Patrimônios da Humanidade

Patrimônios da Humanidade

23 junho 2011

Industrialização e Neocolonialismo: disputas no mundo capitalista.


Industrialização e Neocolonialismo: disputas no mundo capitalista.

Percursos Históricos, Ano I, vol. jun., série 23/06, 2011.

SOARES,  Marilda


No final do século XIX e início do século XX, as disputas imperialistas vinculavam-se às práticas políticas das principais nações industriais, e as contradições entre elas tornavam-se mais evidentes.
Se, nas primeiras décadas do XIX o desenvolvimento industrial esteve basicamente restrito à Inglaterra, a partir de então o mundo capitalista presenciou o ingresso de novos países no setor, com a expansão da produção: na Bélgica, após a Independência, em 1830; na França, gradativamente, ao longo do século XIX; na Alemanha, após a Unificação, em 1871; na Itália, após 1880; na Rússia, após 1890, com o emprego do capital ocioso da França, Inglaterra e Alemanha; e fora da Europa, no Japão, após a Revolução Meiji, em 1868; nos Estados Unidos, após a Guerra de Secessão, em 1865, e em diversos outros países. Era o advento da Segunda Revolução Industrial.



Consolidado o sistema de produção fabril, a indústria mostrava-se como o novo setor dinâmico da economia, garantindo amplos lucros e os recursos para o desenvolvimento de tecnologias, empresas e nações.
Novos processos produtivos passaram a ser empregados, como a substituição do vapor pelo petróleo e do ferro pelo aço, e o uso da eletricidade. Surgiram as indústrias siderúrgica, química, farmacêutica e petroquímica. A invenção de máquinas e fertilizantes permitiu o aumento da produção de alimentos. Entre 1800 e 1870 o crescimento da população europeia é estimado em 60%. As cidades transformavam-se rapidamente, com grande concentração populacional e um incremento demográfico ainda não visto.
Nessa fase, afirma Barraclough,
O processo de encurralar a mão-de-obra e os operários fabris em menos, mas muito maiores, organizações, era prática comum em todos os países industrializados. Alterou-lhes por completo a fisionomia. As cidades devoraram as vilas e as grandes metrópoles cresciam mais rapidamente do que as cidades menores. Áreas como o vale do Rur, na Alemanha, e a "Região Negra" do centro da Inglaterra converteram-se em faixas tentaculares de desenvolvimento urbano contíguo, divididas teoricamente por fronteiras municipais artificiais, mas sem qualquer solução visível de continuidade. Outro fator de aceleração e acentuação do influxo urbano foi a crise rural causada pela importação em larga escala de produtos alimentares baratos, provenientes do ultramar. O resultado foi uma proliferação de condições sociais ignoradas em qualquer época pregressa, cujo surto tem sido usualmente designado como "sociedade de massas". (1987, p. 32).

Para ampliar os níveis de produção e acumulação de capital, constituiu-se uma infraestrutura industrial, com grande quantidade de mão-de-obra, maquinaria e equipamentos, transportes, comunicações, pesquisa científica e sistema financeiro. Contudo, a manutenção do ritmo de crescimento estava condicionada ao uso de recursos naturais e à conquista de novos mercados, o que demandava uma nova forma de organização das empresas e das setores de investimento.
Assim, formaram-se conglomerados empresariais para competir nos mercados local e mundial, e esse fator viria a contribuir para o acirramento da contenda neocolonialista.
Na concorrência por mercados consumidores organizam-se empresas de porte que levam as pequenas à falência, pela impossibilidade de competir com vultosos capitais. Para garantir o monopólio sobre preço e venda de produtos, nos Estados Unidos formam-se os trustes, a fusão de várias firmas em uma única empresa, e na Alemanha, os cartéis, a associação de indústrias do mesmo ramo.
O crescimento econômico foi garantido pelo fortalecimento de sistema bancário, com a estruturação do capitalismo financeiro. No entanto, havia um descompasso entre a superprodução industrial e a capacidade de consumo, de modo que entre 1873 e 1896 verificou-se a primeira Grande Depressão, uma crise econômica decorrente da própria evolução do capitalismo industrial.
Segundo Eric Hobsbawm, em A Era dos Impérios,
[...] o que preocupava até os de mentalidade menos apocalíptica era a prolongada “depressão de preços, uma depressão de juros e uma depressão de lucros”, como disse Alfred Marshall, futuro guru da teoria econômica, em 1888. Em suma, após o colapso reconhecidamente drástico dos anos 1870 [...], o que estava em questão não era a produção, mas a lucratividade. (1989, p. 59).

A solução para tão ampla crise econômica parecia ser a busca de novos mercados consumidores e de novos espaços para investimento de capital ocioso. Desse projeto faziam parte outros componentes, como a dominação de dos trabalhadores europeus (baixos salários e péssimas condições de vida e trabalho) e de povos africanos e asiáticos (ações neocolonialistas) e latino-americanos (manutenção da dependência econômica), como demonstram, por exemplo, os empreendimentos realizados pelo Reino Unido durante a Era Vitoriana.
Uma reflexão de Bernard Shaw expressa o sentido desse novo colonialismo:
O inglês nasce com certo poder milagroso que o torna senhor do mundo. [...] a insopitável convicção de que é seu dever moral e religioso conquistar aqueles que têm a coisa que ele deseja possuir. [...] Como grande campeão da liberdade e da independência, conquista a metade do mundo e chama a isso de Colonização. Quando deseja um novo mercado para seus produtos adulterados de Manchester, envia um missionário para ensinar aos nativos o evangelho da paz. [...] (apud LINHARES, 1981, p. 35-6)

Os interesses econômicos do capital industrial e bancário levaram a uma maior aproximação entre as empresas e os Estados, pois era necessária a intervenção dos governos nacionais para garantir fatias do mercado externo.
A Europa, centro da concorrência imperialista, entrou em um clima de tensão, pois não se tratava “apenas” de concorrência entre empresas, mas de uma progressiva intervenção do Estado para o favorecimento dos interesses dessas empresas.
A competição fora dos limites territoriais nacionais foi responsável pelo armamentismo e por conflitos localizados na Europa e nos seus novos domínios. Dessa forma, a expansão imperialista estava intimamente ligada à depressão econômica.
Mas, por outro lado, é possível perceber as contradições do imperialismo quando se observa que várias potências se uniam para invadir um território e, ao mesmo tempo, brigavam entre si pelo domínio de outros espaços neocoloniais.
Quando existiam interesses comuns os governos procuraram estabelecer acordos diplomáticos para se fortalecerem contra os inimigos. Mas quando os interesses eram conflitantes, mudavam a conformação das alianças, o que causava maior instabilidade na política internacional.
Foi assim que Otto von Bismarck, primeiro-ministro alemão, promoveu em 1874 a aliança entre Alemanha, Rússia e o Império Austro-Húngaro, pretendendo diminuir a importância política e econômica da França (rival na Guerra Franco-Prussiana) e da Inglaterra (maior concorrente), ameaçando também a hegemonia britânica nos vários continentes. Em 1882, dados os conflitos de interesses territoriais, Bismarck substituiu o apoio russo pelo italiano, formando a Tríplice Aliança.
De acordo com Hobsbawm,
A economia capitalista mundial em expansão era formada por um conjunto de blocos sólidos, mas também fluidos. Independente das origens das “economias nacionais” que constituíam esses blocos – isto é, de economias constituídas por fronteiras de Estados – e as limitações teóricas de uma teoria econômica baseada nelas – elaborada principalmente por teóricos alemães – as economias nacionais existiam porque as nações-Estado existiam (1989, p. 67).

Ingleses e franceses, tradicionais inimigos, estavam disputando mercados coloniais na África e na Ásia. Mas a ameaça do crescimento econômico alemão levou os dois países a um acordo.
Após a saída da Rússia do grupo de apoio à Alemanha, formou-se um novo bloco: Inglaterra e Rússia, mesmo sendo tradicionais inimigos e disputando o domínio da Pérsia (pertencente ao Império Otomano), com a intermediação da França chegaram a um ajuste político no início do século XX. A união desses três países concretizou a formação da Tríplice Entente.
Tríplice Aliança, formada pelo Império Alemão, Império Áustro-Húngaro e Itália, e Tríplice Entente, formada pelo Império Britânico, França e Império Russo, passavam a constituir os blocos de força e poder cuja oposição política e econômica desencadearia a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.
As vésperas de 1914, a Grã-Bretanha havia perdido o primeiro lugar da produção industrial para o Império Alemão, mas era a mais importante nação frente ao capitalismo financeiro. A balança comercial inglesa, no item mercadorias, apresentara um déficit de 142 milhões de libras entre 1906-1910, o que era compensado pelos lucros gerados no setor comercial e financeiro. Os investimentos externos e na frota mercante colocavam Londres no centro mundial das finanças, de modo que no mercado de capitais a Inglaterra era, ainda, a grande potência, pois o montante dos investimentos internacionais, naquele período, somando-se os capitais da França, Estados Unidos, Bélgica, Holanda, Suíça e demais países representavam 56%, enquanto os da Inglaterra, 44% do total investido, sendo o maior credor mundial.
Rivalidade política e concorrência econômica – alimentadas pelo pensamento liberal, pela expansão ilimitada da exploração imperialista e dos lucros, pela corrida armamentista –  constituíram a gênese da Grande Guerra.

Bibliografia.
BARRACLOUGH. G. Introdução à História Contemporânea. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. Disponível em: www.scribd.com/.../Geoffrey-Barraclough-Introducao-a-Historia-Contemporanea.
HOBSBAWM, E. Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
HOBSBAWM, E. Era dos Impérios (1875-1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
HOCHSCHILD, Adam.  O fantasma do Rei Leopoldo. Uma história de cobiça, terror e heroísmo na África Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
ISNENGHI, Mário. História da Primeira Guerra Mundial: século XX. São Paulo: Ática, 1995.
LINHARES, Maria Yeda. A luta contra a metrópole. São Paulo: Brasiliense, 1981.