Patrimônios da Humanidade

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29 julho 2011

Aspectos históricos da ascensão e declínio da União Soviética.



Aspectos históricos da ascensão e declínio da União Soviética.

Percursos Históricos, Ano I, vol. jul., série 29/07, 2011.


SOARES, Marilda

Mikhail Gorbachev renunciou ao governo em 1991, pondo fim a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), estabelecida em 1922, sob o governo de Lenin (Vladimir Ilitch Ulianov).
Após a Revolução de 1917, estabeleceu-se o poder soviético na Rússia, com o esforço para manutenção das conquistas revolucionárias, a luta contra os oposicionistas, a reorganização da economia e das estruturas políticas.
Entre 1918 e 1921, com a retirada das tropas russas da Primeira Guerra Mundial, iniciaram-se as medidas mais concretas, como o início da distribuição de terras aos camponeses; a estatização das indústrias, bancos e meios de transporte; a formação do Partido Comunista, para organização e controle da política de Estado, e do Exército Vermelho, para resistência à guerra civil e aos antirrevolucionários; e a Nova Política Econômica (NEP), com o favorecimento aos kulaks, atração e capital estrangeiro e hierarquização dos salários.
Em 1922, formou-se a URSS sob a liderança da Rússia, abarcando a Ucrânia, Letônia, Lituânia, Estônia, Bielorrússia, Azerbaijão, Turcomenistão, Uzbequistão, Geórgia, Quirguízia, Cazaquistão, Armênia e Tadjiquistão, tendo como modelo a federação, formada por repúblicas que seguiriam o molde do soviete de Petrogrado e uma política externa comum.
 Em 1924, com a morte de Lenin subiu ao poder Josef Stalin, que substituiu o projeto de “revolução permanente”, defendido por Leon Trotsky, pelo de “socialismo num só país”, o que representava a busca de estabilização e manutenção da governabilidade.
Seguiu-se um período de modernização econômica, com investimentos industriais em hidrelétricas e siderúrgicas e a contratação de técnicos estrangeiros.
Como afirma Eric Hobsbawm, no período entre-Guerras, enquanto as demais nações sofriam os abalos da Primeira Guerra e da crise de 1929,
O trauma da Grande Depressão foi realçado pelo fato de que um país que rompera clamorosamente com o capitalismo pareceu imune a ela: a União Soviética. Enquanto o resto do mundo, ou pelo menos o capitalismo liberal ocidental, estagnava, a URSS entrava numa industrialização ultra-rápida e maciça sob seus novos Planos Quinquenais. De 1929 a 1940, a produção industrial soviética triplicou, no mínimo dos mínimos. Subiu de 5% dos produtos manual faturados do mundo em 1929 para 18% em 1938, enquanto no mesmo período a fatia conjunta dos EUA, Grã-Bretanha e França caía de 59% para 52%do total do mundo. E mais, não havia desemprego (HOBSBAWM, 2004, p. 85).

Mas, tratando especificamente da questão das nacionalidades no interior da União Soviética, para manter unidade, durante as décadas de 1930 e 1940, Stalin realizou os expurgos das elites nacionais contrárias ao poder do PC soviético, incorporou ao seu domínio os países bálticos, a Polônia oriental e a Moldávia e muitos foram deportados para Sibéria e Ásia Central, de modo que as nacionalidades, pelo domínio da força, foram consideradas sob controle.
Stalin permaneceu no poder entre 1924 e 1953, mantendo uma política repressiva, autoritária e violenta contra os seus opositores, razão pela qual o regime soviético foi amplamente combatido pelos partidários da democracia e das liberdades civis. Por outro lado, foi sob o governo de Stalin que as tropas da URSS lutaram contra os regimes nazi-fascistas e contribuíram efetivamente para a derrubada do poder do Terceiro Reich.
No final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, constituiu-se o chamado “bloco soviético”, que duraria até a queda do muro de Berlim, em 1889-90, período em que os países alinharam-se política e economicamente sob o comando dos Estados Unidos da América (bloco capitalista) ou da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (bloco socialista).
No início de 1945 já se sabia da vitória dos países aliados sobre a Alemanha nazista, o Terceiro Reich. Em fevereiro, as nações vencedoras reuniram-se na Conferência de Yalta, no sul da União Soviética, por meio dos representantes dos EUA, URSS e Inglaterra: Franklin Delano Roosevelt, Josef Stalin e Winston Churchill. O objetivo expresso era delimitar as áreas de influência capitalista e socialista, definindo um controle geopolítico dos “Três Grandes” sobre as demais nações. Naquela ocasião, as tropas alemãs haviam sido substituídas por tropas soviéticas, e a rendição da Alemanha era apenas uma questão de tempo.
Uma decisão importante foi a de suprimir definitivamente o poder nazista na Europa Oriental, formando governos cujos projetos políticos fossem claramente antinazistas, e que organizassem eleições livres. Tal proposta estava destinada aos países até então ocupados pelo poderio alemão e libertados pelos soldados aliados, não se estendendo, portanto, à própria União Soviética. Tratava-se, portanto, de uma estratégia para que os países capitalistas pudessem recobrar suas posições econômicas e políticas na Europa Ocidental e no restante do mundo sob sua influência, e para que se formasse uma espécie de faixa de segurança no Leste Europeu sob a influência de regimes pró-soviéticos.
Após a rendição alemã e os acordos definidos no pós-guerra, em 1947 teve início a Guerra Fria, com a clara oposição entre os blocos de poder que se estabeleceram. O símbolo dessa partilha de poder foi a divisão da Alemanha em duas áreas.
Na Conferência de Potsdam, em maio de 1945, estavam presentes Josef Stalin, Harry Trumam e Clement Attlee, substituto de Winston Churchill. Lado a lado, reorganizaram as fronteiras alemãs, cedendo Oder-Neisse para a Polônia e o Sarre para a França. O território restante foi dividido em quatro  zonas de ocupação militar sob o comando dos Aliados.  Berlim foi dividida, representando o aniquilamento da autonomia política alemã e o fim do Terceiro Reich.
A intervenção norte-americana foi ampliada pela reforma monetária de 1948, quando o Plano Marshall passou a ser aplicado na recuperação da Alemanha ocidental, e os soviéticos retiraram-se do Conselho Interaliado de Ocupação. A Alemanha ocidental passaria a ser o símbolo da oposição ao comunismo soviético.
Os Estados Unidos, com a Doutrina Truman e o Plano Marshall, lançaram-se a uma política externa de aliança com os países antissoviéticos, estratégia da qual fazia parte um programa de recuperação econômica dos países europeus envolvidos na Segunda Guerra. Enquanto isso,  a União Soviética procurou manter o processo de expansão, articulando novos grupos de poder nos quais os comunistas garantiram a adoção de modelos políticos bem próximos ao adotado na URSS, a que Churchill denominou, já em 1946, “cortina de ferro”.
Para respaldar as ações políticas (monopólio dos Partidos Comunistas) e as ações econômicas (monopólio estatal sobre a economia) em 1947 foi recriada a Internacional Comunista (Kominform), cuja função era manter o controle centralizado dos Partidos Comunistas do Leste Europeu, então subordinados ao Partido Comunista Soviético. Em 1949 foi criado o Conselho de Assistência Econômica Mútua (COMECOM), com o predomínio do rublo como moeda comercial.
Como expressão do domínio dos Estados Unidos, em 1949 foi anunciada a formação da República Federal da Alemanha, com a capital em Bonn. Em contrapartida, a URSS anunciou a formação da República Democrática Alemã, com capital em Berlim Leste. E, finalmente em 1961 foi criado o Muro de Berlim.
Naquela época Nikita Khruchtchev estava no poder (1953-1964), e para garantir a manutenção do controle sobre a latente questão das nacionalidades e neutralizar possíveis focos de conflito interno, procurou realizar uma política de reabilitação dos povos deportados, com a concessão do direito de retornarem aos seus locais de origem, exceto os alemães do Volga e os tártaros, cujas terras haviam sido ocupadas por eslavos e russos.
Em maio de 1955 foi instituído o Pacto de Varsóvia, definindo uma aliança militar para os países do bloco soviético, formado pela União Soviética, Alemanha Oriental, Bulgária, Tchecoslováquia, Polônia e Romênia.
Mas, apesar de todas as medidas políticas, econômicas e militares, havia sérios questionamentos por parte das populações daqueles países quanto à legitimidade dos regimes instituídos e a liderança soviética, com pouca sustentação popular, o que se mostrou, por exemplo, com a revolução de 1956 ocorrida na Hungria, quando o próprio Partido Comunista húngaro organizou um levante em favor da retirada das tropas do Pacto de Varsóvia do país. Do confronto resultaram no fuzilamento do líder Imre Nagy, em cerca de 20 mil mortos e no massacre dos rebelados húngaros.
Entre 1964-1982, sob o governo de Leonid Brejnev, a temática das nacionalidades retornou, sendo discutida a partir de duas posições: aqueles que julgavam que haveria a russificação das mais de cem nacionalidades da URSS, e os que acreditavam na formação de uma nacionalidade soviética.
Foi ainda no período Brejnev que ocorreu um notável movimento de contestação, a Primavera de Praga, de 1968, quando os tchecos, liderados por Alexander Dubcek, ocuparam as ruas de Praga exibindo cartazes críticos que mostravam a imagem de Lenin e apresentavam uma inscrição dizendo: “Lenin, eles enlouqueceram!”. Embora se tratasse de manifestações pacíficas, sem levante armado, eles foram duramente reprimidos pelas tropas do Pacto de Varsóvia.
Esse período foi de grande conturbação na política interna soviética, o que contribuiu para a derrocada do regime político. A questão das nacionalidades, subordinadas ao controle político da URSS, emergiu em meio a uma grave crise econômica, visível desde o início dos anos de 1980. 
Na Polônia, devido ao aumento dos preços, uma onda de greves representou a falta de apoio popular aos governantes, tendo resultado, mais tarde, na criação do Solidariedade, em 1980, um sindicato liderado por Lech Walesa, que desafiou o Partido Comunista ao expressar oposição às medidas repressivas e ao não atendimento das necessidades sociais. Assim, o Solidariedade reivindicava democracia e liberdade e seria proibido em 1981.
Embora o problema das nacionalidades estivesse aparentemente sob controle, durante o período de Gorbachev mostrou-se clara a recusa, especialmente dos muçulmanos, quanto à russificação. E, em resposta o governo pôs de lado o programa de ações afirmativas, intensificando o ensino da língua russa e enviando representantes políticos às regiões cuja população fosse predominantemente de origem islâmica.
Espalhavam-se os focos de resistência ao autoritarismo e à falta de representação e liberdades sociais e, como consequência, começaram a ser instituídas reformas que acabaram por desintegrar o bloco soviético e mesmo a própria URSS. Foram medidas diferenciadas nos vários países do grupo, como negociações entre os Partidos Comunistas e os de oposição, reformas suaves ou mesmo a perestroika (reestruturação) e a glasnost (transparência), da União Soviética, já na era de Mikhail Gorbachev, e, ainda o processo revolucionário romeno que culminou com o fuzilamento do ditador Nicolae Ceaucescu.
Os objetivos da perestroika e da glasnost eram nitidamente de reorganização do regime soviético, de modo a viabilizar sua continuidade. Entretanto, a guerra do Afeganistão e o desastre em Chernobyl contribuíram para que as populações eslavas não russas, especialmente da Ucrânia, recorressem ao relativo liberalismo engendrado pela glasnost.
As intervenções políticas e militares do Kremlin levaram ao desencadeamento de conflitos, como no Cazaquistão, no Tadjiquistão, na Quirguízia e na Moldávia, com muitos mortos e feridos.
A abertura política permitia que a imprensa apresentasse à sociedade o problema das etnias e a oposição do poder central à ação das elites nacionais locais. Por outro lado, o declínio econômico colocava em pauta a questão da competência do governo soviético para a resolução de todas as questões urgentes, dentre as quais estava Chernobyl e o uso da energia nuclear. Iniciavam-se os movimentos pela descentralização do poder político e econômico.
Armênia, Estônia, Geórgia, Azerbaijão tornaram-se palco de conflitos em torno da soberania nacional, com a presença de tropas enviadas por Moscou, a que se ampliaram as Frentes Populares e as reivindicações.
Na Alemanha, outro processo revolucionário. Em 1989, nas cidades de Leipzig, Dresden e Berlim oriental as manifestações populares levaram à queda do Muro de Berlim e ao fim da ditadura implantada na República Democrática Alemã, a que se seguiria, ainda que não fosse o projeto original, a reunificação alemã, sob o comando dos partidos políticos da Alemanha ocidental, a Democracia-Cristã e a Social-Democracia, em 1990.
A Alemanha estava, então, reunificada e o Pacto de Varsóvia, extinto.
Pode-se considerar esse momento o marco do fim da Guerra Fria. E, como afirma Hobsbawm, “não foi o confronto hostil com o capitalismo e seu superpoder que solapou o socialismo. Foi mais a combinação entre seus próprios defeitos económicos, cada vez mais evidentes e paralisantes, e a acelerada invasão da economia socialista pela muito mais dinâmica, avançada e dominante economia capitalista mundial” (HOBSBAWM, 2004, p. 226).
Acelerando o processo de desestruturação, no início de 1990, Estônia, Letônia e Lituânia declararam-se independentes. Grupos organizados por nacionais russos desses países procuraram organizar a resistência interna contra os movimentos separatistas. E, em junho, russos foram atacados em Tuvinian, na região turco-mongólica. Intensifica-se o êxodo de russos para a URSS e a política de concessões pacificadoras de Gorbachev já não seria mais capaz de conter os movimentos de independência.
Em agosto, um grupo de conservadores, composto pelo chefe de gabinete de Gorbachev, Valeri Boldin, o secretário do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, Oleg Shenin, o vice-presidente do Conselho de Defesa Oleg Baklanov, o comandante das forças terrestres soviéticas Valentin Varennkov, e o general do Comitê de Segurança do Estado (KGB), Yuri Plekhanov, solicitou uma audiência com Gorbachev, em nome do Comitê Estatal de Emergência, para que ele transferisse a presidência da URSS para Gennady Yanaiev, então vice-presidente.
Diante da negativa, Gorbachev e sua família foram postos em prisão domiciliar. Enquanto isso, em Moscou, a imprensa divulgava seu afastamento do poder devido a problemas de saúde e a junta de governo baixava decretos proibindo manifestações, greves e a liberdade de imprensa.
Os tanques invadiram as ruas de Moscou.
Explicitava-se o golpe de Estado.
Com ampla divulgação internacional dos acontecimentos, a oposição interna liderada por Boris Yeltsin, Presidente da Rússia, e apoiada pelo patriarca da Igreja Ortodoxa Russa e por oficiais da KGB e pela ação de manifestantes populares, o golpe fracassou. Em 22 de agosto Gorbachev e sua família retornaram a Moscou. O poder do Partido Comunista e da KGB estava definitivamente abalado.
Além disso, o golpe intentado contra Gorbachev contribuiu para o apressamento dos processos de independência das repúblicas soviéticas. As repúblicas bálticas proclamaram-se independentes e deixaram formalmente a URSS, sendo admitidas como países-membro da Organização das Nações Unidas (ONU). Depois, as demais foram se separando: Bielorrússia, Moldávia, Geórgia, Armênia, Cazaquistão e Quirguízia.
Em 8 de dezembro, Rússia, Ucrânia e Bielorrússia proclamaram a formação da Comunidades de Estados Independentes (CEI). Assim, a renúncia de Gorbachev, em 25 de dezembro, finalizava um importante período histórico, formalizando o que já era inegável: a União Soviética não mais existia.
Segundo reflexões de Lenina Pomeranz,
São ainda bastante controvertidas as discussões sobre o porquê de a experiência de construção de um sistema alternativo ao capitalismo ter terminado, depois de décadas de funcionamento. E não propriamente nos países europeus do Leste, onde sua implantação se deu, de forma impositiva, como resultado da Segunda Guerra Mundial, mas na URSS, onde sua implantação se deu como resultado da Revolução de Outubro e cujo modelo foi reproduzido nos referidos países. Há que se fazer, nesse sentido, considerações e reflexões sobre o tema, sem que elas sejam reduzidas de maneira simplista aos embates da Guerra Fria. O colapso do socialismo real precisa ser entendido em sua complexidade, envolvendo fatores relacionados com sua configuração e seu modo de funcionamento, mas também com fatores externos, relacionados com a oposição à sua existência e à sua influência sobre o resto da humanidade (USP, 2010).

Após o esfacelamento da União Soviética, as disputas se seguiriam, mas agora tendo a Rússia no centro da cena.

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