Patrimônios da Humanidade

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09 agosto 2011

O Estado Novo e os projetos de crescimento econômico e expansão do sistema de ensino.


O Estado Novo e os projetos de crescimento econômico e expansão do sistema de ensino.
Percursos Históricos, Ano I, vol. ago., série 09/08, 2011.

SOARES, Marilda
Nas décadas de 1930 e 1940, além das mudanças políticas que apontavam para o acelerado processo de centralização, o crescimento populacional do período anterior e a expansão da indústria determinaram um quadro de reorganização econômica.
De acordo com os dados do antigo Departamento Estadual de Estatística, entre os anos de 1938 e 1942, aproximadamente 15 mil novas fábricas foram instaladas, tendo-se constatado a existência de mais de 100 unidades industriais em cada Estado da federação. A produção atingiu 8 bilhões de Cruzeiros em 1937; 12 bilhões em 1940 e mais de 27 bilhões em 1943, cifras que demonstram a ampliação do parque industrial. Esse crescimento gerou projetos de remodelação da indústria nacional, com investimentos vultosos (siderurgia em Volta Redonda, fábrica de motores em Caxias, exploração de minérios no Vale do Rio Doce, produção de aviões em Lagoa santa, e outros) e o estabelecimento de um plano para o setor de comunicação e transportes.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores, na metade da década de 1940, a maior parte dos produtos antes importados foi produzida internamente, e a exportação de tecidos superou um bilhão de Cruzeiros, valor inferior apenas ao da exportação do café. Quanto ao valor global das exportações, os manufaturados significaram, em 1943, 19,2% do total, percentual significativo em um país que tradicionalmente atuava no comércio internacional como produtor agrícola.
Com o objetivo de conquistar novos mercados consumidores, o Estado criou o Instituto Nacional de Tecnologia, um órgão de pesquisa destinado a experimentar matérias-primas e produtos fabricados,  para servir de laboratório para as empresas químicas, metalúrgicas, de fermentação, de combustíveis, têxteis e outras, e controlar tecnicamente os processos e métodos produtivos.
Os anos de 1937 a 1947 foram propícios ao crescimento da economia nacional, com o desenvolvimento do processo industrial e modernizador. A Segunda Guerra revigorou a economia brasileira, ampliando o volume de exportações e, em consequência, de capital disponível para novos investimentos.
De acordo com números apresentados pelo Banco do Brasil, publicados por Heitor Ferreira Lima (1973), o crescimento das exportações foi significativo para a balança comercial, passando de um saldo negativo de CR$3.000,00, em 1940, para um saldo positivo de CR$2.730.000,00, em 1944:

Brasil. Exportações em milhares de Cruzeiros, 1940-1944.
Anos
Importação
Exportação
Saldo
1940
4.964
4.461
- 3
1941
5.514
6.726
+ 1.212
1942
4.693
7.500
+ 2.857
1943
6.092
8.729
+ 2.567
1944
7.997
10.727
+ 2.730

Assim, devido às possibilidades do mercado internacional, aos investimentos internos e ao incentivo governamental, ganhava espaço a certeza de que a indústria constituiria a nova estrutura produtiva. A industrialização emergia como um fator dinâmico da economia e expandiam-se os aglomerados urbanos e as camadas médias, crescendo a demanda de formação de quadros profissionais e de ampliação do sistema educacional (CANABRAVA, 1985).
Por outro lado, como consequência da prosperidade dos setores secundário e terciário no sul do País, as regiões cuja produção estava atrelada ao setor agrário sofriam com a crise causada pela perda de mão-de-obra e pelo favorecimento da política nacional à produção industrial. Tais mudanças implicavam em uma rearticulação global da ordem econômico-social, com reflexos na política e na sociedade.
As condições sociais, econômicas e políticas de uma determinada sociedade são refletidas nos seus sistemas educacionais e movimentos educativos em geral. Especialmente nos períodos de mudança econômica, política ou social, o sistema educacional em funcionamento é questionado por não atender às novas necessidades criadas. Exemplo disso foram as discussões acerca da educação brasileira: no início do período republicano as reivindicações giraram em torno da difusão do ensino elementar comum; nos anos vinte, o tema central foi a  reformulação dos sistemas já existentes; e, nos anos trinta e quarenta, tratou-se da promoção do ensino técnico-profissional (PAIVA, 1987).
De acordo com Otaíza Romanelli, um dos fatores associados à expansão do ensino, a partir de 1930, foi a ampliação da demanda social de educação, como sido resultado do crescimento demográfico (demanda potencial) e da intensificação do processo de industrialização (demanda real). A autora ressalta que  o setor educacional apresentava resultados deficientes do ponto de vista quantitativo (falta de escolas, baixo rendimento do sistema escolar e discriminação social) e do ponto de vista estrutural (defasagem entre o tipo de escola criada pelo processo de expansão do ensino e as necessidades econômicas). Assim, manteve-se, no período, o desequilíbrio entre o que era oferecido pela escola e as necessidades sociais de qualificação para mundo do trabalho (ROMANELLI, 1980).
A dificuldade de implantação de um sistema de educação que atendesse às demandas da economia nacional era consequência também do descompasso entre os modelos de sociedade e política presentes antes da implantação da República.
Desde o final do século XIX, crescimento da economia exerceu influência sobre trabalhadores nacionais e estrangeiros. O deslocamento de grandes contingentes das zonas rurais para os centros urbanos desequilibrou a distribuição populacional e reforçou a polarização dos núcleos urbanos já existentes. Segundo os recenseamentos oficiais, entre 1900 e 1950, a taxa média anual de  crescimento populacional do país foi de 2,2%, passando de cerca de 18 milhões para aproximadamente 52 milhões de habitantes.
A expansão urbano-industrial constituiu-se em um dos fatores determinantes das mudanças educacionais, pois o crescimento econômico e populacional exigiu a concepção de projetos para a ampliação do acesso à educação, bem como o desenvolvimento do "ensino utilitário" para qualificar rapidamente a mão-de-obra segundo as necessidades do mercado de trabalho. Mas o crescimento populacional, maior que a capacidade de expansão da rede pública de ensino, tornou as altas taxas de analfabetismo e a demanda educacional problemas de difícil solução.
Nos anos 30 e 40, outro problema ligava-se especificamente à estrutura educacional: o ensino estava organizado de acordo com os padrões estabelecidos pelos primeiros republicanos, mantendo um caráter elitista que excluía as camadas médias e baixas da população, tanto pelo nível de exigência do ensino, quanto pela ausência de condições materiais para a permanência dos alunos na escola.
O aumento da demanda de educação formal foi resultado, dentre outros aspectos, do crescimento populacional, das transformações socioeconômicas e da percepção de que a escola era um importante meio para ascensão na escala social. Assim, a sociedade passou a pressionar os poderes públicos no sentido de expandir a rede de ensino o que implicou na ampliação da interferência do Estado sobre o sistema educacional.
O governo mostrou-se preocupado em ampliar os níveis de escolaridade e conferir à educação um novo papel frente à realidade econômica e social. As mudanças no panorama político exigiram não apenas a reorganização dos quadros administrativos, mas, sobretudo, uma nova postura do poder público frente às questões sociais. Nesse contexto, a expansão do ensino elementar apresentava-se como condição para a posterior ampliação do ensino técnico-profissional.
O processo de modernização da sociedade fez com que o modelo de educação seletiva representasse um obstáculo ao desenvolvimento, pois causava um desequilíbrio entre as necessidades do empresariado e a capacidade da mão-de-obra, de modo que se tornam mais contínuos os movimentos ligados à renovação educacional. As mudanças na estrutura do ensino deram-se segundo a forma como os desequilíbrios entre os sistemas educacional e econômico foram percebidos. Por outro lado, o aumento e a concentração populacional criaram uma demanda social de educação e exerceram pressão sobre a oferta de ensino, obrigando o sistema educacional a expandir-se.
Desse modo, além dos problemas específicos ligados à manutenção da ordem pública em um regime autoritário, a expansão do ensino foi também resultante da conjugação entre demanda social de educação e das necessidades econômicas criadas pelo crescimento da economia capitalista.
Segundo Vanilda Paiva, além das questões ligadas às condições socioeconômicas internas, fatores de ordem externa e outros, vinculados essencialmente à educação, influenciam os movimentos em prol das oportunidades educativas, como o prestígio do governo e os compromissos assumidos em encontros internacionais relativos ao ensino. Outros fatores foram decisivos para a ampliação do ensino elementar no Brasil, como as Guerras Mundiais, que provocaram movimentos de nacionalização do ensino, especialmente em núcleos de colonização estrangeira, causando a expansão da rede pública; e movimentos ligados aos ideais democráticos e socialistas, que impulsionaram a luta pela educação popular.
Segundo ela, o processo de modernização econômica do país, que, na década de 1910 fortaleceu a industrialização e a urbanização, acentuando as possibilidades de expansão do ensino elementar; e no período posterior a 1930 impulsionou o ensino técnico-profissional, considerado elemento essencial ao progresso da Nação. Por outro lado, ressalta que, mesmo estando subordinado a questões de ordem política e econômica, o movimento educativo possui uma dinâmica própria que também influencia no processo de expansão do sistema de ensino, mas que pode levar a medidas estéreis, se não corresponder às condições reais da sociedade à qual se destina.
Ainda de acordo com as observações de Paiva, a educação influi na evolução da sociedade por se um instrumento de formação de mão-de-obra e de cientistas, pesquisadores e tecnólogos, que podem contribuir decisivamente para o crescimento econômico e para a transformação das estruturas sociais. Através dos postulados ideológicos difundidos, dos currículos e conteúdos escolares e dos métodos de ensino, a educação pode ser um instrumento de transformação ou de conservação social. Os movimentos educativos, afirma, não têm, isoladamente, a possibilidade de transformar a sociedade, pois estão ligados à vida política, assim como os sistemas de ensino estão subordinados ao Estado ou às classes dominantes, portanto, qualquer mudança no setor depende das lutas pelo poder, dos embates ideológicos e do nível de desenvolvimento das forças produtivas.
Isso é o que se verificou nos anos 30 e 40, quando as prioridades econômicas e as expectativas da sociedade civil quanto à atuação da sociedade política determinaram a necessidade de uma nova postura do Estado frente às instituições sociais e ao papel da máquina governamental na orientação do ensino.  
Para resolução dos problemas foram adotadas, prioritariamente, medidas de caráter político que visavam diminuir o déficit de vagas escolares e criar oportunidades de acesso das parcelas sociais até então excluídas da educação formal. Tal política, acompanhada de uma crescente intervenção do governo federal, tinha como propósito, sobretudo, tornar a educação um agente reprodutor do perfil ideológico do regime vigente, de modo que o sistema de ensino foi burocratizado e controlado e os sistemas escolares regionais obrigados a organizar e manter instituições de acordo com as diretrizes estabelecidas pela União.
Para manter o regime, o governo buscou o apoio da população urbana, na medida em que o centro de força da cena política localizava-se no espaço urbano e que este, ao mesmo tempo, fornecia os elementos visíveis da modernização econômica da sociedade. Assim, a partir dos anos 30, as camadas médias e o operariado, representando a base de sustentação política, se tornaram o alvo dos discursos que pregavam a redução da distância entre o Poder e as classes sociais.
Os fenômenos de industrialização e urbanização não apenas aumentaram o contingente populacional, como deram origem a novas aspirações e reivindicações sociais, visto que o desenvolvimento econômico não se fazia acompanhar pela criação de infraestrutura urbana para as diferentes camadas sociais integradas no processo produtivo (SPOSITO, 1985).
Para solucionar problemas sociais ligados a fatores econômicos, demográficos, políticos e ideológicos, as principais mudanças quanto aos aspectos quantitativos do ensino atingissem especialmente as parcelas urbanas da sociedade.
Desse modo, o perfil da instrução pública delineou-se também sob a influência das diretrizes políticas e econômicas nacionais. As medidas políticas referentes à reestruturação do ensino público tiveram o propósito de torná-lo um dos agentes da construção do "Estado verdadeiramente nacional", o que representava, naquele momento, a expressão da ordem social e do progresso econômico.

  
Bibliografia.

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AMARAL, Azevedo. O Estado autoritário e a realidade nacional. Brasília: Ed.UNB, 1981.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Pátria, civilização e Trabalho. O ensino de História nas escolas paulistas (1917-1939). São Paulo: Loyola, 1990.
Canabrava, Alice Piffer. História da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, 1946-1981. São Paulo: José Augusto Gugliardi, 1984.
IBGE. A educação no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/Conselho Nacional de Estatística, 1949.
LIMA, Heitor Ferreira. História político-econômica e industrial do Brasil, São Paulo: Nacional, 1973.
MACHADO, Lucília R. de Souza. Politecnia, escola unitária e trabalho. 2a. ed. São Paulo: Cortez : Autores Associados, 1991 (Educação contemporânea).
MAZZEO, Antonio Carlos. Burguesia e capitalismo no Brasil. São Paulo: Ática, 1995.
PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola, 1987 (Temas brasileiros, II).
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil: 1930/1973. Petrópolis: Vozes, 1980.
SOARES, Marilda Aparecida. “Para promover a grandeza da Nação”: O Estado Novo e o projeto para a Educação nacional. Tese de Doutorado. São Paulo: FFLCH/USP, 2002.
SPOSITO, Maria Encarnação. Capitalismo e urbanização. São Paulo: Contexto, 1985.
WEREBE, Maria José. 30 anos depois. Grandezas e misérias do ensino no Brasil. São Paulo: Ática, 1994.
XAVIER, Elizabete. Capitalismo e Escola no Brasil. A constituição do Liberalismo em ideologia educacional e as reformas do ensino (1931-1961). São Paulo: Papirus, 1990.