Patrimônios da Humanidade

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07 julho 2011

A Alemanha no período entre-guerras: crise econômica e ascensão do nazismo.

A Alemanha no período entre-guerras: crise econômica e ascensão do nazismo.

Percursos Históricos, Ano I, vol. jul., série 07/07, 2011.   



SOARES, Marilda


             Norbert Elias, ao refletir sobre a história do povo alemão, afirma:

Muitas características da tradição alemã de crença e comportamento explicam-se melhor por referência ao modelo peculiar de história alemã como uma história de declínio. Assim, é possível enxergar, de um modo algo mais claro, quais dos muitos potenciais que estão escondidos dentro dessa tradição se aglutinaram nas origens de um movimento tão cruel e bárbaro quanto o nazismo. A ascensão e queda desse movimento marcou o ponto em que todo um período da história da Alemanha chegou ao fim, o período em que os alemães tiveram um sentimento de grandeza orientado principalmente para o seu passado, simbolizado através do conceito de um "Império" (Reich). (ELIAS, 1997, p. 307)

De fato, a Primeira Guerra Mundial destruiu a perspectiva de continuidade do crescimento econômico para muitos países envolvidos no conflito, especialmente para aqueles que depuseram as armas e pediram o armistício.

Contudo, após quatro anos de destruição e a vitória sobre a Alemanha, a indústria da guerra havia favorecido o processo de produção e acumulação capitalista para os vencedores, que receberam como legado uma série de benefícios quanto à produção industrial, aos mercados fornecedores de matérias-primas e consumidores de manufaturados, extensas áreas coloniais, novos espaços e setores de investimento financeiro, vantagens obtivas no Tratado de Versalhes.

Mas mesmo nesses países, a guerra deixara marcas profundas, especialmente quando à necessidade, urgente, de reconstrução do padrão de acumulação econômica anterior a 1914.

Paralelamente, no recém-inaugurado mundo socialista, a União Soviética parecia obter sucesso no seu programa de crescimento da produção, graças à adoção de um modelo de economia planejada. Esse fenômeno viria a provocar questionamentos e a elaboração de teses sobre o modelo de governo implantado e sua atuação sobre a economia nacional, pois o governo soviético lograra atingir níveis elevados de produção e manter a governabilidade com medidas que atingiam não apenas o setor econômico e político, mas mantinham o controle social em uma época em que, na maioria dos países envolvidos na guerra o panorama era de desemprego, descontentamento e mobilização da sociedade para transformações políticas mais efetivas.

Em meio às crises, setores da intelectualidade e burocracias estatais passaram a buscar alternativas e a apontar, de acordo com suas convicções teóricas e políticas particulares, opções que neutralizassem rapidamente o potencial estado convulsionário da sociedade. Assim, pensava-se, como solução, no comunismo marxista, no capitalismo reformado com características da social-democracia ou nas formas antiliberais e nacionalistas, como as realizadas pelo fascismo.

O panorama geral indicava a necessidade de mudanças, dada a percepção de falência dos valores da democracia liberal. A maioria tendia a aceitar a ideia de que havia a necessidade de estabelecer metas para superação da crise por meio da intervenção do Estado, no sentido de planejar a recuperação econômica. Assim, Alemanha, Grã-Bretanha e Japão passaram ao modelo de economia planejada.

Mas no caso da Alemanha do pós-Primeira Guerra, as medidas pareciam mais urgentes, na medida em que o decréscimo da produção abalava todas as esferas sociais.

Após 1871, a Unificação Alemã e a formação do Segundo Reich tinham favorecido a indústria competitiva e a rivalidade econômica externa. Dessa disputa surgiram alianças político-militares, a corrida armamentista, a paz armada, a primeira grande depressão, a Partilha da África e da Ásia, guerras por territórios e mercados e, finalmente, a Primeira Guerra Mundial, entre 1914-18, pondo fim ao Império Alemão e criando o ambiente para revoluções.

No período final da Guerra, após a entrada dos Estados Unidos, a Alemanha apontou perdas inesperadas até então: 192.477 soldados mortos; 421.340 desaparecidos e prisioneiros; 860.287 feridos; 300 mil civis mortos.

Em outubro de 1918, o presidente Wilson, dos EUA, deixou claro que só negociaria a paz com um governo alemão eleito pelo povo. Assim, precipitaram-se revoltas e eleições de conselhos operários nas fábricas, bem como a libertação de prisioneiros políticos e a instauração de um governo parlamentar.

Em 7 de novembro, o Conselho de Operários, Soldados e Camponeses de Munique proclamou a República Socialista da Baviera. Dois dias depois, uma  manifestação revolucionária em Berlim contribuiu para que o príncipe Max Bade anunciasse a abdicação do Imperador, transferindo a chefia de Estado para Freidrich Ebert, líder do Partido Social-Democrata, e propondo a convocação de uma Assembleia Nacional constituinte.

O regime republicano saiu “vitorioso” sobre a velha monarquia e sobre os radicais de esquerda, mas a Revolução Alemã representou uma tentativa de estender o alcance das transformações bolcheviques que vinham se consolidando na Rússia. Por outro lado, a experiência de revolução comunista abalaria ainda mais o quadro de crise, não apenas pela divulgação dos ideais revolucionários, mas pela mobilização dos setores políticos de centro e de direita para combater qualquer mudança que conduzisse os grupos de esquerda ao poder.

Influenciados pela Revolução Soviética, “marinheiros revolucionários levaram a bandeira dos sovietes por todo o território, onde o diretor de um soviete de operários e soldados de Berlim nomeou um governo socialista” (HOBSBAWM, 2004, p, 63). Tratava-se de uma tentativa do Partido Comunista alemão, cujos líderes Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, juntamente com outros militantes da Liga Spartacus, seriam perseguidos e brutalmente eliminados em 1919.

A rendição alemã, em 1918, e a assinatura do Tratado de Versalhes impuseram ao país uma série de restrições, como o pagamento de reparações de guerra, a concessão de territórios à França, Polônia e Tchecoslováquia. Com isso, verificou-se grande instabilidade econômica e política em meio a um cenário de desvalorização da moeda, crescimento da dívida externa e fuga de capitais.

Em 1923, o governo social-democrata, então no poder, convocou a Assembleia, que se reuniu na cidade de Weimar para elaborar a nova constituição. Optou-se pelo modelo federalista, democrático, liberal e parlamentarista.

Durante os primeiros tempos da “República de Weimar”, ainda que mudanças políticas e jurídicas tenham sido implantadas, a economia não apresentava sinais de recuperação: em janeiro de 1923, 1 dólar correspondia a 7.260 marcos e, em novembro, a 4.000.000.000 marcos.

De acordo com Eric Hobsbawm,

No caso extremo — a Alemanha em 1923 — a unidade monetária foi reduzida a um milionésimo de milhão de seu valor de 1913, ou seja, na prática o valor da moeda foi reduzido a zero. Mesmo nos casos menos extremos, as consequências foram drásticas. (2004, p. 79)

Com o decréscimo do poder aquisitivo e a fuga de capitais, o modelo constitucional liberal não conseguia se manter, caindo em desprestígio, pois, de alguma forma, a sociedade se mobilizava para exigir mudanças mais radicais, à esquerda ou à direita.

O Partido Nazista (Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães), fundado em 1921 e liderado por Adolf Hitler, ex-combatente da Primeira Guerra, e pelo general Ludendorf, tenta, então, um golpe de Estado em Munique.

Preso, Adolf Hitler passou oito meses recebendo apoio de personalidades de destaque político. E foi nesse período que escreveu Mein Kampf (Minha Luta), obra que seria um manual para os militantes do nazismo e do antissemitismo a ele agregado. Além desses preceitos, o texto defende o Estado forte, o nacionalismo e o racismo; e opõe-se à maçonaria, ao liberalismo, à Igreja Católica, ao parlamentarismo e à democracia.

A República de Weimar, de 1924 a 1929, procurou resistir à onda antiliberal por meio de medidas para recuperação do equilíbrio econômico e social. Gustav Stresemann, Ministro das Relações Exteriores, buscou a redução das indenizações de guerra e empréstimos com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Paralelamente, e graças aos empréstimos, iniciou a substituição da moeda, transformando 1 trilhão de marcos antigos em 1 marco novo.

Após 1924, uma relativa calmaria indicava o retorno ao crescimento econômico dos países antes envolvidos na Guerra. Apesar disso, nos anos de 1920 o desemprego permanecia em níveis elevados na Europa ocidental, quando comparados aos índices anteriores a 1914.

No final da década, verificou-se o retorno ao fluxo de investimentos externos, especialmente na Alemanha que, em 1928, recebeu cerca de 50 % do total das exportações de capital, tendo emprestado entre 20 e 30 trilhões de marcos, o que determinou a dependência alemã em relação ao funcionamento da economia externa.

A recuperação industrial, o desenvolvimento da tecnologia, a abertura de mercados internacionais e empresas levaram ao crescimento dos índices de emprego e à manutenção da governabilidade.

Mas a crise de 1929, ao abalar a economia norte-americana e europeia, pôs fim à renovação dos créditos e interferiu de forma significativa no processo de estabilização da economia alemã, gerando a redução do mercado consumidor, a impossibilidade de pagar as dívidas de guerra, a ruína das classes média e dos camponeses e o desemprego em massa.

Mais uma vez o antiliberalismo avançou, pois havia uma convicção quase generalizada de que o modelo liberal estava falido, sendo incapaz de criar as condições necessárias, especialmente da recuperação da honra alemã perdida na Guerra.

Progrediu também o antissemitismo, com a difusão da ideia de que os judeus representavam uma parcela alienígena, responsável pela concentração de capitais e, inimiga do povo alemão.

Organizaram-se as forças paramilitares de apoio ao movimento antiliberal e nazista, com as AS, divisões de assalto, as SS, brigadas de segurança, e a Juventude Nazista, composta por camadas médias e profissionais liberais.

A partir de 1929, os desfiles nazistas tornaram-se constantes, com promessas de emprego e controle dos preços, luta antissocialista e antiliberal e, sobretudo, oposição grande capital, aos democratas, comunistas e judeus.

A expressão mais concreta desse avanço pode ser observada pelos resultados das eleições de 1932, quando os nazistas elegeram 230 deputados e passaram a constituir a maior bancada.

O relativo crescimento econômico posterior a 1924 havia diminuído o campo de ação do Partido Nazista, que obtivera, nas eleições, cerca de 3% dos votos – que representavam 50% dos obtidos pelo Partido Democrático Alemão e 20% dos obtidos pelo Partido Comunista. Mas com a volta do quadro de crise, nas eleições de 1932, essa percentagem foi de 37% do total de votos.

No ano seguinte Hitler foi designado Chanceler e gradativamente impôs uma ditadura pessoal, sendo autorizado pelo Presidente Hindenburg a dissolver o Parlamento, e apoiado pelas AS e SS na intimidação, por meio de ataques, execução de prisões e assassinatos aos indivíduos e grupos de oposição.

Em fevereiro de 1933, forças paramilitares incendiaram o Reichstag, o Parlamento alemão, responsabilizando os comunistas pelo ato. E, como consequência, em 23 de março Hitler obteve plenos poderes para debelar quaisquer tentativas de desordem. Segundo Hobsbawm, o Partido Comunista foi imediatamente acusado pelo Partido Nazista e “Van der Lubbe, além do líder do grupo parlamentar comunista e três búlgaros que trabalhavam em Berlim para a Internacional Comunista foram presos e julgados. Van der Lubbe estava certamente envolvido no incêndio, os quatro comunistas com certeza não” (2004, p. 132-133).

Em 1934 a ditadura hitlerista já era um fato, o que se mostra quando, diante da tentativa de golpe por parte de alguns nazistas descontentes com a política de Hitler, estes foram massacrados, tal como quaisquer opositores. De acordo com o Papa Pio XI, os bispos católicos passavam a dever obediência ao Chanceler. E, finalmente, com a morte de Hindenburg, Hitler assumiu a chefia do Estado, dando início ao Terceiro Reich.


Bibliografia.

BARRACLOUGH, G. Introdução à História Contemporânea. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. Disponível em: www.scribd.com/.../Geoffrey-Barraclough-Introducao-a-Historia-Contemporanea.

ELIAS, Norbert. Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

HILLS, Ken. A Primeira Guerra Mundial.  São Paulo: Ática, 1991.

HOBSBAWM, E. A Era dos Impérios (1875-1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

HOBSBAWM, E. Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Cia. das Letras, 2004.

INSTITUTO ROSA LUXEMBURGO STIFTUNG. Biografia de Rosa Luxemburgo. Disponível em: http://www.rls.org.br/sobre-rosa-luxemburgo/biografia/RosaLuxemburg-Biografia.pdf/view.

LOUREIRO, Isabel.  A Revolução Alemã (19181923). São Paulo: Ed. Unesp, 2005.


LUXEMBURGO, Rosa. O Que Quer a Liga Spartakus? Disponível em: http://www.scientific-socialism.de/LuxemburgoRRCAP1.htm.