Patrimônios da Humanidade

Patrimônios da Humanidade

25 maio 2011

Reformas do ensino primário paulista na Primeira República: passagens da História da Educação Brasileira.

Reformas do ensino primário paulista na Primeira República: passagens da História da Educação Brasileira [1].

Percursos Históricos, Ano I, vol. maio, série 25/05b, 2011.

SOARES, Marilda

As condições materiais para a restruturação do ensino paulista e a expansão da instrução popular começaram a surgir a partir do momento em que ocorreram mudanças profundas na organização socioeconômica do estado, após a desagregação da ordem escravocrata, o  desabrochar de uma sociedade urbana e a evolução do modelo capitalista de desenvolvimento.


No final do século XIX,  a abolição da escravatura e o processo de imigração modificaram as relações de produção devido à difusão do trabalho assalariado. Por outro lado, os investimentos em transporte e o desenvolvimento da produção e comercialização de café,  favoreceram os investimentos na economia urbana. A dinamização da economia reforçou a concentração populacional, o desenvolvimento do setor terciário, dos serviços urbanos e de infra-estrutura, e do sistema financeiro.
São Paulo ganhava expressão econômica e delineava-se a necessidade de mudanças estruturais no setor educacional,  no sentido de modernizar a produção, a política e a própria cultura, de modo a adequá-las às mudanças pelas quais passava a sociedade. Especialmente quando a lavoura cafeeira impulsionou o crescimento da vida urbana e, posteriormente, a formação da sociedade urbano-industrial, a administração pública viu-se compelida a reformar algumas instituições até então organizadas pela e para a elite dirigente.
 Sobretudo a partir da implantação do governo republicano, entrou em decadência a ideia de que a educação deveria permanecer como um direito exclusivo da elite. Em consequência, a legislação do ensino público começou a sofrer mudanças significativas: foram elaboradas leis garantindo o direito à educação e implementados projetos de criação e ampliação das unidades escolares. Para reduzir o índice de analfabetismo, as autoridades republicanas paulistas buscaram integrar a organização e o funcionamento do sistema educacional às reivindicações sociais, através do empreendimento de uma "reconstrução pedagógica". Mas as mudanças que surgiram daí foram, geralmente, no sentido de multiplicar as vagas escolares nos centros mais populosos, medida que não atendia aos interesses gerais da população que, em sua maioria, residia nas zonas rurais.
O governo paulista mostrou-se preocupado em  ampliar os níveis de escolaridade e conferir à educação um novo papel frente à realidade econômica e social do estado. As mudanças no panorama político exigiam não apenas a reorganização dos quadros administrativos, mas, sobretudo, uma nova postura do poder público frente às questões sociais. Nesse contexto, a expansão do ensino elementar foi considerada fator prioritário, visto que as poucas medidas empreendidas até então não se haviam mostrado eficazes sequer para ampliar as taxas de alfabetização. Além disso, o aumento da demanda de educação formal, consequência das transformações sócio-econômicas e da percepção de que a escola era meio para ascensão na escala social,  pressionou os poderes públicos no sentido de expandir a rede de ensino e, ao mesmo tempo,  implicou  na ampliação da  interferência do Estado sobre o sistema educacional.
Dentre as diversas medidas políticas adotadas com o objetivo de expandir o ensino elementar, destacam-se as reformas da instrução pública, que tiveram em comum a pretensão de dar organicidade ao sistema educacional e criar mecanismos para tornar possível o acesso e a permanência dos alunos nas escolas públicas primárias.
Em 1892, a primeira reforma da instrução pública paulista[2] instituiu uma organização escolar moderna e complexa para a época, prescrevendo a necessidade de medidas legislativas com vistas à ampliação do aparelho escolar para a formação do jovem cidadão republicano. Ela determinava a divisão do ensino público em três categorias: superior, secundário e primário, este último, ministrado nos níveis preliminar e complementar, obrigatório para crianças de ambos os sexos entre as idades  de 7 e 12 anos.  Era ambicioso, e ao mesmo tempo utópico, o projeto educacional: em todas as localidades com 20 a 40 alunos matriculáveis seria instalada uma escola preliminar e, nas localidades com mais de 80, seria instalada uma escola para cada 40 alunos; onde houvesse menos de 20, seria instalada uma escola mista; onde fosse necessário, haveria uma escola ambulante; e onde houvesse frequência provável de 30 adultos, deveria ser criada uma escola noturna com curso gratuito.
Cada escola preliminar deveria possuir uma área espaçosa para recreios e exercícios físicos, sala para trabalhos manuais, equipamentos para o ensino de geografia, do sistema métrico e de ginástica e, ainda,  uma biblioteca escolar para uso do professor, com manuais de processos de ensino, ciência aplicada à indústria e à agricultura. Para cada 10 escolas preliminares seria criada uma escola complementar, equipada com  biblioteca,  laboratório, gabinete de física e química, coleções de história natural, além de mapas, lousas e outros materiais de uso escolar. Essas escolas  habilitariam os alunos que houvessem concluído o curso para o cargo de professor adjunto nas escolas preliminares.
Para a direção da Instrução Pública, o Presidente do estado, na condição de Diretor Supremo do Ensino, contaria com um Conselho Superior, composto por um Diretor Geral, pelo Diretor da Escola Normal da Capital, pelo Diretor da Escola Modelo, por um professor eleito pelos professores públicos primários e outro eleito pelos professores dos ginásios, dois delegados das municipalidades e inspetores de distrito. Além do Conselho Superior, a Diretoria do Ensino passaria a contar com uma Seção de Estatística Escolar e Arquivo.
De acordo com a lei, os pais, tutores, curadores ou empregadores estariam obrigados a matricular seus filhos, tutelados, curatelados ou empregados, menores de 12 anos, no curso preliminar das escolas públicas do estado.  Para garantir a matrícula obrigatória, a lei determinava que os pais ou responsáveis que viessem a permitir a ausência do aluno por 15 dias consecutivos sem motivo justificado e, igualmente, os patrões que não autorizassem a dispensa às crianças em idade escolar durante o tempo necessário ao comparecimento às aulas, pagariam à Coletoria Estadual multa de 10$000 réis e quantias múltiplas, no caso de reincidência.
Como não havia escolas suficientes para atender às determinações legais de obrigatoriedade da matrícula no curso preliminar, o governo propunha-se a despender verbas para a construção de edifícios escolares e escolheria para a instalação preferencialmente os municípios que colaborassem com a doação de verbas, terrenos ou materiais. Além das verbas para construção de edifícios escolares, o Estado comprometia-se a fornecer, gratuitamente, os livros oficialmente adotados, todos os equipamentos e materiais de uso escolar. Para obter os recursos necessários, a lei determinava a criação de Caixas Econômicas Escolares nos estabelecimentos estaduais de ensino preliminar e complementar. E, para garantir a arrecadação de fundos, ficava determinado que cada aluno deveria contribuir, anualmente, com quantias de 100$000 réis, ou mais.
Em 1894, o Regimento Interno das Escolas Públicas[3] decretou que o curso preliminar passaria a ter duração de quatro anos e seria ministrado em escolas preliminares masculinas, femininas, mistas e noturnas, com  frequência obrigatória para crianças entre  7 e 12 anos, e facultativa até os 16. Nas localidades onde houvesse mais de uma escola, a densidade populacional o exigisse, e o Conselho Superior assim viesse a determinar, seria criado um grupo escolar composto de 4 a 10 escolas isoladas, podendo comportar escolas masculinas e femininas, desde que separados os sexos.
Também foi aprovado o Regimento Interno das Escolas Noturnas, segundo o qual estas seriam destinadas aos alunos do sexo masculino maiores de 16 anos, e adotariam o mesmo programa do curso preliminar, exceto ginástica, trabalhos manuais e exercícios que não se adaptassem a idade dos alunos, devendo fornecer, prioritariamente, conhecimentos de geometria com vista à sua aplicação nos diversos ofícios.
Em 1904, o Decreto n° 1.239, de 30 de setembro, determinou que o ensino público preliminar passasse a ser ministrado em escolas ambulantes, com aulas alternadas (um dia em cada bairro); em escolas isoladas situadas em bairros ou sedes de distritos de paz; em escolas isoladas situadas nas sedes dos municípios; em grupos escolares; na Escola Modelo e no Jardim de Infância[4]. Este decreto privilegiava os alunos da Escola Modelo, dos grupos escolares e das escolas isoladas, cujos cursos preliminares teriam a duração de 4 anos, enquanto que nas escolas ambulantes, além de as aulas serem ministradas alternadamente,  os cursos teriam a duração de apenas 3 anos.
Em 1917, a educação pública primária sofreu novas alterações através da Lei n° 1.579, de 19 de dezembro. As escolas isoladas do estado passaram a ser classificadas em rurais, com curso de dois anos; distritais, com curso de três anos; e urbanas, com curso de quatro anos. Foi instituído um curso complementar - com duração de dois anos e ministrado separadamente para ambos os sexos - anexo a cada uma das escolas normais do estado, destinado a complementar o ensino primário e preparar os candidatos ao ingresso nas escolas normais. Como a determinação de obrigatoriedade escolar não vinha sendo cumprida, a lei de 1917 ratificou  e atualizou a cobrança de multas dos pais ou responsáveis que não matriculassem as crianças em idade escolar ou permitissem sua ausência, para 10$000, 20$000 e 50$000 réis à Coletoria Estadual.
Quando esta lei foi regulamentada[5], ficou determinado que, caso a estatística demonstrasse a existência de 40 a 50 crianças em idade escolar em um raio de 2 quilômetros, e  nesse espaço não houvesse uma escola estadual, seriam criadas escolas rurais em propriedades agrícolas, núcleos coloniais ou centros fabris distantes das sedes municipais. A fiscalização das escolas isoladas deveria, a partir de então, ser feita em cada município por um Conselho Regional de Educação, composto por um promotor público, o presidente da Câmara Municipal, o diretor do Grupo Escolar e duas pessoas gradas da localidade, nomeadas pelo Secretário do Interior. Na Capital, as escolas isoladas seriam fiscalizadas diretamente pela Diretoria Geral da Instrução Pública.
Durante toda a década de 1920, no estado de São Paulo, permaneceram os esforços no sentido de implementar um ensino essencialmente técnico e profissionalizante no secundário e  de ampliar o nível de formação dos alunos[6]. As principais mudanças no setor educacional - levadas a cabo ou projetadas  pelas reformas educacionais - estavam ligadas à introdução dos princípios escolanovistas[7]. As novas ideias educacionais e as reformas que se processavam na Europa e nos Estados Unidos influenciavam educadores brasileiros, no sentido de um rompimento com a educação tradicional.  Sampaio Dória empreendeu, no estado de São Paulo, uma reforma contra "velhos métodos de ensino", e foi seguido por Lourenço Filho, no Ceará; Anísio Teixeira, na Bahia; Carneiro Leão, no Rio de Janeiro; Francisco Campos e Mário Casassanta, em Minas Gerais, que também empreenderam reformas educacionais nos moldes da Escola Nova.
Segundo a nova lei[8], a instrução pública paulista passaria a compreender: a) ensino primário, ministrado em escolas isoladas, escolas reunidas e grupos escolares, com curso obrigatório e gratuito e duração de dois anos; b) ensino médio, ministrado nos mesmos estabelecimentos destinados ao primário, com duração de dois anos e taxa anual de 80$000 réis; c) ensino complementar,  ministrado nas escolas complementares, com duração de três anos e taxa anual de 100$000 réis; d) ensino secundário, ministrado nos ginásios e escolas normais, pago através de uma taxa anual de 120$000 réis; e) ensino profissional, ministrado nas escolas profissionais;  f) ensino superior, ministrado nas academias e faculdades, com taxa anual de 300$000 réis. Além dessas categorias do ensino público  havia, ainda, o Jardim da Infância, anexo à Escola Normal da Capital, e o Estado expressava o interesse em instalar escolas maternais.
Com o propósito de ampliar as vagas escolares, dado o número excessivo de matrículas em algumas unidades, as escolas isoladas poderiam ter suas atividades desdobradas em dois períodos de 3 horas cada. E para desobrigar o governo estadual da tarefa de financiar o ensino em seus diversos níveis e graus, mantinha-se somente a gratuidade do ensino primário. A obrigatoriedade do ensino passava a atingir apenas as crianças de 9 e 10 anos de idade. Para os pais ou responsáveis que não matriculassem ou que permitissem a ausência das crianças nas escolas primárias permaneciam as multas de 20$000 réis a 100$000 réis, e quantias múltiplas em caso de reincidência, ou pena de 15 dias de prisão.
Para fiscalização escolar foram criadas 15 Delegacias Regionais do Ensino.  Instituiu-se o serviço de inspeção médico-escolar, com o objetivo de tratar gratuitamente os alunos pobres das escolas públicas e das particulares quando solicitado, examinar os professores, alunos e demais funcionários escolares e verificar as condições higiênicas das instalações escolares. Foi instituída, também, a assistência escolar "para o fim de facilitar às crianças indigentes a frequência, obrigatória, às escolas primárias"[9]; para tanto, o governo se propôs a criar condições para o funcionamento de uma Caixa Escolar na sede de cada município do estado.
A Reforma Sampaio Dória visava atender as expectativas de mudança do ensino e ser uma resposta às críticas relativas à educação pública de São Paulo que, após um florescimento no início do período republicano, entrara em declínio. Mas a redução na carga horária, inicialmente idealizada em oito horas diárias, para duas horas diárias, bem como os desdobramentos e tresdobramentos dos períodos escolares, demonstravam mais uma tentativa de ampliar os índices de escolaridade do que, propriamente, alterar o aspecto qualitativo do ensino.
Em 1921, o presidente do estado, Washington Luís, promoveu um recenseamento escolar, a partir do qual planejou a redistribuição espacial das escolas, descentralizou o serviço de inspeção escolar, limitou a idade escolar obrigatória para 9 a 12 anos; dividiu os cursos dos grupos escolares[10], com as finalidades de expandir as taxas de alfabetização e matrícula, intensificar o escotismo e a disciplina entre os alunos dos grupos escolares, fiscalizar as escolas e sistematizar o funcionamento das Caixas Escolares já existentes.
Outras medidas foram tomadas com o propósito de ampliar a escolarização. Dentre elas, a atuação dos alunos das Escolas Normais que, sob orientação e fiscalização dos professores de Educação,  passaram a alfabetizar os  adultos. Também foram criadas escolas de artes e ofícios, de pequeno porte, para analfabetos. Contudo, até o ano de 1923, a taxa de analfabetismo permanecia em torno de 50%. Para retomar o crescimento escolar, ou seja, a ampliação do número de unidades, de matrículas escolares e conclusões do curso primário, o Estado passou a estimular o ingresso de professores leigos para atuar em áreas mais distantes no interior, uma vez que os diplomados não demonstravam interesse em lecionar fora dos centros urbanos.
No ano de 1925, a Lei n° 2.095[11] aprovou o Decreto n° 3.858,  reformando novamente a instrução no estado. O ensino público passou a dividir-se em primário, complementar, secundário, profissional e superior. O primário - ministrado em escolas isoladas, grupos escolares, escolas e cursos noturnos, escolas modelo e escolas modelo isoladas - voltou a ser gratuito e obrigatório para crianças de 7 a 12 anos de idade.
As escolas isoladas, urbanas e distritais, passaram a dividir-se entre urbanas e rurais[12], a serem localizadas nos núcleos de analfabetos, ou seja, em áreas de 2 quilômetros onde existissem, no mínimo, 10 crianças matriculáveis na idade de 7 a 12 anos, e houvesse condição para o funcionamento de uma unidade escolar.  Onde fosse verificada a existência de 20 a 30  crianças maiores de 12 anos analfabetas, seria instalado um curso noturno; onde houvesse 120 crianças matriculáveis, deveria ser instalada uma escola reunida e onde houvesse 300 crianças matriculáveis, seria instalado um grupo escolar.
Em 1927, a Lei n° 2.269 estabeleceu nova reforma à instrução pública paulista. O ensino primário passou a ter a duração de 4 anos quando ministrado nos grupos escolares, 3 anos nas escolas isoladas e reunidas urbanas e 2 anos nas escolas rurais. O Estado garantia a gratuidade e determinava a obrigatoriedade do ensino primário para crianças de 8, 9 e 10 anos, estabelecendo a facultatividade da matrícula e frequência  para crianças de 7, 11 e 12 anos de idade.
Segundo o artigo 26, o governo poderia subvencionar escolas particulares primárias localizadas na zona rural, com 6$000 réis mensais por aluno frequente, desde que fossem regidas por brasileiros e se submetessem às seguintes normas: ministrar o curso em português; seguir os programas das escolas rurais estaduais; funcionar por, no mínimo, 3 horas diárias; ter, ao menos,  matrícula inicial de 15 alunos e média mensal de 10 frequentes; submeter-se à fiscalização e orientação da Diretoria Geral da Instrução Pública; enviar, mensalmente, demonstrativo do movimento escolar ao inspetor distrital. Nas localidades onde as escolas particulares demonstrassem bom aproveitamento para o ensino, o Estado daria preferência à sua conservação em detrimento da criação de novas escolas estaduais[13].
As escolas reunidas seriam instaladas nos lugares onde, em um raio de 2 quilômetros, houvesse 160 crianças matriculáveis e, no mínimo, 4 classes em funcionamento. Os grupos escolares, por sua vez, seriam instalados onde houvesse, no mínimo, 400 crianças matriculáveis. As escolas reunidas poderiam comportar de 3 a 7 classes e os grupos escolares, de 8 a 30 classes. Nas escolas rurais, isoladas ou reunidas, e mesmo nas escolas urbanas, onde não houvesse, por mais de 30 dias, professores diplomados, poderiam ser contratados, interinamente, professores leigos.
Em 1929, esboçou-se a primeira tentativa de inclusão dos alunos deficientes no processo educacional. A Lei n° 2.393 estabeleceu várias medidas com relação à instrução pública do estado. Para atender as necessidades da alfabetização e onde o número de crianças em idade escolar obrigatória excedesse a lotação do prédio, autorizou o funcionamento de três períodos diários, de 3 horas cada um, nos grupos escolares. Determinou, ainda, a criação de uma escola para crianças deficientes, a ser localizada na Capital e provida por professor especializado.
Os projetos contidos nas reformas de 1892, 1894, 1904, 1917, 1920, 1921, 1925 e 1927 buscaram sanar os principais problemas educacionais presentes ao longo da Primeira República: organização curricular, altas taxas de analfabetismo,  necessidade de nacionalização do ensino, qualidade de ensino, equiparação entre as escolas de nível médio,  liberdade de cátedra,  critérios para o vestibular,  seriação e  funções do poder público frente à organização do sistema educacional. Contudo, não foram suficientes para resolvê-los, tanto que, ao final da década de 1920, permaneciam as críticas da sociedade  à ausência de continuidade entre os níveis primário e secundário, à dificuldade de ingresso nos cursos secundário e superior, à inexistência de instituições voltadas para o desenvolvimento intelectual e à superioridade numérica das escolas particulares em relação as escolas públicas[14].
Observa-se que as mudanças na educação não seguiram o mesmo ritmo das transformações econômicas e sociais, mas sofreram igualmente sua influência, mesmo quando esta se mostrava apenas no plano teórico ou  restrita aos discursos parlamentares. Entretanto, alguns dos dispositivos legais constituíam-se em mecanismos para diminuir a participação do poder público estadual no financiamento e manutenção do ensino elementar;  serviam ainda para camuflar o problema da insuficiência e precariedade das instalações escolares, como é o caso da determinação da idade escolar obrigatória, alterada a cada reforma da instrução pública, com o objetivo não explícito, mas evidente, de ampliar os índices de escolaridade primária.
Em 1892, o ensino elementar era gratuito e obrigatório para as crianças de 7 a 12 anos de idade; em 1920, diminuiu para 9 a 10 anos; em 1921, ampliou para 9 a 12 anos; em 1925, ampliou novamente para 7 a 12 anos; e em 1927, caiu para 8 a 10 anos.
Havia outros dispositivos que isentavam o poder público de garantir educação primária a todas as crianças em idade escolar. Em 1892, determinou-se que estariam dispensados dessa obrigatoriedade aqueles que estivessem matriculados em escolas particulares, os que recebessem instrução em casa, os meninos que morassem a uma distância maior de 2 quilômetros e as meninas a uma distância maior de 1 quilômetro da escola e os alunos de ambos os sexos que tivessem inabilidade física ou intelectual comprovada. Dois anos depois, o Regimento Interno das Escolas Públicas determinou que estariam impedidas as matrículas dos maiores de 16 anos, dos meninos  maiores de 10 anos matriculados nas escolas mistas, dos portadores de moléstias contagiosas ou repugnantes, dos que não tivessem sido vacinados e dos afetados por varíola, além disso, seriam eliminados, dispensados ou inadmissíveis: os alunos despedidos por inabilidade física, os que faltassem por 25 dias consecutivos e aqueles que tivessem autorização dos pais. Em 1920, as crianças em idade escolar estariam isentas da obrigatoriedade de matrícula e frequência quando não houvesse escola pública em uma área de 2 quilômetros da sua residência ou vagas nas escolas existentes dentro desta área; aquelas que sofressem de incapacidade física ou mental, ou moléstia contagiosa ou repulsiva; e as que recebessem instrução primária domiciliar ou particular.
 E, mais que isso, as crianças portadoras de moléstias físicas ou mentais não seriam admitidas nas escolas públicas primárias estaduais, devendo ser encaminhadas às escolas especializadas, ou seja, escolas para débeis físicos, débeis mentais, escolas de segregação para doentes contagiosos, escolas anexas a hospitais, colônias escolares, escolas para cegos, escolas para surdos-mudos, escolas ortofônicas e escolas de educação emendativa para delinquentes.
Além de excluir formalmente todo esse contingente, o Estado determinava, ainda,  a quantidade necessária de crianças "escolarizáveis"  em cada região para a localização de uma escola primária. Mas, caso fosse verificada a existência de tal número de crianças, o poder público dispunha-se a instalar uma escola, desde que a municipalidade oferecesse as condições exigidas para tanto, ou seja, fornecesse prédio com dependências sanitárias adequadas, ou terreno para construção, além de auxílio financeiro. Diante de tantas exceções, as crianças frequentariam as escolas primárias do estado se estivessem na idade prevista, se não fossem portadoras de doenças ou incapacidade física ou mental, se residissem a menos de 2 quilômetros da escola existente, etc.




Bibliografia.


CAMPOS, Maria Christina S. S.. A formação dos professores no Brasil: do Império à Primeira República. Datil. p. 28.

Decreto n° 248, de 26 de julho de 1894.

Decreto n° 2.944, de 8 de agosto de 1918.

Decreto n° 4.600, de 30 de maio de 1929. Regulamenta as leis n° 2.269, de 1927 e n° 2.315, de 1928, que reformaram a Instrução Pública.
Lei n° 88, de 8 de setembro de 1892.

Lei n°1.750, de 8 de dezembro de 1920. Reforma a Instrução Pública do Estado.

Lei nº 2.095, de 24 de dezembro de 1925.

Lei n° 2.393, de 23 de dezembro de 1929

NAGLE, Jorge. A educação na Primeira República. São Paulo: E.P.U., 1974.
Reforma Sampaio Dória, Lei nº 1.750 de 1920.

SOARES, Marilda A. O Ensino público primário no Estado de São Paulo, 1937-1945. Transformações e continuidade. Dissertação de Mestrado. São Paulo: FFLCH/USP, 1997.




[1] Extraido de: SOARES, Marilda A. O Ensino público primário no Estado de São Paulo, 1937-1945. Transformações e continuidade. Dissertação de Mestrado. São Paulo: FFLCH/USP, 1997.
[2]Lei n° 88, de 8 de setembro de 1892.
[3]Decreto n° 248, de 26 de julho de 1894, que continha também o Regimento Interno das Escolas Noturnas.
[4]As escolas estavam assim classificadas:  escolas ambulantes: escolas isoladas situadas em bairros vizinhos servidos por via férrea ou que tivessem entre si a distância de 6 km; escolas isoladas situadas em bairros ou sedes de distritos de paz: localizadas fora do perímetro urbano estabelecido para cobrança do imposto predial; escolas isoladas situadas nas sedes dos municípios: dentro do perímetro urbano; grupos escolares: localizados nas sedes dos municípios nos quais o recenseamento atestasse a existência de, no mínimo, 200 alunos de cada sexo ou, em casos excepcionais, com uma seção masculina e outra feminina, desde que o total fosse superior a 200; Escola Modelo: anexa à Escola Normal da Capital.
[5]Decreto n° 2.944, de 8 de agosto de 1918.
[6]CAMPOS, Maria Christina S. S.. A formação dos professores no Brasil: do Império à Primeira República. Datil. p. 28.
[7]A Escola Nova surgiu com o propósito de contrapor-se à postura tradicional do ensino  e tinha  como pressuposto que a educação é parte da própria existência humana, portanto, deve-se valorizar   a auto-educação, desenvolvendo um ensino centrado nos interesses do aluno ou do grupo. Por outro lado, a Escola Nova também tinha como princípio a adequação do aluno à sociedade em desenvolvimento.
[8]Reforma Sampaio Dória, Lei nº 1.750 de 1920.
[9]Lei n°1.750, Artigo 22.
[10]Curso Preliminar (1o. e 2o. ano) e Curso Médio (3o. e 4o. ano).
[11]Lei nº 2.095, de 24 de dezembro de 1925.
[12]As antigas escolas distritais passaram à categoria de rurais.
[13]Lei n° 2.267, Artigo 27.
[14]Conforme salientou Jorge Nagle em A educação na Primeira República. São Paulo: E.P.U., 1974.