precisa comprar a força de trabalho e incorporá-la [...] (pp. 78-9). E como o trabalhador é despojado do excedente de sua produção em favor do capitalista, isso caracteriza uma relação de exploração.
De acordo com a tradição marxista, o trabalho tem uma dimensão ontológica: o ser social – caracterizado pelo trabalho, linguagem e sociabilidade – exerce sua capacidade criadora a partir de uma consciência racional pré-determinada a que Lukács denomina “trabalho”; e uma dimensão histórica que, segundo o MPC, retira do home a liberdade de escolha, resultando em exploração e alienação, no desemprego, subemprego e pobreza, fatores resultantes da apropriação privada de capital e da extração da mais-valia, ou seja, do produto excedente do trabalho.
Na constituição das classes sociais sobressai-se a estratificação (castas, estamentos e classes) e a hierarquia segundo a determinante econômica. Para Karl Marx, destacam Montaño e Duriguetto, “constituem-se principalmente a partir da polarização entre os produtores diretos da riqueza (os escravos, os servos, os trabalhadores) e os proprietários dos meios de produção (a terra, a indústria, as ferramentas, as máquinas, os recursos materiais)” (p. 85). Esta seria a base da luta de classes ao longo da história. Nessa perspectiva, o que define a classe social de um indivíduo não é o seu poder aquisitivo, mas a sua propriedade, seja ela a força de trabalho ou os meios de produção (terra ou capital).
No MPC destaca-se a polarização entre os trabalhadores e proprietários, ainda que existam as classes intermediárias, sendo que essas também são dominadas pelo grande capital e Marx as situa entre o proletariado. Os autores ressaltam que, atualmente, há um processo de “desproletarização” e ampliação das classes médias, com grande heterogeneidade e mobilidade social.
As classes sociais dividem-se em: burguesia (alta, média ou baixa), que se apropria do valor produzido por outrem; a classe trabalhadora, dos assalariados “produtivos” (produtores de mais-valia) ou “improdutivos” (que atuam valorizando a mais-valia); os desempregados; o lumpem-proletariado (arruinados, mendigos, etc.), que vive à margem do sistema produtivo; e a classe média, situada entre os trabalhadores e os capitalistas, que se apropria de parte da mais-valia e tem grande poder de consumo: profissionais liberais, servidores públicos, etc.
Marx diferenciava “classe” pelas categorias “classe em si”, composta dos indivíduos que não têm consciência de seu lugar social, e “classe para si, composta pelos que se organizam e lutam por seus interesses comuns, ou seja, que estão cientes da sua condição de classe.
Montaño e Duriguetto ressaltam que a consciência que um indivíduo ou grupo tem de si está associada à realidade presente na vida cotidiana, e a consciência de classe pode ser suprimida pela exploração, imediatismo, alienação, senso comum e outros fatores que limitam o conhecimento crítico de si mesmo e da realidade. Desse modo, a consciência reivindicatória ou sindical corresponde à percepção dos fundamentos da sociedade capitalista e de seus fenômenos, da exploração e da necessidade de reformas, da compreensão de si próprio. Tal consciência ultrapassa o nível individual e expande-se em reivindicações coletivas, sociais.
A consciência, enquanto percepção, vincula-se às ideologias, visões determinadas da realidade. E na sociedade capitalista, a heterogeneidade de classes e interesses dá origem a inúmeras possibilidades: ideologia proletária, burguesa, revolucionária, conservadora e outras. Marx e Engels referiram-se, inclusive à “falsa consciência”: uma consciência que não corresponde à condição de classe ou a assimilação da ideologia hegemônica, dominante.
A consciência de classe pressupõe a organização contra a contradição capital-trabalho e a desigualdade, ou seja, a luta de classe, e assume, muitas vezes, na organização sindical, uma feição revolucionária.  Por essa razão, as lutas sociais, ao reivindicarem direitos de igualdade nas relações sociais, de gênero, étnico-raciais e outros, integram os mecanismos de transformação da realidade, de modo que luta de classe e luta social não são campos opostos, mas complementares.
No MPC a consciência de classe dos trabalhadores expressou-se por meio das organizações sindicais e de partidos políticos, filiados a diferentes concepções teóricas: corrente anarquista (defendia a greve e a via revolucionária, com a extinção do Estado); corrente reformista (defendiam as lutas sindicais dentro dos limites do capitalismo); sindicalismo corporativista (corporações sindicais dependentes do Estado), sindicalismo comunista (consciência de classe e luta política contra a exploração capitalista). A organização dos trabalhadores em partidos foi a estratégia para o desenvolvimento da consciência e luta de classe, ampliação das liberdades e direitos, com um caráter de mediação política e educativa. Para Marx e Engels, o proletariado, a classe trabalhadora, é a vanguarda, o agente capaz de expor as contradições do modo de produção capitalista e promover as condições necessárias à superação desse modo de produção fundado na desigualdade e na exploração do trabalho.
Segundo Montaño e Duriguetto, a complexa estrutura das hierarquias sociais, especialmente pelo crescimento da classe média, faz com que muitos teóricos, como Habermas, por exemplo, questionem as afirmações de Marx e Engels, visto que eles se referiam ao contexto histórico do século XIX. O debate atual sobre as formas de emancipação envolve a efetivação dos direitos igualitários. Marx já tratava dessa temática afirmando que para alcançar os direitos os homens necessitam da emancipação política, e esta é condição para a emancipação humana. Mas, acrescentam os autores, a emancipação política, por si, não garante a emancipação humana, pois esta só será atingida quando a humanidade estiver livre de todas as formas de exploração e discriminação, sejam econômicas, sexuais, raciais ou outras.