Patrimônios da Humanidade

Patrimônios da Humanidade

20 outubro 2011

Semiologia da cultura material: lendo signos e representações sociais a partir dos objetos.


Semiologia da cultura material: lendo signos e representações sociais a partir dos objetos.
Percursos Históricos, Ano I, vol. out., série 20/10, 2011.

SOARES, Marilda
As “coisas” produzidas e preservadas por uma sociedade podem evidenciar seus modos de vida e seus valores no presente e no passado?
Certamente sim. E isso se mostra pelos inúmeros testemunhos da cultura material: construções, monumentos públicos, cemitérios, pontes, estradas, placas com nomes de ruas, moedas, roupas, joias e adornos, pinturas, esculturas, fotografias, equipamentos, ferramentas, objetos de uso doméstico, cartas, diários, revistas, jornais, livros, etc. Todos esses registros são documentos que revelam o quotidiano de um povo, suas possibilidades materiais e intelectuais de transformar a natureza e produzir diferentes estilos de vida.
Como representativos de um tempo, um pensamento, um status, uma técnica, os objetos são social e culturalmente distintos. Alguns são de uso cotidiano e facilmente adquiridos, outros têm pequena durabilidade e são rapidamente substituídos, outros, ainda, são preservados em instituições, em função do seu valor de mercado ou da sua importância simbólica.
Na atualidade, a preservação, o estudo e a exposição da cultura material representativa de povos e tempos históricos fazem-se pelos museus, instituições que se caracterizam pela salvaguarda de objetos que simbolizam a memória e a cultura nacional.
Originalmente, museum – palavra latina derivada do grego mouseion – designava reunião das musas inspiradoras. Até o período Renascentista, o termo museum aplicava-se aos espaços onde as coleções de objetos raros e valiosos eram guardados ou expostos, relacionando-se aos templos e teatros da Antiguidade Clássica – gregos e romanos –, às igrejas e aos mosteiros medievais; ou aos palácios da Idade Moderna, com relíquias, estatuária, pinturas, vasos e adornos de caráter decorativo ou sagrado.
Antes da institucionalização dos museus, existiam as galerias para mostra e os gabinetes para guarda de peças e, entre os séculos XVII e XVIII, muitas coleções particulares e exposições restritas a grupos seletos de convidados tornaram-se públicas.
Herdeiro da prática de colecionar objetos, o museu público surgiu na França, em 1793, época em que se desencadeava o processo histórico da Revolução Francesa. A criação do Musèe du Louvre está associada à necessidade de proteger objetos e obras de arte de valor histórico para o povo francês que, em plena era revolucionária, buscava destruir símbolos dos privilégios da nobreza que dominara a França até então.
Antes do Louvre, outras instituições com finalidade recreativa e cultural haviam sido criadas na Europa; contudo seu caráter era de espaço de exposições particulares, como o primeiro, Ashmole Museum, criado na Universidade de Oxford para abrigar a coleção de peças de Elias Tradescant doada a Oxford por John Ashmole em 1683. E o British Museum, criado em 1759, quando o governo inglês adquiriu a coleção de Hans Sloane. A vista das exposições destinava-se a visitantes credenciados, não havendo exposições públicas.
Dentre os museus modernos, surgidos no século XIX, especializados em temas ou áreas, citam-se alguns brasileiros, como o Museu do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco; o Museu de Mineralogia e Geologia da Escola Nacional de Minas e Metalurgia, de Minas Gerais; o Museu Nacional, do Rio de Janeiro; o Museu Goeldi, de Belém do Pará; e o Museu Paulista, de São Paulo, formados no estilo dos museus de História Natural americanos, como o Museu de Antropologia da Cidade do México e o Museu Americano de História Natural de Nova York, inspirados na teoria evolucionista de Darwin. Mas, desde o início do século XX, os museus foram se especializando, separando-se os conteúdos de arte, folclore, história e ciências.
Os museus históricos, além de preservar e expor objetos e obras de arte relacionados aos processos históricos pelos quais passaram determinada sociedade em determinado tempo, oferecem aos pesquisadores a possibilidade de analisar as realidades passadas e presentes a partir da cultura material. Tal mudança em relação à fonte de pesquisa coloca novos problemas em relação ao conhecimento das realidades passadas.
A esse respeito, Bloch (s.d.) faz uma reflexão acerca das especificidades do conhecimento do passado. Segundo ele, o historiador estaria diante do passado como um cientista que, detido em casa pela gripe, conhecesse os resultados de suas pesquisas pelos relatos do auxiliar de laboratório. Assim, enquanto um cientista, em condições normais de trabalho, observa diretamente os resultados da experiência que desenvolve com uma cobaia, o historiador só poderia conhecer seu “objeto” de estudo – o passado – pelos testemunhos que esse aceita dar. Tais testemunhos seriam os registros deixados pelos homens para as gerações seguintes. Desse modo, a observação do passado seria, em princípio, indireta.
Bloch, contudo, questiona o caráter indireto da observação do passado, uma vez que os vestígios da cultura material podem conduzir a hipóteses e/ou afirmações que muitas vezes não seriam alcançadas apenas com base em fontes escritas. Segundo ele, nas paredes de certas cidadelas da Síria foram encontrados corpos sepultados e, como não se pode razoavelmente supor que tivessem sido colocados ali por acaso, seria pertinente indagar sobre a prática de sacrifícios humanos. Assim, nem sempre a observação do passado é indireta (BLOCH, s.d.)
Quando existem registros concretos, preservados tal como foram produzidos, as perspectivas de conhecimento são maiores, mais abrangentes e mais palpáveis. Além disso, alguns povos ou períodos, embora muito ricos, deixaram poucos registros escritos, o que demanda o estudo de outras fontes de conhecimento, como a toponímia, a linguística, a numismática, a arqueologia e outras, para que se possa estabelecer hipóteses e alcançar conclusões fundamentadas.
Embora o conhecimento histórico esteja tradicionalmente associado à pesquisa em documentos escritos, as novas vertentes teóricas apontam para a crescente incorporação dos objetos da cultura material como fonte de pesquisa e análise, portanto, de conhecimento de uma realidade. E só é possível conhecê-la a partir dos registros, sejam eles em forma de escrita ou de outras produções humanas.
Há menos de um século, consideravam-se como documentos próprios ao trabalho do historiador os chamados “papéis velhos”, constituídos por registros oficiais, biografias de importantes personagens políticos ou religiosos. Atualmente, pensa-se no quão reveladores podem ser um diário, uma obra arte, uma peça de mobiliário ou mesmo um aparelho de uso doméstico, uma vez que são, igualmente, expressões de um determinado contexto histórico, como afirma Vavy Pacheco Borges,
[...] no meio da poeira de documentos antigos, na lama das escavações ou no manuseio de instrumentos muito desenvolvidos tecnicamente, é sempre o homem vivo que o historiador procura encontrar, é a sociedade na qual esse homem viveu, trabalhou, amou, procriou, guerreou, divertiu-se, que o historiador quer decifrar. E, para tanto, todo tipo de documento que esclareça esses aspectos é de fundamental importância (BORGES, 1988).
O universo do trabalho, por exemplo, pode ser exposto pela cultura material a partir dos seus resultados concretos, quando se trata de produtos para consumo ou bens de produção, como instrumentos técnicos. Contudo, a percepção das relações sociais de trabalho nem sempre se evidenciam com a mesma facilidade: é necessário buscá-la muitas vezes nos procedimentos do método crítico, comparando os objetos e procurando identificar o meio social no qual ele foi produzido, e encontrar respostas para questões como: quem o produziu? a quem pertenceu? quem o utilizou? E indagar sobre que repercussão teve a produção, a posse e o uso do objeto em questão, em termos de estrutura social.
Esse procedimento exige todo um trabalho de pesquisa que pode resultar na desfetichização do objeto e na compreensão das relações sociais da sociedade à qual pertenceu, e em outra perspectiva, comparar as mudanças e permanências nas relações sociais de trabalho, nas relações econômicas, nos padrões técnicos e culturais da sociedade em diferentes temporalidades.
Todos, ou quase todos os objetos podem ser considerados suportes materiais para a compreensão do passado e o estabelecimento das relações entre passado e presente. Se, no passado, os artefatos representavam as possibilidades materiais e imateriais de uma cultura e eram produzidos em um universo de relações sociais de trabalho, isso é válido também para o presente, uma vez que a sociedade ainda se estrutura de forma a exigir que cada indivíduo desempenhe um papel no mundo do trabalho.
A produção de uma peça de vestuário, de um mobiliário, de uma peça de porcelana, ou de uma arma é sempre algo que se faz mantendo-se a diferenciação entre aquele que produz e aquele que se apropria do produto; isso serve para as sociedades antigas e modernas. Contudo, nas sociedades modernas, geradas a partir da revolução industrial, os trabalhadores, produtores dos bens materiais, passaram gradativamente a ter um acesso maior à parte dos bens produzidos, o que não significa dizer que tenham sido eliminadas do universo do trabalho as diferenciações entre força-de-trabalho e proprietários dos meios e bens de produção.
Ao contrário, essa distância permaneceu e se ampliou. No entanto, há uma mítica criada e mantida pela sociedade de consumo que se formou após a industrialização: de que há uma democratização do acesso aos bens produzidos. E isso deve ser considerado, visto que os bens produzidos por uma sociedade são de diferentes padrões e de diferentes valores, tanto no que se refere ao valor de venda, quanto ao valor de uso. Mas, quando um produto deixa de ser fator de diferenciação social, surgem novos modelos e estilos, ou outros de tecnologia mais avançada que ocupam o seu lugar no universo das representações sociais simbólicas.
Para além do seu conteúdo físico, as coisas materiais constituem-se em exposição e fonte de conhecimento sobre tecnologia, funcionalidade, gosto estético, formas de apropriação e uso. Tudo o que o homem fabrica tem relação direta com suas necessidades sejam elas materiais (alimentação, vestuário, moradia etc.) ou imateriais (intelectuais, éticas, estéticas etc.), e é por essa razão que expressam os padrões culturais de um determinado tempo e lugar, revigorando-se constantemente com o renovar da vida humana. E isso é válido para o presente e para o passado.
Nas comunidades pré-históricas, os homens se organizavam devido à necessidade de sobrevivência. Entretanto, suas possibilidades materiais e intelectuais diferiam quantitativa e qualitativamente das possibilidades atuais. Habitavam cavernas, alimentavam-se da carne dos animais capturados muitas vezes por grupos numerosos, que contavam com instrumentos rudimentares de caça, vestiam-se da pele dos animais abatidos e registravam o quotidiano nas paredes das cavernas com tintas extraídas do sangue dos mesmos animais, só para citar alguns exemplos. Esses poucos exemplos são indicativos da subordinação daqueles homens às condições oferecidas pela Natureza. Por outro lado, o ato de confeccionar vestimentas, ainda que para atender a necessidade natural de proteção contra as condições climáticas ou contra ataques ferozes, mostra um quadro de elaboração intelectual próprio apenas ao gênero humano.
Em constante evolução, o homem ampliou seu domínio sobre a Natureza e criou sociedades mais complexas, nas quais o conforto passou a ser símbolo não apenas de atendimento às necessidades de sobrevivência, mas também às psicológicas e sociais.
Criou, ainda, o conceito de status, representando um sistema de alocação social que se dá pela linguagem, pelas formas diferenciadas de tratamento, como podemos observar nas sociedades que classificam seus membros: livres e escravos; cidadãos e bárbaros; suseranos e vassalos; senhores e camponeses; nobres e servos; civilizados e selvagens, e assim por diante. A manutenção desse sistema requer a produção de “coisas” que exteriorizem o lugar de cada um na escala de qualificação social. Desse modo, a produção da vida material atende necessidades naturais e culturais.
A busca da compreensão da sociedade a partir das suas estruturas materiais torna-se imprescindível a partir do século XIX, com a segunda Revolução Industrial e a ampliação da produção de bens materiais.
Karl Marx, que viveu naquele período, pensou a sociedade de seu tempo em função da estruturação da sociedade de classes como uma consequência das relações de produção e da divisão social entre os produtores (a força de trabalho) e os possuidores dos meios de produção. Apontou o trabalho como um aspecto fundamental na vida do ser humano, pois corresponde ao atendimento de suas necessidades naturais: na busca da sobrevivência os homens organizam-se primeiro para a produção, de modo que a economia se constitui a base da organização dos aspectos políticos e culturais da sociedade, dando-se assim a divisão entre estrutura (economia) e superestrutura (os demais níveis).
Dos estudos sobre as relações de trabalho na sociedade capitalista, Marx extraiu os conceitos de mais valia e alienação: a mais valia correspondendo à diferença entre aquilo que o homem produz e a parte da qual ele se efetivamente se apropria, e a alienação correspondendo à perda da liberdade e da capacidade de escolha. Segundo ele, a sociedade capitalista cria a necessidade de produzir com a ideologia de que a maior produção resultará em melhores condições de vida. O que ocorreria, de fato, seria o escamotear da realidade social pela naturalização das relações de trabalho e produção. Tal organização resultaria apenas no aumento da opressão sobre as classes trabalhadoras e, portanto, na reprodução do capitalismo, ou seja, na manutenção das desigualdades sociais.
Muitos pensadores do século XIX se ocuparam da análise social por compreenderem que havia uma distância entre aquilo que o homem esperava do avanço do processo de industrialização e acumulação de capital e aquilo que de fato resultava desse processo.
Essa discussão sobre as relações sociais de trabalho e sobre a produção da vida material toma outro enfoque no século XX, especialmente na fala dos frankfurtianos Adorno e Horkheimer. Segundo eles, a ampliação da produção de objetos leva à crescente produção da necessidade de consumo. Para tanto, a indústria cultural, a cultura de massa, transmite a mensagem de que a liberdade do homem reside na capacidade de consumo e, assim, a propaganda passa a atuar como força civilizadora da sociedade. Cria-se a ilusão de que a igualdade seria proporcionada pela capacidade de consumir, ou, em outras palavras, a  falsa ideia de que os que podem consumir objetos idênticos ocupam lugares idênticos na escala social (MANCEBO et alii, 2004)
A Filosofia também contribui para essa discussão relativa aos produtos e as relações sociais na época contemporânea. Marilena Chauí, ao ponderar sobre as regras do mercado capitalista e a ideologia da indústria cultural, afirma que a partir da segunda Revolução Industrial mesmo “as artes foram submetidas a uma nova servidão”: à prática do consumo de “produtos culturais” fabricados em série, uma vez que passaram a ser pensados como mercadorias e vendidos pela propaganda.
A arte, como todos os outros objetos da cultura material, foi massificada nos meios de comunicação, correndo o risco de tornar-se reprodutiva e repetitiva, o que não significa que ela se democratizou. Ao contrário, a indústria cultural e a publicidade que dela faz parte atualizam constantemente os sinais de prestígio social, político e cultural. Os meios de comunicação de massa separam os produtos culturais por seu valor de mercado:
[...] há obras “caras” e “raras”, destinadas aos privilegiados que podem pagar por elas, formando uma elite cultural; e há obras “baratas” e “comuns”, destinadas à massa. Assim, em vez de garantir o mesmo direito de todos à totalidade da produção cultural, a indústria cultural introduz a divisão social entre elite “culta” e massa “inculta”.
Além disso, cria a ideia de que todos têm acesso aos mesmos bens culturais e, sobretudo,
[...] define a cultura como lazer e entretenimento, diversão e distração, de modo que tudo o que nas obras de arte e de pensamento significa trabalho da sensibilidade, da imaginação, da inteligência, da reflexão e da crítica não têm interesse, não “vende”. Massificar é, assim, banalizar a expressão artística e intelectual. Em lugar de difundir e divulgar a cultura, despertando interesse por ela, a indústria cultural realiza a vulgarização das artes e dos conhecimentos (CHAUÍ, 2002 ).
O mesmo raciocínio é válido para os demais objetos produzidos para consumo, pois a expansão da produção capitalista levou à necessidade de expansão dos mercados consumidores, o que se fez pela educação das massas consumidoras, de modo que os objetos passam a ser consumidos pelo valor de troca e não pelo seu valor original.
Outra contribuição ao estudo da cultura material e suas representações sociais vem das discussões relativas à Semiologia dos objetos. Baudrillard, definido teoricamente como pós-marxista, afirma que a sociedade industrial, ao ampliar a quantidade de bens materiais produzidos, cria não apenas a noção de necessidade de consumo de produtos, mas a necessidade de consumo de signos. Os objetos da cultura material são consumidos não porque satisfazem necessidades naturais, mas porque são signos de distinção social.
Quando um objeto já não confere a um indivíduo a distinção social que se espera dele, ele é substituído por outro que desempenhe melhor esse papel. Assim, as relações sociais de trabalho e a produção da cultura material seriam constantemente alteradas pelo processo de fetichização dos objetos.
Em todo tempo e lugar, os objetos podem ser fetichizados, uma vez que são semióforos – signos, representações – sejam adornos de uma comunidade tribal, placas indicativas de caminhos da Antiguidade, espadas medievais, esculturas de salões burgueses do século XIX ou câmeras digitais do século XXI. As obras de arte, as raridades, as relíquias e os objetos contemporâneos de tecnologia avançada continuam sendo possuídos por um número diminuto de pessoas, expressando a manutenção das distinções sociais e, portanto, sendo signos de diferenciação entre os indivíduos que compõem a sociedade.
Por outro lado, os objetos também podem ser desfetichizados, tanto os de uso quotidiano, quanto aqueles preservados pelos museus.
De acordo com Ulpiano  Menezes,
[...] pode-se desfetichizar as liteiras e cadeirinhas de arruar, mostrando ou favorecendo a compreensão das formas de classificação social dentro do espaço urbano, ou a tela de Benedito Calixto ´A fundação de São Vicente´, de 1900, não como representação da origem da futura cidade, em 1532, mas como veículo do imaginário da virada do século XIX, que permite o conhecimento de conceitos oitocentistas e representações sociais quanto a cidade, território, colonização, instituições, relações sociais, inter-étnicas, etc. (MENEZES, 1993).
Ao observar um produto da cultura material de um povo, ou de um tempo, além de identificar a matéria-prima utilizada e suas formas, é necessário fazer uma leitura que se remete ao universo dos significados, exercer a cognição desde a percepção sensorial das coisas vistas até a leitura mais elaborada, que passa pela busca das intenções que levaram à fabricação, sua dimensão, localização espacial e temporal, funções e conteúdo, apropriações e usos. Desse modo, o olhar sobre os objetos e as indagações que lhe são propostas determinam a qualidade do conhecimento sobre a realidade.
Os filósofos da antiga Grécia, Sócrates, Platão e Aristóteles, ao buscarem a compreensão do Ser – da natureza, da realidade – questionar sobre a possibilidade de conhecer o mundo a partir da percepção das coisas vistas, e se elas são realmente o que nos parecem, ou se possuem um conteúdo alcançável apenas pela atitude filosófica. Inauguravam, assim, a reflexão sobre a distância entre aparência e essência, sobre representações e significados. Essa discussão sobre o que as “coisas” são e como ela nos parecem também está presente na atualidade, em diversas disciplinas originárias da Filosofia e que integram diferentes áreas de conhecimento: Linguística, Psicologia, História, Arqueologia, Sociologia, Antropologia e outras, de modo que tratar da cultura material pressupõe retomar a atitude filosófica da busca do conhecimento para além da aparência, bem como integrar diferentes áreas do conhecimento e perspectivas teóricas.
Visto que as sociedades produzem modelos culturais diversificados e repletos de expressões materializadas nos testemunhos do passado e do presente, a compreensão de determinada realidade depende da identificação da sua produção cultural delimitada no tempo e no espaço, bem como do pensar sobre conceitos que envolvem tanto o universo da produção da vida material, como o da construção de emblemas que expressam pensamentos, sentimentos e valores.
É necessário questionar acerca dos produtos da cultura material, preservados ou descartados, para que eles não permaneçam apenas sacralizados pela memória, ou esquecidos em meio ao ritmo de substituição de produtos imposto pela sociedade de consumo, ou restritos às imagens que se criaram em torno deles.
Nosso olhar e nossa leitura devem contribuir para a elaboração de um conhecimento novo.

Texto publicado originalmente em: Domínios de Linguagem IV: subsídios à formação linguística. Organizadores: Maria Célia Lima-Hernandes, Guilherme Fromm. São Paulo: M.C. Lima-Hernandes: G. Fromm, 2004 – Edição impressa. ISBN: 85-903532-3-0.

Bibliografia.

BAUDRILLARD, Jean. A moral dos objetos. Função-signo e lógica de classe. In MOLES, Abraham et al. Semiologia dos objetos. Petrópolis: Vozes, 1972.
BLOCH, Marc. Introdução à História. s.l.: Europa-América, s.d.
BORGES, Vavy Pacheco. O que é História. São Paulo: Brasiliense, 1988.
CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre práticas e representações. Rio de Janeiro: DIFEL, 1988.
CHAUI, Marilena . Filosofia. São Paulo: Ática, 2002.
CHAUI, Marilena. Brasil. Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.
GADAMER, G. H. et al. História e historiadores. Lisboa: Gradiva, 1988.
MANCEBO, Deise, OLIVEIRA, Dayse Marie, FONSECA, Jorge Guilherme Teixeira da, SILVA, Luciana Vanzan da. Consumo e subjetividade: trajetórias teóricas. http://www.scielo.br/scielo. php.
MENEZES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Do laboratório da memória ao teatro da História: a exposição museológica e o conhecimento histórico. In Anais do Museu Paulista, Nova Série, v. 2, 1993.
REDE, Marcelo. História a partir das coisas: tendências recentes nos estudos da cultura material. In Anais do Museu Paulista. São Paulo. Nova. Série, v. 4, jan/dez. 1996.


15 outubro 2011

Aos Mestres...


Em homenagem aos Mestres, que fazem florescer nossas almas, dando-nos a feliz oportunidade de vislumbrar um futuro verdadeiramente humano.



Mestre, meu mestre querido!
Fernando Pessoa 
(Álvaro de Campos)

Mestre, meu mestre querido!
Coração do meu corpo intelectual e inteiro!
Vida da origem da minha inspiração!
Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida?
Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada,
Alma abstrata e visual até aos ossos,
Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo,
Refúgio das saudades de todos os deuses antigos,
Espírito humano da terra materna,
Flor acima do dilúvio da inteligência subjetiva...

Mestre, meu mestre!
Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos,
Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser,
Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos,
Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim!

Meu mestre e meu guia!
A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou,
Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente,
Natural como um dia mostrando tudo.

Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade.
Meu coração não aprendeu nada.
Meu coração não é nada,
Meu coração está perdido.

Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu.
Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi!
Depois tudo é cansaço neste mundo subjetivado,
Tudo é esforço neste mundo onde se querem coisas,
Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas,
Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente.
Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento
Pela indiferença de toda a vila.
Depois, tenho sido como as ervas arrancadas,
Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido.
Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça,
E eu, por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém.
Depois, mas por que é que ensinaste a clareza da vista,
Se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara?
Por que é que me chamaste para o alto dos montes
Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar?
Por que é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer dela
Como quem está carregado de ouro num deserto,
Ou canta com voz divina entre ruínas?
Por que é que me acordaste para a sensação e a nova alma,
Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha?
Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele
Poeta decadente, estupidamente pretensioso,
Que poderia ao menos vir a agradar,
E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver.
Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano!

Feliz o homem marçano
Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,
Que tem a sua vida usual,
Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,
Que dorme sono,
Que come comida,
Que bebe bebida, e por isso tem alegria.
A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.
Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.
Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.



03 outubro 2011

O resgate da identidade nacional: cultura e fato histórico.


O resgate da identidade nacional: cultura e fato histórico.
Percursos Históricos, Ano I, vol. out., série 03/10, 2011.
SOARES, Marilda

As circunstâncias históricas do século XIX fizeram aflorar o nacionalismo no mundo ocidental. Na Europa, as invasões napoleônicas, as guerras de unificação italiana e alemã, bem como as novas perspectivas de desenvolvimento do neocolonialismo, levaram as populações à preservação de seus espaços territoriais por meio da difusão dos valores constitutivos da nacionalidade. Do mesmo modo, na América Latina, os processos de independência e a necessidade de manter a coesão política colocaram em pauta o tema da identidade cultural.
No Brasil, a Independência, em 1822, deu início a um processo de busca dos referenciais histórico-culturais do país. Era necessário conhecer a população, os recursos econômicos e as riquezas da terra, e registrar a História da Nação, mas alguns aspectos apresentavam grande complexidade. Como registrar a História de um povo formado segundo os critérios excludentes da sociedade colonial? Como apresentar a cultura do povo brasileiro sem mencionar o fato de que parte significativa desse povo e, portanto, dessa cultura, foi sistematicamente desqualificada pelos colonizadores? Como falar em identidade sem apontar seu complemento necessário – a alteridade – e todos os conflitos resultantes da presença e do predomínio do europeu no Novo Mundo?
O Império, com a colaboração dos industriais, fundou o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que promoveu um concurso para selecionar o melhor projeto de construção da História do Brasil. O vencedor, Von Martius, propôs que a História nacional se fizesse apontando a contribuição das três raças e a preponderância do europeu, o sujeito histórico responsável pelas grandes transformações. Desse modo, a História que começou a ser escrita não tratou as três etnias presentes na formação do povo e da cultura do Brasil com o mesmo olhar. A relação entre dominadores e dominados explicitava o preconceito de superioridade cultural do europeu frente ao ameríndio e ao africano.
Também na Literatura, em O Guarani, Iracema, A Moreninha e em tantos outros romances, o tema da nacionalidade foi mote privilegiado. O Romantismo encarregou-se de divulgar as relações entre brancos, índios e negros em seus enredos recheados de bons selvagens, escravos subservientes e estudantes abolicionistas, negando ou suavizando os embates presentes na sociedade.
Textos científicos e políticos publicados na época reforçavam os debates em torno da questão étnica. Muitos intelectuais influenciados pelo pensamento darwinista  colocavam preceitos pseudocientíficos a serviço da manutenção do sistema escravista, afirmando que a Nação permaneceria aquém dos avanços técnicos e econômicos verificados na Europa, ou se degeneraria, se ficasse à mercê da ignorância das tradições africanas. Outros intelectuais, preocupados com novo elemento adventício, o imigrante, apontavam a necessidade de preservar a cultura formal da influência dos estrangeiros, com suas falas e seus modos tão diferentes dos padrões idealizados pela elite nacional.
Assim, para compreender o processo de formação da cultura e do povo brasileiro, é necessário cotejar os textos históricos, literários e científicos, resgatando a preciosidade de suas informações e perceber como tais textos revelam, além dos cenários e personagens – reais ou fictícios –, as mentalidades e as sutilezas dos discursos permeados pelos valores contemporâneos.
Na passagem do século XIX para o século XX, o Brasil passou por muitas mudanças, com a Abolição, a República e a imigração européia e asiática. Contudo, o padrão cultural difundido no país estava, ainda, atrelado aos aspectos ideológicos e estéticos divulgados nos centros da civilização europeia.
Amplos setores da aristocracia nacional consideravam que, para ser moderno, ser civilizado, era preciso agir como se estivesse nas ruas de Florença, de Paris, de Londres. Em outras palavras, cultivavam o ideal de transplante cultural iniciado nos primeiros tempos da colonização e mantido durante o Império.
Com a prosperidade econômica gerada pela produção do café, a industrialização e a urbanização criaram os novos ricos e mantiveram o prestígio de setores da elite tradicional. Uma das formas de expressão do status político e econômico era o consumo de obras de arte, o financiamento de grandes monumentos públicos e a construção de belas mansões. Em certos bairros nobres do Rio de Janeiro e de São Paulo havia casas suntuosas, construídas e decoradas com tijolos ingleses, mármores italianos e cristais franceses.
Também era comum que edifícios públicos fossem projetados por arquitetos europeus, ou construídos na Europa e transportados, peça por peça, para o Brasil, como é o caso do Teatro de Manaus e do Mercado Municipal de Belém.
Os artistas brasileiros geralmente iniciavam seus estudos na Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro e completavam-nos em Paris, muitas vezes com verbas concedidas pelo próprio governo brasileiro. De volta ao Brasil, pintores do cabedal de Almeida Júnior e Rodolfo Amoedo traziam as técnicas do realismo, do impressionismo e do pontilhismo as quais eram usadas na confecção de telas que retratavam cenas históricas nacionais.
Não obstante as preferências estéticas da elite, as mudanças no cenário político, econômico e sociocultural dos países ocidentais refletiram-se nos novos estilos da arte europeia e acabaram influenciando artistas e outros intelectuais a iniciarem, no Brasil, um movimento de renovação. Pintores, escultores e escritores procuravam novos caminhos para a arte, buscando a expressão de um sentimento e de um pensamento voltado para a valorização da cultura nacional. Ainda que formados pela cultura erudita, constituída nos moldes europeus, lograram transformar os modelos instituídos e socialmente valorizados. Dentre eles, destacaram-se Lasar Segall, Anita Malfatti, Vitor Brecheret, Di Cavalcanti, Heitor Villa-Lobos, Mário de Andrade e Oswald de Andrade.
Já em 1913, Lasar Segall, pintor de origem lituana que se fixou definitivamente no Brasil em 1923, realizou sua primeira exposição, contribuindo para a introdução do expressionismo alemão, um estilo de vanguarda. Em suas obras, elegeu temas nitidamente nacionais, como a mulata e o negro, as vicissitudes do espaço urbano, com suas favelas, e a natureza, com cores vivazes.
Pouco tempo depois, em 1917, Anita Malfatti recebeu dura crítica pela exposição de suas obras, às quais Monteiro Lobato atribuiu a pecha de uma “espécie de caricatura”. Seus trabalhos mostravam a influência das obras expressionistas de Picasso e Gauguin e representaram a divulgação de uma tendência que seria mantida e ampliada após a Semana de Arte Moderna.
Juntamente com outros artistas e intelectuais do período, Vitor Brecheret, escultor italiano, lançou-se em defesa do novo estilo. Ele próprio, autor do Monumento às Bandeiras, apresentava um padrão estético diferenciado, com traços sintéticos e movimentos expressivos.
Após visitar a exposição de Malfatti, o escritor Mário de Andrade escreveu Paulicéia desvairada, obra poética modernista, publicada em 1922, ano em que, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro, se realizou em São Paulo, no Teatro Municipal, a Semana de Arte Moderna.
Mais do que uma exposição, a Semana converteu-se em um movimento com manifestações pela inovação e liberdade de expressão. Segundo os organizadores do evento, as mais modernas formas de expressão artística difundidas no exterior deveriam ser incorporadas de forma crítica – adequadas e apropriadas à realidade nacional –, o que significava a defesa da representação, pelas artes, dos aspectos diversos da cultura brasileira. E, de fato, as obras de Mário e Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Heitor Villa-Lobos, dentre outros, caracterizam a cultura produzida nas diferentes regiões do Brasil e refletem uma realidade até então pouco explorada pelas Artes Plásticas e pela Literatura.
É bem verdade que, antes do Modernismo, o Realismo-Naturalismo apresentara uma visão mais objetiva do mundo, buscando retratar fielmente o cotidiano, diferentemente da literatura parnasiana do final do século XIX, que se inspirava no ideal de arte pela arte e refletia muito pouco a realidade brasileira. Assim, é necessário destacar outras contribuições da Literatura ao registro da cultura nacional, como se pode observar em obras como O Mulato, de Aluísio de Azevedo, ou Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. No início do século XX, Euclides da Cunha, com o registro histórico publicado em Os Sertões, Lima Barreto, com os apontamentos sobre a sociedade suburbana do Rio de Janeiro, e Monteiro Lobato, com a literatura infantil reveladora do espaço rural, também assinalaram elementos recônditos do cotidiano do homem brasileiro.
Os modernistas do início do século passado constituíram um movimento de formação e divulgação da identidade nacional com implicações na organização da política cultural do Estado, e inovaram ao expressar o ideal de superação da histórica dependência cultural, como proposto em 1928 por Oswald de Andrade, no Manifesto Antropofágico. Tal superação não excluía os avanços das técnicas artísticas, nem mesmo a apreciação dos estilos europeus, mas valorizava o elemento nacional, ressaltando a necessidade de se constituir uma moderna vertente de interpretação do Brasil.
E, nas Artes Plásticas, em Di Cavalcanti ou Tarsila do Amaral, mesmo quando a técnica e a estética faziam com que a obra se aproximasse do cubismo de Pablo Picasso, emergia uma temática brasileira, com cores e formas que expressavam os gestos e os gostos cultivados nos trópicos.
Do mesmo modo, a liberdade das formas foi a tônica do novo estilo literário. Em Paulicéia desvairada, Mário de Andrade recorreu ao uso de expressões populares, o que indicava a incorporação da cultura espontânea pela cultura erudita. E, sobretudo, apresentava o Brasil como o espaço de uma cultura plural, cujos hábitos linguísticos sobrepunham-se à formalidade da gramática portuguesa.
Na música erudita, Heitor Villa-Lobos apresentava releituras de cantigas folclóricas colhidas em pesquisas nas regiões Norte e Nordeste, transformando-as em peças musicais de projeção internacional. Concomitantemente com a instalação da indústria fonográfica, a música popular também ganhava prestígio junto às elites nacional e internacional, que apreciavam composições como Carinhoso, de Pixinguinha.
No cinema, filmes com temas populares, como Nhô Anastácio chegou de viagem, ou O guarani, baseado na obra literária, eram vistos por multidões formadas por todas as classes sociais.
Nessa mesma época, o país preparava-se para as comemorações do Centenário da Independência, de modo que os anos de 1920 representaram um momento especialmente propício para os debates em torno da cultura e da política nacional. Nesses debates, o nacionalismo representou o ponto nodal das disputas e, também, das possibilidades de conciliação.
A definição de modernidade cultural foi estabelecida pela Semana de Arte Moderna, que anunciou a vanguarda da intelectualidade brasileira, sua capacidade criadora, e buscou, ao mesmo tempo, explorar os alicerces da nacionalidade. Com esse movimento, produziu-se a união do tradicional ao contemporâneo, propondo uma nova abordagem que significava a mistura entre o cosmopolita e o nacional, com opção pelo nacional. Assim, o Modernismo e o nacionalismo, conservador ou progressista, não podem ser compreendidos separadamente e o caminho de compreensão perpassa pelos vieses culturais cujo esteio é o fato histórico.

Texto publicado originalmente em: Domínios de Linguagem II: literatura em perspectiva. Organizadores: Maria Célia Lima-Hernandes, Guilherme Fromm. São Paulo: M.C. Lima-Hernandes: G. Fromm, 2003 – Edição impressa. ISBN: 85-902957-2-9. 

Bibliografia.
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NAXARA, Márcia Regina Capelari. A construção da identidade: um momento privilegiado. In: Revista Brasileira de História, v. 11, n º 23/24, São Paulo: set.91/ago.92.
SOARES, Marilda Aparecida. “Para promover a grandeza da Nação”: O Estado Novo e o projeto para a educação nacional. Tese de Doutorado. FFLCH/USP: São Paulo, 2002.
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