Patrimônios da Humanidade

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14 setembro 2011

O Estado “verdadeiramente nacional”: o panorama político brasileiro e o golpe de Estado de 1937.


O Estado “verdadeiramente nacional”: o panorama político brasileiro e o golpe de Estado de 1937.
Percursos Históricos, Ano I, vol. set., série 14/09, 2011.

SOARES, Marilda
A ascensão de Getúlio Vargas ao poder foi fruto não apenas das articulações políticas em torno da sucessão presidencial, mas da junção de vários fatores como, a questão do tenentismo, a luta contra as oligarquias estaduais, o pavor das classes dominantes quanto ao perigo de uma revolução popular, a crise da economia norte-americana, o rompimento da política café-com-leite, a emergência de novos grupos no cenário político nacional.
Durante a década de 1920, o movimento tenentista havia se destacado na política brasileira, realizando vários levantes sem definir exatamente um programa partidário ou orientação doutrinária. Com o acirramento dos conflitos entre os grupos que se articulavam em torno da sucessão presidencial, viram-se obrigados a uma definição mais clara dos seus princípios.
Essa exigência apresentava-se não apenas para os tenentes, mas para todas as frações políticas nacionais, visto que não se relacionava apenas ao problema da substituição de um presidente por outro, mas sim às expectativas sociais quanto aos encaminhamentos que o novo presidente daria à questão social, tratada até então como caso de polícia e "resolvida" pela implantação do estado de sítio.
Em parte, a definição de postura devia-se à atuação dos sindicatos trabalhistas e do Partido Comunista Brasileiro que ao longo da década de 1920 haviam conquistado maior aceitação para as suas orientações ideológicas e práticas políticas.
As classes dominantes viam-se ameaçadas, tanto pela organização popular, quanto pelos problemas específicos associados à crise do mundo capitalista, problemas provocados pela Guerra, a quebra da Bolsa de Nova Iorque e os problemas nacionais, ligados à política imposta por Washington Luiz  que era contrária aos interesses das oligarquias estaduais. Por outro lado, havia a concorrência imposta pela baixa oficialidade do Exército e pela burocracia estatal que ganhavam espaços de controle antes exclusivos do setor oligárquico.
As disputas eleitorais colocaram em pauta todas essas questões e levaram à formação de dois grupos opostos, um situacionista, formado pelos partidos republicanos estaduais, e outro oposicionista, aglutinado na Aliança Liberal que, ao perder as eleições alegou fraude, realizou protestos e se organizou para a deposição do presidente, na Revolução de 1930.
O histórico de atuação dos tenentes e sua participação no movimento revolucionário garantiu para o grupo a nomeação para os cargos de interventores estaduais, o que lhes assegurava uma vitória contra o poder das oligarquias estaduais.
Entretanto, no processo de composição de forças para a manutenção do poder o objetivo era de conciliação e não de exclusão da oligarquia, tanto que dentre as primeiras medidas adotadas pelo governo provisório destacaram-se a política de proteção aos cafeicultores e a redução do poder das burocracias estaduais, determinando que os tenentes governariam os Estados, mas sem os poderes antes conferidos aos governadores.
A política centralista e ao mesmo tempo conciliadora mostrou-se desde o início como estratégia para conciliar interesses divergentes e manter a governabilidade. Ao conceder as Interventorias aos tenentes o governo federal não reforçou o poder político do grupo, mas o seu próprio poder ao desmobilizar o movimento tenentista e impor medidas de limitação do federalismo. O mesmo se deu quanto ao controle da oligarquia, dos sindicatos, dos trabalhadores, dos grupos dissidentes ou oposicionistas e, por ocasião da implantação do Estado Novo, também de grupos de apoio.
Após a implantação do governo revolucionário, as forças políticas vitoriosas agruparam-se em torno da defesa de propostas para a orientação política do novo Estado. Os tenentes aliaram-se a representantes dos setores radicais das oligarquias em defesa da implantação da ditadura e preservação do regime de exceção.
Os setores mais tradicionais das oligarquias defenderam a implantação de um governo constitucional, pautado por uma orientação política democrática e liberal e, mais tarde, passaram a identificar o governo provisório como um "inimigo comum" da nação. Dessa disputa surgiu a união de grupos em torno do movimento constitucionalista de 1932.
O movimento constitucionalista considerou-se vitorioso e o Estado também. A conciliação viria em seguida com a nomeação de Armando de Salles Oliveira, membro da oligarquia paulista, para a Interventoria de São Paulo; e, em maio de 1933 as eleições gerais para a escolha dos deputados constituintes, resultando na promulgação da Constituição de 1934 e na eleição, no dia seguinte, de Vargas como presidente constitucional do Brasil por quatro anos.
Mas, retomando o período imediatamente anterior ao processo constituinte, o ano de 1932 marcou o início da ação institucionalizada de dois grupos que viriam a constituir-se em base de apoio para o governo federal: a Ação Integralista Brasileira e a Liga Eleitoral Católica.
A  Ação Integralista Brasileira constitui-se a partir da reunião de partidos fascistas formados na década de 1920 - como a Legião do Cruzeiro do Sul, o Partido Fascista Brasileiro, a Ação Social Brasileira, a Legião de Outubro - e da ala direita do tenentismo.
Com uma orientação fascista, que incluía a adoção de símbolos e rituais semelhantes aos adotados no movimento europeu, sob a liderança de Plínio Salgado e tendo a explícita simpatia de personalidades políticas como Getúlio Vargas, Francisco Campos, Góes Monteiro e Gustavo Capanema, os integralistas pregavam a adoção dos valores cristãos e patrióticos, a representação corporativa, o arbítrio do Estado. Sua estratégia residia na formação paramilitar, na oposição ao liberalismo e ao comunismo e na prática política de mobilização das massas.
Podemos dizer que foi justamente esse poder de mobilização das massas o que levou à suspensão das atividades políticas da AIB, visto que a oposição ao comunismo e, até certo ponto, ao liberalismo não incomodava as classes dominantes e o Estado. Quanto à formação paramilitar e o poder de mobilização, estavam excluídos da política adotada após 1937 que era nitidamente orientada para a desmobilização, o que levou ao fechamento do Clube 3 de Outubro e da própria AIB.
Antes da perseguição ao integralismo, a AIB sofreu a oposição da Aliança Nacional Libertadora, formada em 1935 por “tenentes” (membros das camadas médias e trabalhadores urbanos), o Partido Socialista do Brasil, o Partido Comunista Brasileiro e alguns sindicatos. Os princípios da ANL orientavam-se de acordo com a frente única antifascista formada na Europa, defendendo a liberdade de manifestação, a nacionalização das empresas estrangeiras, a desapropriação dos latifúndios, o cancelamentos das dívidas externas, dentre outros pontos. A estratégia da ANL residia na realização de comícios, distribuição de panfletos e mobilização das massas.
Considerada mais perigosa do que a AIB, a ANL provocou uma reação imediata do Congresso: a aprovação da Lei de Segurança Nacional e, logo após, o decreto do fechamento da Aliança, seguida de  prisões e cassações de seus membros e simpatizantes.
Em 1935, multiplicaram-se as ações repressivas do Estado, expressas, por exemplo, através da substituição das lideranças sindicais por "pelegos" e, por ocasião da Intentona Comunista, a decretação de estado de sítio e a criação da Comissão de Repressão ao Comunismo, com poder para propor medidas repressivas como o afastamento de suspeitos civis ou militares.
Um outro grupo de poder foi a Liga Eleitoral Católica, criada em 1932 com o objetivo de instruir os eleitores católicos e canalizar os votos para os candidatos comprometidos com os princípios políticos e morais defendidos pela Igreja Católica.
Os resultados foram quase que imediatos. Em 1933 a LEC conseguiu eleger a maior parte dos seus candidatos e a Igreja obteve a aceitação das suas exigências no projeto constituinte e na Constituição de 1934: o direito do voto para os religiosos, o reconhecimento civil do casamento religioso, a manutenção da proibição do divórcio, subvenção do Estado para escolas católicas, ensino religioso  facultativo nas escolas oficiais. Iniciou-se um novo período para as relações entre a Igreja e o Estado.
No período de 1930 a 1937, o governo conquistou o apoio dos grupos liberais e conservadores, recorrendo a estratégias de mobilização e desmobilização conforme as necessidades mais imediatas. Em 1937, as articulações para o golpe de Estado contaram direta ou indiretamente com o auxílio da burocracia estatal, de parte da oligarquia, de militares, dos integralistas e da Igreja Católica. As articulações pela sucessão presidencial iniciaram-se em um clima de repressão, com as garantias e liberdades civis submersas no estado de sítio e um temor dos grupos dominantes em relação aos extremismos de direita e de esquerda.
A historiografia brasileira estudou largamente o período estadonovista e apontou o seu caráter ditatorial e autoritário e, em determinados momentos, chegou a classificá-lo como totalitário, conceito negado pela maioria dos autores, que apontam a relação entre populismo e autoritarismo como uma das suas principais características.
Outro traço apontado é a peculiaridade da ideia de nacionalismo difundida pelo Estado Novo, detectada através da observação das suas medidas "fascistizantes" que apelavam para coesão social e buscavam neutralizar as divergências entre as facções políticas em nome da unidade nacional.  Dentre tais características, destaca-se a ambiguidade intrínseca às medidas adotadas no período.
Ao mesmo tempo em que o Poder Central ditava as regras da economia, da política e da sociedade, fazia concessões às antigas e novas reivindicações sociais, não apenas para as camadas baixas da população, mas também para a elite, através dos empresários e grandes produtores rurais, dos investimentos na produção e da cooptação da intelectualidade.
Embora o modelo político adotado fosse o resultado da articulação das principais tendências direitistas das primeiras décadas do século XX, o direcionamento político do país e a evolução do contexto histórico internacional, determinariam, no Estado Novo, a exclusão de grupos antiliberais, como os eugenistas e os integralistas
Outra contradição, talvez apenas aparente, refere-se à política antiliberal, predominante no discurso e na prática, dada a exclusão de intelectuais liberais antes articulados ao poder. Mas apesar disso, alguns dos preceitos fundamentais da organização da burocracia do Estado, da legislação específica para o funcionamento de determinados setores, de inspiração nitidamente liberal, foram mantidos e até reforçados pela política governamental.
O Estado Novo se definia como o "novo Estado", mas recorria à retórica dos primeiros tempos da República para resgatar o ideal de nacionalidade e desenvolvimento. Como afirmou Francisco Iglésias, o regime criado não era original e nutriu-se em modelos europeus - italiano, português, polonês -, de modo que, como afirmou Francisco Iglésias "não lhe faltaram antecedentes imediatos, sem falar nos remotos, reacionários ou tradicionalistas do século XIX e mesmo antes" (IGLÉSIAS, s.d., p. 246).
A manutenção do controle da Nação, em 1937, apresentava-se como uma tentativa de reduzir o poder das oligarquias estaduais que, ao longo da Primeira República, apropriaram-se das prerrogativas constitucionais e dominaram a esfera política, contribuindo para que os Estados mantivessem relativa autonomia frente à União, e que, com a Constituição de 1934, e valendo-se da concepção política liberal, haviam encontrado uma nova forma de manter-se no poder.
Por outro lado, o crescimento das formas de organização da sociedade, não apenas em partidos, mas em agremiações e sindicatos, bem como a divulgação de ideologias opositoras, de direita e de esquerda, comprometiam o projeto nacional engendrado pelo Estado.
A suspensão das atividades das organizações partidárias, a destituição dos governos estaduais e sua substituição por Interventorias, a criação de uma rede de órgãos burocráticos, eram medidas que faziam parte do mecanismo político-institucional decisivo na tarefa de  unificar o poder, implantar e manter o Estado fortificado.
O Estado Novo inicia-se oficialmente em 10 de novembro de 1937 com um golpe que impôs a ditadura à Nação, com medidas antiliberais e autoritárias, como a extinção dos partidos políticos, e ampliando o controle sobre todos os setores diretamente ligados à ordem pública.
A criação de mecanismos favoráveis à centralização política, incluindo a dissolução dos partidos e o fortalecimento do poder do chefe da Nação, mostrou-se desde a Proclamação ao povo brasileiro, feita por Getúlio Vargas  nos primeiros momentos do Estado Novo. O discurso teve como eixo a desordem política trazida pelo processo de sucessão presidencial, no qual, segundo ele, o suborno e as promessas demagógicas eram recursos que demonstravam o oportunismo dos governos locais preocupados apenas com a legitimação das "ambições do caudilhismo provinciano", "à revelia da vontade popular". Ou seja, a ação golpista não se apresentava como arbitrariedade política, mas como salvação nacional. Dizia o presidente que, nos períodos de crise, a democracia partidária não oferece segurança de crescimento e de progresso.


Nos projetos políticos autoritários formulados desde a década de 1920 era o Estado, e não a sociedade civil, o legítimo promotor da construção nacional. Neles, portanto, havia uma oposição às ideias de auto-regulação da sociedade, o que fundamentava o "princípio da autoridade" da sociedade política sobre a sociedade civil e a própria subordinação dos diversos aspectos que compunham a realidade ao papel do Estado, de organização nacional.
Esse caráter organizador pressupunha também a conciliação dos interesses antagônicos, o que garantia a manutenção do estado de compromisso e da integração entre Estado e sociedade. Assim, o autoritarismo, presente nas medidas políticas e na ideologia do Estado, mostrava-se nos discursos legitimadores da preservação da ordem e da organização para o progresso como uma emergência diante do quadro caótico criado pelo modelo político liberal.
A partir dessas considerações podemos compreender as palavras de Francisco Campos:
A ideologia do novo regime é extraída das realidades brasileiras [...] sendo autoritário por definição e por conteúdo, o Estado Novo não contraria entretanto a índole brasileira (CAMPOS, apud PECAULT, 1990, p. 56).


Ficava, assim, instituído o governo ditatorial, embora os dispositivos legais determinassem a realização de um plebiscito popular para confirmar ou não a Constituição, o que jamais viria a ocorrer.
 A Carta Constitucional – o instrumento legal – elaborada cuidadosamente desde 1936, foi inspirada na Constituição  polonesa de Pilsudski, não representava uma novidade em termos de organização política, visto que refletia o modelo político direitista e as concepções adotadas também na Espanha, em Portugal e na Itália.
As constituições em vigor na era de Vargas geralmente são analisadas comparativamente, sendo apontadas as distâncias entre a de 1934, chamada liberal, e a de 1937, chamada autoritária. Essas definições, que têm sua parte de verdade, podem  ser melhor observadas.
Em 1933 e 1934 a voga conservadora disputou seu espaço de poder com o chamado grupo liberal, predominante por aqueles tempos, que logrou obter a aprovação da maior parte das suas propostas constitucionais. Entretanto, é preciso  não por de lado o fato de que, se o modelo adotado por Francisco Campo era similar à Constituição polonesa, totalitária e fascista, de Pilsudski, por outro lado, baseou-se também em vários pontos da Constituição brasileira de 1934, dentre os quais haviam elementos retirados da Carta del Lavoro e da Constituição Fascista Italiana. De acordo com Carone, "o trabalho de Francisco é uma amálgama entre fórmulas fascistas, nacionalistas e as de caráter liberal, a última como solução de camuflagem" (CARONE, 1973, p. 142).
Na Constituição, as justificativas para a adoção de nova postura do Estado frente à ordem pública são claramente associadas à necessidade de fortalecimento do poder central para promover a defesa nacional contra os "perigos" internos e externos:
Atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que uma notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, a resolver-se em termos de violência, colocando a nação sob a funesta iminência da guerra civil;
Atendendo ao estado de apreensão criado no país pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios de caráter radical e permanente;
Atendendo a que, sob as instituições anteriores, não dispunha o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem estar do povo;
Com o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e a rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas;
Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias, ao seu bem estar e a sua prosperidade [...].
Assim, o poder político passa a ser exercido não pelo povo, mas em nome do povo, "do seu bem estar, da sua honra, da sua independência e da sua prosperidade". Para tanto, o Governo Federal declarava seus poderes quase que ilimitados, como o direito de confirmar ou não os governos estaduais e determinar a intervenção  nos Estados:

O Governo Federal intervirá nos Estados, mediante a nomeação, pelo Presidente da República, de um Interventor, que assumirá no Estado as funções que, pela sua Constituição, competirem ao Poder Executivo, ou as que, de acordo com as conveniências e necessidade de cada caso, lhe forem atribuídas pelo Presidente da República:
a) para impedir invasão iminente de um país estrangeiro no território nacional ou de um Estado em outro, bem como para repelir uma ou outra invasão;
b) para restabelecer a ordem gravemente alterada, nos casos em que o Estado não queira ou não possa fazê-lo;
c) para administrar o Estado, quando, por qualquer motivo, um dos seus poderes estiver impedido de funcionar [...]
Parágrafo único. A competência para decretar a intervenção será do Presidente da República nos casos das letras a, b e c [...].

Nas palavras de Maria do Carmo Campello de Souza, a implantação do sistema de Interventorias nos Estados consistia na seguinte prática: "o Executivo federal nomeava para a chefia dos governos estaduais indivíduos que, embora nativos dos Estados, e mesmo identificados em suas perspectivas ideológicas aos grupos dominantes, eram ao mesmo tempo 'marginais', isto é, destituídos de maiores raízes partidárias; indivíduos com escassa biografia política ou que, se possuíam alguma, a fizeram até certo ponto fora das máquinas partidárias tradicionais dos Estados [...]" (SOUZA, 1990, p. 87-8).
Esse sistema de Interventorias e departamentos administrativos interligava as oligarquias estaduais, os ministérios e a Presidência da República. Com a implantação da ditadura, foi criada uma rede de órgãos técnicos para fiscalização das atividades administrativas, mecanismo que expandiu a máquina burocrática do Estado e o controle sobre os setores estratégicos para a manutenção do regime.
A ampliação dos poderes do Presidente da República foi, necessariamente, um destaque entre os artigos constitucionais, não somente no que tange á intervenção nos Estados, cabendo-lhe, durante todo o período de recesso do Parlamento e de dissolução da Câmara dos Deputados, o direito de expedir decretos sobre as matérias de competência legislativa da União e organizar o Governo e a administração federal, comandar o Supremo e organizar as Forças Armadas, sendo de sua competência privativa - enquanto autoridade maior do Estado, coordenador da atividade dos órgãos representativos de grau superior, dirigente da política interna e externa, promotor e orientador da política legislativa de interesse nacional e superintendente da administração do país:
a) sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e expedir decretos e regulamentos para sua execução; b) expedir decretos-leis, nos termos dos arts. 12 e 13; c) manter relações com os Estados Estrangeiros; d) celebrar convenções e tratados internacionais, ad referendum do Poder legislativo; e) exercer a chefia suprema das forças armadas da União, administrando-as por intermédio dos órgãos do alto comando; f) decretar a mobilização das forças armadas; g) declarar a guerra, depois de autorizado pelo Poder Legislativo, e, independentemente de autorização, em caso de invasão ou agressão estrangeira; h) fazer a paz ad referendum do Poder legislativo; i) permitir, após autorização do Poder legislativo, a passagem de forças estrangeiras pelo território nacional; j) intervir nos Estados e neles executar a intervenção, nos termos constitucionais; k) decretar o estado de emergência e o estado de guerra nos termos do art. 166; l) prover os cargos federais, alvo as exceções previstas na Constituição e nas leis; m) autorizar brasileiros a aceitar pensão, emprego ou comissão de governo estrangeiro; n) determinar que entrem provisoriamente em execução, antes de aprovados pelo Parlamento, os tratados ou convenções internacionais, se a isto o aconselharem os interessem do país.

Além dessas competências, o Presidente possuía as prerrogativas de:
a) indicar um dos candidatos à Presidência da República; b) dissolver a Câmara dos Deputados [...]; c) nomear os ministros de Estado; d) designar os membros do Conselho Federal reservados à sua escolha; e) adiar, prorrogar e convocar o Parlamento [...].

Na prática, tanto o Parlamento, quanto as Assembleias e Câmaras ficavam dissolvidas a partir de então, reservando-se ao presidente o  poder de governar por decretos. E, dos vários preceitos constitucionais, muitos dos quais não executados, as disposições finais e transitórias mostravam mais claramente o panorama político que se seguiria: a suspensão das liberdades e garantias civis e o "estado de emergência", ambos justificados pelos alarmantes perigos que punham em risco a Nação.
Embora houvesse a previsão de um plebiscito para confirma a nova Carta e a expectativa de, após tal ensejo, convocarem-se eleições para o Parlamento, durante todo o Estado Novo o poder de governar através de decretos-leis foi mantido, tendo-se, ao longo do período, ampliado a tendência centralizadora. Nos Estados, além dos interventores que juntamente com todo o corpo burocrático a serviço do governo estadual,  após 1939, passaram a ser controlados pelo DASP.
Dentre os interventores designados, políticos direitistas, membros das oligarquias regionais, médicos, militares e mesmo parentes do presidente.
O modelo de constituição centralista expressava as tendências políticas internacionais e, ao mesmo tempo, a aspiração de grupos conservadores e ultraconservadores com destacada ação política no Brasil durante a década de 1930, como o Partido Fascista Brasileiro, o Partido Nacional Sindicalista, a Ação Social Brasileira, a Legião Cearense do Trabalho e outros que compunham a Aliança Integralista Brasileira.
Se a Constituição de 1934 garantira a representação social pelo Congresso, a de 1937 reforçou a criação de órgãos técnicos para a elaboração de projetos de desenvolvimento social e econômico. Assim, esses órgãos deveriam auxílio ao governo e cumprir, na prática o papel anteriormente reservado aos parlamentares.
Embora o Poder Executivo fosse representado pelo presidente, pelos ministros de Estado e chefes da Casa Civil e da Casa Militar, destacava-se, na cena política, o poder pessoal de Vargas, cujas atribuições estavam garantidas constitucionalmente e tornavam-no o foro decisório de todas as questões mais urgentes, ou essenciais, ao funcionamento da esfera política e administrativa.
A ampliação dos poderes presidenciais haviam permitido a retomada da política de intervenção nos Estados refratários, bem como as substituições de militares no Ministério da Guerra e no Estado-Maior do Exército, que passavam a ser ocupados por homens de confiança de Vargas (o Ministério da Guerra passava a ser ocupado pelo general Eurico Gaspar Dutra  e a Chefia do Estado-Maior do Exército pelo General Góes Monteiro), o que provocara no Congresso a recusa, em julho de 1937, da prorrogação do estado de sítio.
Pouco depois, a alegação de um plano de insurreição comunista levou ao fechamento do Senado e da Câmara dos Deputados, à dissolução dos partidos políticos,  à proibição das milícias, uniformes e insígnias, à queima das bandeiras dos Estados; à imposição do Estado Novo.
O novo regime político impôs medidas que resultaram na exclusão dos integralistas e na cooptação das classes dominantes. A exclusão dos integralistas deu-se através da perseguição às milícias e organizações paramilitares, concluída com o asilo político de Plínio Salgado no Estado Novo de Salazar. A cooptação das classes dominantes resultou da transformação de associações comerciais e industriais em órgãos consultivos do Estado e da criação do Conselho de Economia Nacional e do Conselho de Comércio Exterior, órgãos que reuniam representantes dos setores produtivos.
A recusa oficial ao fascismo e a rearticulação entre o Estado e as classes dominantes deram-se após 1942 - com a entrada do Brasil na Segunda Guerra, quando o Governo fez a opção pelo grupo aliado, revendo as posições políticas adotadas anteriormente -, no momento em que guerra propiciava a aceleração da acumulação de capitais no país. Esses fatores, aparentemente isolados, fecham o ciclo do processo e inclusão, exclusão e cooptação iniciado pelo governo após a Revolução de 1930 e mantido nas diferentes fases da era de Vargas.

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