Patrimônios da Humanidade

Patrimônios da Humanidade

13 abril 2012

Breves considerações sobre a Gestão Escolar: desafios e possibilidades.


Breves considerações sobre a Gestão Escolar: desafios e possibilidades.

Percursos Históricos, Ano I, vol. abr., série 14/04, 2012

SOARES, Marilda
As demandas da sociedade contemporânea transformam a concepção de educação e suas funções e, do mesmo modo, fazem com que os papeis a serem desempenhados por seus profissionais passem por revisões.

Até recentemente considerava-se que o papel do gestor, da coordenação ou direção escolar, era de controle das ações técnico-pedagógicas ou técnico-burocráticas. Entretanto, mudanças de paradigma passaram a indicar para um novo caminho, e o gestor tem sido chamado a desempenhar funções que favoreçam a educação em um mundo em constante mudança.

As atividades a serem desenvolvidas por gestores ligam-se ao planejamento, à formação docente continuada ou contínua, ao projeto pedagógico, às relações interpessoais e lideranças, à mediação entre a prática administrativa e a prática pedagógica, às intervenções na prática pedagógica, à avaliação do trabalho educacional, à construção de parcerias, à gestão democrática e ao próprio compromisso dos gestores quanto ao seu papel frente à escola e à sociedade.

Em relação ao corpo de profissionais que chefia ou orienta, o gestor deve ser um motivador do trabalho, compreendendo que a ação educativa exige a constante superação dos desafios cotidianos, o que pressupõe a adequação das expectativas e tarefas, a coordenação das relações interpessoais, considerando sempre as relações recíprocas entre competência profissional, afetividade, condições de trabalho e funções da escola e do ensino.

Em relação ao corpo discente e à comunidade, é importante que o gestor esteja preparado para estruturar um trabalho voltado para a pedagogia do sucesso e não do fracasso, da inclusão e não da exclusão, da diversidade e não da homogeneidade, da participação democrática e não da centralização de poder.

De acordo com Ilma Passos, os princípios norteadores da construção de um projeto pedagógico em uma escola democrática são a igualdade de condições de acesso e permanência na escola e a qualidade do ensino oferecido a todos os alunos, independente da sua classe social, como fatores complementares e indissociáveis.

Há, ainda, que se considerar os princípios de liberdade e de valorização do magistério. A liberdade representando as possibilidades de escolha e participação no fazer educativo, visando a construção de sujeitos autônomos e capazes de contribuir para a melhoria do ensino. Ou seja, a valorização passa pela permanente formação, capacitação profissional, pela remuneração e adequadas condições de trabalho.

Essa valorização dos profissionais da educação, como responsáveis pela formação de indivíduos competentes, corresponde ao respeito a indivíduos conscientes e em condição de atuar no meio social de forma ética, autônoma e colaborativa.

De acordo com Rios, a escola democrática constitui-se a partir da liberdade que se processa em um trabalho coletivo, com tarefas e saberes compartilhados por professores, funcionários, alunos e comunidade na medida em que todos são responsáveis pela construção e execução do projeto pedagógico da escola.

Nesse quadro, o gestor tem o importante papel de organizar os trabalhos e favorecer a participação de todos, e também de viabilizar os espaços e recursos necessários à construção, avaliação e reconstrução do projeto pedagógico. Assim, estará contribuindo para a efetivação de uma gestão democrática, o que representa, também, a implantação de uma nova concepção de educação que integra e valoriza o espaço escolar e o fazer educativo.

De acordo com Jussara Hoffmann, são vários os fatores que dificultam a superação da escola tradicional, como as práticas pedagógicas, as formas administrativas centralizadoras e, sobretudo, os critérios e métodos de avaliação, que se relacionam às possibilidades concretas de superação dos problemas detectados.

Dentre os aspectos a serem superados, destacam-se a imposição do ritmo de aprendizagem, o controle das atividades (que devem ser realizadas por todos ao mesmo tempo), a uniformidade das respostas esperadas, o atendimento a um cronograma rígido, a comparação entre os resultados apresentados pelos alunos, a expectativas idênticas (que não respeitam as características individuais).

Se estamos caminhando rumo à superação dos problemas tradicionais e à implantação de uma escola de qualidade – que tenha em vista a formação cidadã e a transformação da realidade – então é necessário que os diferentes sujeitos/atores do processo pedagógico estejam integrados e dispostos a rever posições e inovar, buscando atender as expectativas e necessidades de aprendizagem e de desempenho da escola no contexto social.

As práticas docentes e ação gestora devem ser articuladas em torno do objetivo de ampliação do acesso à educação de qualidade, o que significa a adoção de posturas condizentes com o papel que a educação e a escola são chamadas a cumprir.

Para tanto, ao organizar a administração escolar, seja como diretor ou coordenador, o gestor deve proporcionar espaços e tempos para a reflexão, o compartilhar de ideias, a aproximação entre os sujeitos e para a concepção de caminhos e estratégias que sejam pertinentes e estejam de acordo com as necessidades detectadas.

Os tempos destinados às reunião de trabalho devem, portanto, comportar espaços para a avaliação, com a identificação dos aspectos de organização e prática que devem ser preservados, pois eficazes, como também dos que devem ser modificados. Por essas razões, é necessário estudar os resultados da avaliação e extrair desses instrumentos as informações que subsidiarão a transformação da realidade.

O coordenador deve ser mediador e interlocutor, ou seja, contribuir para o processo de análise das avaliações e auxiliar na formação das equipes escolares, que têm por objetivo estudar os resultados e propor mudanças que visem o encontro de novas práticas. Para tanto, é necessária a discussão e o compromisso, que só podem ser realizados mediante à disposição conjunta de novos horizontes educativos, de uma sociedade transformada pela escola.

É necessário que avaliação seja pensada como um instante, dentre muitos outros, em que o conjunto dos atores pode refletir sobre suas práticas e concepções e se dispor a mudanças significativas no interior da escola.

Atualmente os gestores desempenham diferentes funções interligadas: de mediadores, interlocutores, orientadores, articuladores e formadores, tendo em vista a necessidade de converter o ambiente escolar em um locus de interação e formação dos estudantes e dos profissionais da educação, sendo um espaço privilegiado para as práticas, inclusivas, afetivas, éticas e democráticas.



Bibliografia.

 
ALMEIDA, L. R.; PLACCO, V. O coordenador pedagógico e o espaço da mudança. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001.

CAHULLA, M. e BENTO, I. Construindo caminhos democráticos na gestão pública. Rondônia: Anais do I Encontro Regional de Gestores e Técnicos Pedagógicos do Estado de Rondônia. Disponível em: <http://www.anpae.org.br/congressos_antigos/simposio2009/249.pdf>.

DEMO, P. Ser professor é cuidar que o aluno aprenda. Porto Alegre: Mediação, 2004.

HOFFMANN, J. Avaliar para promover: as setas do caminho. Porto Alegre: Mediação, 2001.

SOUSA, S.M.Z. Avaliação institucional: elementos para discussão. In: LUCE, M.B.; MEDEIROS, I.L.P. (org.). Gestão escolar democrática: concepções e vivências. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006

FREIRE, P. Aprendendo com a própria história. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992

GANDIN, L. A. Para onde a escola está sendo levada? (ou: a escola pode ser levada para algum lugar diferente daquele que o projeto hegemônico quer?). Revista de Educação AEC. Brasília: v. 27, n. 107, p. 9-16, abri./jun., 1998.

OLIVEIRA, M. A. M. Gestão educacional: novos olhares, novas abordagens. Petrópolis: Vozes, 2005.

RIOS, T. A. Significados e pressupostos do projeto pedagógico. Série Ideias. n.15, São Paulo: FDE, 1992. p. 73-77.

SEVERINO, A. J. Projeto pedagógico e identidade educacional: a saída para a escola. Revista de Educação AEC. Brasília: v. 27, n. 107, p. 81-90, abr./jun., 1998.

SILVA, M. A. S. S. S. (coord.). Raízes e Asas. Projeto de Escola. São Paulo: CENPEC, 1993.

VEIGA, I. P. A. Projeto político pedagógico da escola: uma construção possível. Campinas: Papirus, 1996.

11 abril 2012

Reflexões sobre currículo escolar e prática pedagógica.


Reflexões sobre currículo escolar e prática pedagógica.

Percursos Históricos, Ano I, vol. abr., série 12/04, 2012.


SOARES, Marilda


Os currículos escolares, assim como as teorias educacionais tradicionais, foram estabelecidos pautando-se em preceitos positivistas, cientificistas e excludentes. De acordo com Henry Giroux, enquanto os currículos seguirem esse padrão continuarão à cooperar para a manutenção das desigualdades sociais.

Há uma cultura dominante, elitizada, que procura preservar as distâncias entre indivíduos de status sociais diferentes e a escola, e que durante muito tempo contribuiu para a reprodução dessa relação de dominação, por não valorizar a cultura produzida nas relações cotidianas e nos meios de comunicação mais acessíveis ás diferentes classes sociais.

Uma escola democrática e uma educação democrática devem ser voltadas para os sujeitos em formação cidadã e contribuir para a emancipação, para autonomia, para a valorização dos alunos e professores.

Considerando que a cultura não é neutra, mas veículo de difusão de conhecimento e ideias, é fundamental que no momento de estruturação do currículo haja uma preocupação com o desenvolvimento de valores éticos, de saberes emancipatórios, de modo que o percurso de formação contribua não apenas para a reprodução dos saberes dominantes, mas para a transformação da sociedade em um sentido positivo, de construção de uma realidade mais igualitária e justa.

Ou seja, há que se repensar a educação e propor mudanças estruturais.

A Escola da Ponte tornou-se um modelo de escola para todo o mundo. As inovações em relação ao currículo e a forma de organizá-lo, e a própria prática dos alunos, indicam novas possibilidades e são sempre referências nos cursos de formação de professores.

Dentre as práticas diferenciadas destacam-se a Assembleia de Escola, em que os alunos tomam decisões éticas, indicando o que consideram seus direitos e deveres em relação à escola e ao convívio, sendo experiências democráticas que estimulam a prática da cidadania.

A Caixinha de Segredos, a Caixinha dos Textos Inventados, Eu Preciso de Ajuda, Eu Já Sei, são formas de comunicação entre os sujeitos dessa Escola, auxiliando no aprendizado e oferecendo a oportundade de auxílio mútuo e possíveis redirecionamentos.

Como existe uma preocupação em permitir que cada aluno se desenvolva segundo seu próprio ritmo e tempo, em um processo social que permita a ressignificação dos saberes, os conteúdos não são trabalhados para todos ao mesmo tempo. Do mesmo modo, a avaliação é diferenciada, procurando respeitar a individualidade e o momento da aprendizagem.

Assim, mesmo a auto-avaliação é considerada como um momento de aprendizado, na medida em que permite a cada um avaliar seus avanços e suas dificuldades, identificando os problemas e procurando os meios para superá-los.

Em um de seus textos, Rubem Alves afirma:

“Nossas escolas são construídas segundo o modelo das linhas de montagem. Escolas são fábricas organizadas para a produção de unidades bio-psicológicas móveis portadoras de conhecimentos e habilidades. Esses conhecimentos e habilidades são definidos exteriormente por agências governamentais a que se conferiu autoridade para isso. Os modelos estabelecidos por tais agências são obrigatórios, e têm a força de leis. Unidades bio-psicológicas móveis que, ao final do processo, não estejam de acordo com tais modelos são descartadas. É a sua igualdade que atesta a qualidade do processo. Não havendo passado o teste de qualidade-igualdade, elas não recebem os certificados de excelência ISO-12.000, vulgarmente denominados diplomas. As unidades bio-psicológicas móveis são aquilo que vulgarmente recebe o nome de "alunos".


 
            E, ao se referir a esse modelo de escola, Alves está fazendo uma crítica severa à uniformização, à padronização, que não respeita as individualidades e acaba por impedir que todos os alunos se desenvolvam, pois os obriga, teoricamente, a aprender ao mesmo tempo, o que, na verdade, não acontece.

            Encantado com o que viu e ouviu ao visitar a Escola da Ponte, sendo conduzido por uma aluna de aproximadamente 10 anos, que lhe explicou sobre o funcionamento da escola e como os alunos se sentiam ali, Rubem Alves encerra dizendo:


“Minha cabeça está coçando com o sonho de fazer uma escola parecida... Você matricularia seu filho numa escola assim? Mande sua resposta com suas razões para rubem@correionet.com.br -- estou curioso!”


Não temos ainda uma Escola da Ponte, mas estamos tentando fazer com que nossas escolas também tenham espaço para experiências democráticas, de participação e autonomia, de modo que possamos superar esse modelo positivista que ainda persiste em orientar professores, gestores, currículos e métodos de avaliação.

Recordando as palavras de Giroux, é fundamental que os professores



“[...] atentem seriamente para a necessidade de dar aos alunos voz ativa em suas experiências de aprendizagem; significa desenvolver um vernáculo crítico que seja adequado aos problemas experienciados ao nível da vida diária, especialmente quando estes são relacionados com experiências pedagógicas desenvolvidas por práticas de sala de aula”.
           

Além disso, é importante que gestores e demais membros da comunidade escolar atentem para a necessidade de estruturar um currículo que favoreça a expressão dos saberes e necessidades dos alunos, pois é para eles que a escola se destina.

Outro aspecto fundamental é a existência de condições adequadas à concretização do currículo e modelo de escola propostos, com investimentos em recursos materiais e, sobretudo, a formação de uma nova mentalidade, que considere a escola e a educação como espaços de construção de práticas democráticas, essenciais ao indivíduo e à sociedade.




Bibliografia.


FREIRE, Paulo. Educação e mudança . Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1997.

FREIRE, PAULO. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GIROUX, Henry A. Cruzando as fronteiras do discurso educacional – Novas políticas em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

GIROUX, Henry. A escola crítica e a política cultural. Trad. Dagmar M.L. Zibas. São Paulo: Cortez, 1988.