Semiologia da
cultura material: lendo signos e representações sociais a partir dos objetos.
Percursos Históricos, Ano
I, vol. out., série 20/10, 2011.
SOARES, Marilda
As “coisas”
produzidas e preservadas por uma sociedade podem evidenciar seus modos de vida
e seus valores no presente e no passado?
Certamente sim.
E isso se mostra pelos inúmeros testemunhos da cultura material: construções,
monumentos públicos, cemitérios, pontes, estradas, placas com nomes de ruas, moedas,
roupas, joias e adornos, pinturas, esculturas, fotografias, equipamentos, ferramentas,
objetos de uso doméstico, cartas, diários, revistas, jornais, livros, etc.
Todos esses registros são documentos que revelam o quotidiano de um povo, suas
possibilidades materiais e intelectuais de transformar a natureza e produzir
diferentes estilos de vida.
Como
representativos de um tempo, um pensamento, um status, uma técnica, os objetos
são social e culturalmente distintos. Alguns são de uso cotidiano e facilmente adquiridos,
outros têm pequena durabilidade e são rapidamente substituídos, outros, ainda, são
preservados em instituições, em função do seu valor de mercado ou da sua
importância simbólica.
Na atualidade, a
preservação, o estudo e a exposição da cultura material representativa de povos
e tempos históricos fazem-se pelos museus, instituições que se caracterizam
pela salvaguarda de objetos que simbolizam a memória e a cultura nacional.
Originalmente, museum
– palavra latina derivada do grego mouseion – designava reunião das
musas inspiradoras. Até o período Renascentista, o termo museum aplicava-se
aos espaços onde as coleções de objetos raros e valiosos eram guardados ou
expostos, relacionando-se aos templos e teatros da Antiguidade Clássica –
gregos e romanos –, às igrejas e aos mosteiros medievais; ou aos palácios da
Idade Moderna, com relíquias, estatuária, pinturas, vasos e adornos de caráter
decorativo ou sagrado.
Antes da
institucionalização dos museus, existiam as galerias para mostra e os gabinetes
para guarda de peças e, entre os séculos XVII e XVIII, muitas coleções particulares
e exposições restritas a grupos seletos de convidados tornaram-se públicas.
Herdeiro da
prática de colecionar objetos, o museu público surgiu na França, em 1793, época
em que se desencadeava o processo histórico da Revolução Francesa. A criação do
Musèe du Louvre está associada à necessidade de proteger objetos e obras
de arte de valor histórico para o povo francês que, em plena era
revolucionária, buscava destruir símbolos dos privilégios da nobreza que
dominara a França até então.
Antes do Louvre,
outras instituições com finalidade recreativa e cultural haviam sido criadas na
Europa; contudo seu caráter era de espaço de exposições particulares, como o
primeiro, Ashmole Museum, criado na Universidade de Oxford para abrigar
a coleção de peças de Elias Tradescant doada a Oxford por John Ashmole em 1683.
E o British Museum, criado em 1759, quando o governo inglês adquiriu a
coleção de Hans Sloane. A vista das exposições destinava-se a visitantes
credenciados, não havendo exposições públicas.
Dentre os museus
modernos, surgidos no século XIX, especializados em temas ou áreas, citam-se
alguns brasileiros, como o Museu do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico
de Pernambuco; o Museu de Mineralogia e Geologia da Escola Nacional de Minas e
Metalurgia, de Minas Gerais; o Museu Nacional, do Rio de Janeiro; o Museu Goeldi,
de Belém do Pará; e o Museu Paulista, de São Paulo, formados no estilo dos museus
de História Natural americanos, como o Museu de Antropologia da Cidade do México
e o Museu Americano de História Natural de Nova York, inspirados na teoria evolucionista
de Darwin. Mas, desde o início do século XX, os museus foram se especializando,
separando-se os conteúdos de arte, folclore, história e ciências.
Os museus
históricos, além de preservar e expor objetos e obras de arte relacionados aos
processos históricos pelos quais passaram determinada sociedade em determinado tempo,
oferecem aos pesquisadores a possibilidade de analisar as realidades passadas e
presentes a partir da cultura material. Tal mudança em relação à fonte de
pesquisa coloca novos problemas em relação ao conhecimento das realidades
passadas.
A esse respeito,
Bloch (s.d.) faz uma reflexão acerca das especificidades do conhecimento do
passado. Segundo ele, o historiador estaria diante do passado como um cientista
que, detido em casa pela gripe, conhecesse os resultados de suas pesquisas
pelos relatos do auxiliar de laboratório. Assim, enquanto um cientista, em
condições normais de trabalho, observa diretamente os resultados da experiência
que desenvolve com uma cobaia, o historiador só poderia conhecer seu “objeto”
de estudo – o passado – pelos testemunhos que esse aceita dar. Tais testemunhos
seriam os registros deixados pelos homens para as gerações seguintes. Desse
modo, a observação do passado seria, em princípio, indireta.
Bloch, contudo,
questiona o caráter indireto da observação do passado, uma vez que os vestígios
da cultura material podem conduzir a hipóteses e/ou afirmações que muitas vezes
não seriam alcançadas apenas com base em fontes escritas. Segundo ele, nas
paredes de certas cidadelas da Síria foram encontrados corpos sepultados e,
como não se pode razoavelmente supor que tivessem sido colocados ali por acaso,
seria pertinente indagar sobre a prática de sacrifícios humanos. Assim, nem
sempre a observação do passado é indireta (BLOCH, s.d.)
Quando existem
registros concretos, preservados tal como foram produzidos, as perspectivas de
conhecimento são maiores, mais abrangentes e mais palpáveis. Além disso, alguns
povos ou períodos, embora muito ricos, deixaram poucos registros escritos, o
que demanda o estudo de outras fontes de conhecimento, como a toponímia, a
linguística, a numismática, a arqueologia e outras, para que se possa
estabelecer hipóteses e alcançar conclusões fundamentadas.
Embora o
conhecimento histórico esteja tradicionalmente associado à pesquisa em documentos
escritos, as novas vertentes teóricas apontam para a crescente incorporação dos
objetos da cultura material como fonte de pesquisa e análise, portanto, de
conhecimento de uma realidade. E só é possível conhecê-la a partir dos
registros, sejam eles em forma de escrita ou de outras produções humanas.
Há menos de um
século, consideravam-se como documentos próprios ao trabalho do historiador os
chamados “papéis velhos”, constituídos por registros oficiais, biografias de importantes
personagens políticos ou religiosos. Atualmente, pensa-se no quão reveladores podem
ser um diário, uma obra arte, uma peça de mobiliário ou mesmo um aparelho de
uso doméstico, uma vez que são, igualmente, expressões de um determinado contexto
histórico, como afirma Vavy Pacheco Borges,
[...] no
meio da poeira de documentos antigos, na lama das escavações ou no manuseio de instrumentos
muito desenvolvidos tecnicamente, é sempre o homem vivo que o historiador
procura encontrar, é a sociedade na qual esse homem viveu, trabalhou, amou,
procriou, guerreou, divertiu-se, que o historiador quer decifrar. E, para
tanto, todo tipo de documento que esclareça esses aspectos é de fundamental
importância (BORGES, 1988).
O universo do
trabalho, por exemplo, pode ser exposto pela cultura material a partir dos seus
resultados concretos, quando se trata de produtos para consumo ou bens de produção,
como instrumentos técnicos. Contudo, a percepção das relações sociais de trabalho
nem sempre se evidenciam com a mesma facilidade: é necessário buscá-la muitas vezes
nos procedimentos do método crítico, comparando os objetos e procurando
identificar o meio social no qual ele foi produzido, e encontrar respostas para
questões como: quem o produziu? a quem pertenceu? quem o utilizou? E indagar
sobre que repercussão teve a produção, a posse e o uso do objeto em questão, em
termos de estrutura social.
Esse
procedimento exige todo um trabalho de pesquisa que pode resultar na desfetichização
do objeto e na compreensão das relações sociais da sociedade à qual pertenceu,
e em outra perspectiva, comparar as mudanças e permanências nas relações sociais
de trabalho, nas relações econômicas, nos padrões técnicos e culturais da sociedade
em diferentes temporalidades.
Todos, ou quase
todos os objetos podem ser considerados suportes materiais para a compreensão
do passado e o estabelecimento das relações entre passado e presente. Se, no passado,
os artefatos representavam as possibilidades materiais e imateriais de uma
cultura e eram produzidos em um universo de relações sociais de trabalho, isso
é válido também para o presente, uma vez que a sociedade ainda se estrutura de
forma a exigir que cada indivíduo desempenhe um papel no mundo do trabalho.
A produção de
uma peça de vestuário, de um mobiliário, de uma peça de porcelana, ou de uma
arma é sempre algo que se faz mantendo-se a diferenciação entre aquele que produz
e aquele que se apropria do produto; isso serve para as sociedades antigas e modernas.
Contudo, nas sociedades modernas, geradas a partir da revolução industrial, os trabalhadores,
produtores dos bens materiais, passaram gradativamente a ter um acesso maior à
parte dos bens produzidos, o que não significa dizer que tenham sido eliminadas
do universo do trabalho as diferenciações entre força-de-trabalho e
proprietários dos meios e bens de produção.
Ao contrário,
essa distância permaneceu e se ampliou. No entanto, há uma mítica criada e
mantida pela sociedade de consumo que se formou após a industrialização: de que
há uma democratização do acesso aos bens produzidos. E isso deve ser
considerado, visto que os bens produzidos por uma sociedade são de diferentes
padrões e de diferentes valores, tanto no que se refere ao valor de venda,
quanto ao valor de uso. Mas, quando um produto deixa de ser fator de
diferenciação social, surgem novos modelos e estilos, ou outros de tecnologia
mais avançada que ocupam o seu lugar no universo das representações sociais
simbólicas.
Para além do seu
conteúdo físico, as coisas materiais constituem-se em exposição e fonte de conhecimento
sobre tecnologia, funcionalidade, gosto estético, formas de apropriação e uso.
Tudo o que o homem fabrica tem relação direta com suas necessidades sejam elas
materiais (alimentação, vestuário, moradia etc.) ou imateriais (intelectuais, éticas,
estéticas etc.), e é por essa razão que expressam os padrões culturais de um determinado
tempo e lugar, revigorando-se constantemente com o renovar da vida humana. E
isso é válido para o presente e para o passado.
Nas comunidades
pré-históricas, os homens se organizavam devido à necessidade de sobrevivência.
Entretanto, suas possibilidades materiais e intelectuais diferiam quantitativa
e qualitativamente das possibilidades atuais. Habitavam cavernas, alimentavam-se
da carne dos animais capturados muitas vezes por grupos numerosos, que contavam
com instrumentos rudimentares de caça, vestiam-se da pele dos animais abatidos e
registravam o quotidiano nas paredes das cavernas com tintas extraídas do
sangue dos mesmos animais, só para citar alguns exemplos. Esses poucos exemplos
são indicativos da subordinação daqueles homens às condições oferecidas pela Natureza.
Por outro lado, o ato de confeccionar vestimentas, ainda que para atender a
necessidade natural de proteção contra as condições climáticas ou contra ataques
ferozes, mostra um quadro de elaboração intelectual próprio apenas ao gênero
humano.
Em constante
evolução, o homem ampliou seu domínio sobre a Natureza e criou sociedades mais
complexas, nas quais o conforto passou a ser símbolo não apenas de atendimento
às necessidades de sobrevivência, mas também às psicológicas e sociais.
Criou, ainda, o
conceito de status, representando um sistema de alocação social que se
dá pela linguagem, pelas formas diferenciadas de tratamento, como podemos
observar nas sociedades que classificam seus membros: livres e escravos;
cidadãos e bárbaros; suseranos e vassalos; senhores e camponeses; nobres e
servos; civilizados e selvagens, e assim por diante. A manutenção desse sistema
requer a produção de “coisas” que exteriorizem o lugar de cada um na escala de
qualificação social. Desse modo, a produção da vida material atende
necessidades naturais e culturais.
A busca da
compreensão da sociedade a partir das suas estruturas materiais torna-se imprescindível
a partir do século XIX, com a segunda Revolução Industrial e a ampliação da
produção de bens materiais.
Karl Marx, que
viveu naquele período, pensou a sociedade de seu tempo em função da
estruturação da sociedade de classes como uma consequência das relações de
produção e da divisão social entre os produtores (a força de trabalho) e os
possuidores dos meios de produção. Apontou o trabalho como um aspecto
fundamental na vida do ser humano, pois corresponde ao atendimento de suas
necessidades naturais: na busca da sobrevivência os homens organizam-se
primeiro para a produção, de modo que a economia se constitui a base da
organização dos aspectos políticos e culturais da sociedade, dando-se assim a divisão
entre estrutura (economia) e superestrutura (os demais níveis).
Dos estudos
sobre as relações de trabalho na sociedade capitalista, Marx extraiu os conceitos
de mais valia e alienação: a mais valia correspondendo à diferença entre aquilo
que o homem produz e a parte da qual ele se efetivamente se apropria, e a
alienação correspondendo à perda da liberdade e da capacidade de escolha.
Segundo ele, a sociedade capitalista cria a necessidade de produzir com a
ideologia de que a maior produção resultará em melhores condições de vida. O
que ocorreria, de fato, seria o escamotear da realidade social pela
naturalização das relações de trabalho e produção. Tal organização resultaria
apenas no aumento da opressão sobre as classes trabalhadoras e, portanto, na reprodução
do capitalismo, ou seja, na manutenção das desigualdades sociais.
Muitos
pensadores do século XIX se ocuparam da análise social por compreenderem que
havia uma distância entre aquilo que o homem esperava do avanço do processo de
industrialização e acumulação de capital e aquilo que de fato resultava desse processo.
Essa discussão
sobre as relações sociais de trabalho e sobre a produção da vida material toma
outro enfoque no século XX, especialmente na fala dos frankfurtianos Adorno e
Horkheimer. Segundo eles, a ampliação da produção de objetos leva à crescente produção
da necessidade de consumo. Para tanto, a indústria cultural, a cultura de
massa, transmite a mensagem de que a liberdade do homem reside na capacidade de
consumo e, assim, a propaganda passa a atuar como força civilizadora da
sociedade. Cria-se a ilusão de que a igualdade seria proporcionada pela
capacidade de consumir, ou, em outras palavras, a falsa ideia de que os que podem consumir
objetos idênticos ocupam lugares idênticos na escala social (MANCEBO et alii,
2004)
A Filosofia
também contribui para essa discussão relativa aos produtos e as relações sociais
na época contemporânea. Marilena Chauí, ao ponderar sobre as regras do mercado capitalista
e a ideologia da indústria cultural, afirma que a partir da segunda Revolução Industrial
mesmo “as artes foram submetidas a uma nova servidão”: à prática do consumo
de “produtos culturais” fabricados em série, uma vez que passaram a ser
pensados como mercadorias e vendidos pela propaganda.
A arte, como
todos os outros objetos da cultura material, foi massificada nos meios de
comunicação, correndo o risco de tornar-se reprodutiva e repetitiva, o que não
significa que ela se democratizou. Ao contrário, a indústria cultural e a
publicidade que dela faz parte atualizam constantemente os sinais de prestígio
social, político e cultural. Os meios de comunicação de massa separam os
produtos culturais por seu valor de mercado:
[...] há obras “caras” e “raras”, destinadas aos privilegiados que podem
pagar por elas, formando uma elite cultural; e há obras “baratas” e “comuns”,
destinadas à massa. Assim, em vez de garantir o mesmo direito de todos à
totalidade da produção cultural, a indústria cultural introduz a divisão social
entre elite “culta” e massa “inculta”.
Além disso, cria
a ideia de que todos têm acesso aos mesmos bens culturais e, sobretudo,
[...] define a cultura como lazer e entretenimento, diversão e distração, de
modo que tudo o que nas obras de arte e de pensamento significa trabalho da
sensibilidade, da imaginação, da inteligência, da reflexão e da crítica não têm
interesse, não “vende”. Massificar é, assim, banalizar a expressão artística e
intelectual. Em lugar de difundir e divulgar a cultura, despertando interesse
por ela, a indústria cultural realiza a vulgarização das artes e dos
conhecimentos (CHAUÍ, 2002 ).
O mesmo
raciocínio é válido para os demais objetos produzidos para consumo, pois a
expansão da produção capitalista levou à necessidade de expansão dos mercados consumidores,
o que se fez pela educação das massas consumidoras, de modo que os objetos
passam a ser consumidos pelo valor de troca e não pelo seu valor original.
Outra
contribuição ao estudo da cultura material e suas representações sociais vem
das discussões relativas à Semiologia dos objetos. Baudrillard, definido
teoricamente como pós-marxista, afirma que a sociedade industrial, ao ampliar a
quantidade de bens materiais produzidos, cria não apenas a noção de necessidade
de consumo de produtos, mas a necessidade de consumo de signos. Os objetos da
cultura material são consumidos não porque satisfazem necessidades naturais,
mas porque são signos de distinção social.
Quando um objeto
já não confere a um indivíduo a distinção social que se espera dele, ele é substituído
por outro que desempenhe melhor esse papel. Assim, as relações sociais de trabalho
e a produção da cultura material seriam constantemente alteradas pelo processo
de fetichização dos objetos.
Em todo tempo e
lugar, os objetos podem ser fetichizados, uma vez que são semióforos – signos,
representações – sejam adornos de uma comunidade tribal, placas indicativas de
caminhos da Antiguidade, espadas medievais, esculturas de salões burgueses do
século XIX ou câmeras digitais do século XXI. As obras de arte, as raridades,
as relíquias e os objetos contemporâneos de tecnologia avançada continuam sendo
possuídos por um número diminuto de pessoas, expressando a manutenção das
distinções sociais e, portanto, sendo signos de diferenciação entre os
indivíduos que compõem a sociedade.
Por outro lado,
os objetos também podem ser desfetichizados, tanto os de uso quotidiano, quanto
aqueles preservados pelos museus.
De acordo com Ulpiano
Menezes,
[...] pode-se desfetichizar as liteiras e cadeirinhas de arruar, mostrando ou
favorecendo a compreensão das formas de classificação social dentro do espaço
urbano, ou a tela de Benedito Calixto ´A fundação de São Vicente´, de 1900, não
como representação da origem da futura cidade, em 1532, mas como veículo do
imaginário da virada do século XIX, que permite o conhecimento de conceitos
oitocentistas e representações sociais quanto a cidade, território,
colonização, instituições, relações sociais, inter-étnicas, etc.
(MENEZES, 1993).
Ao observar um
produto da cultura material de um povo, ou de um tempo, além de identificar a
matéria-prima utilizada e suas formas, é necessário fazer uma leitura que se remete
ao universo dos significados, exercer a cognição desde a percepção sensorial
das coisas vistas até a leitura mais elaborada, que passa pela busca das
intenções que levaram à fabricação, sua dimensão, localização espacial e
temporal, funções e conteúdo, apropriações e usos. Desse modo, o olhar sobre os
objetos e as indagações que lhe são propostas determinam a qualidade do
conhecimento sobre a realidade.
Os filósofos da
antiga Grécia, Sócrates, Platão e Aristóteles, ao buscarem a compreensão do Ser
– da natureza, da realidade – questionar sobre a possibilidade de conhecer o
mundo a partir da percepção das coisas vistas, e se elas são realmente o que
nos parecem, ou se possuem um conteúdo alcançável apenas pela atitude
filosófica. Inauguravam, assim, a reflexão sobre a distância entre aparência e
essência, sobre representações e significados. Essa discussão sobre o que as
“coisas” são e como ela nos parecem também está presente na atualidade, em
diversas disciplinas originárias da Filosofia e que integram diferentes áreas
de conhecimento: Linguística, Psicologia, História, Arqueologia, Sociologia,
Antropologia e outras, de modo que tratar da cultura material pressupõe retomar
a atitude filosófica da busca do conhecimento para além da aparência, bem como
integrar diferentes áreas do conhecimento e perspectivas teóricas.
Visto que as
sociedades produzem modelos culturais diversificados e repletos de expressões materializadas
nos testemunhos do passado e do presente, a compreensão de determinada
realidade depende da identificação da sua produção cultural delimitada no tempo
e no espaço, bem como do pensar sobre conceitos que envolvem tanto o universo
da produção da vida material, como o da construção de emblemas que expressam pensamentos,
sentimentos e valores.
É necessário
questionar acerca dos produtos da cultura material, preservados ou descartados,
para que eles não permaneçam apenas sacralizados pela memória, ou esquecidos em
meio ao ritmo de substituição de produtos imposto pela sociedade de consumo, ou
restritos às imagens que se criaram em torno deles.
Nosso olhar e
nossa leitura devem contribuir para a elaboração de um conhecimento novo.
Texto publicado originalmente em: Domínios de Linguagem IV: subsídios à formação
linguística. Organizadores: Maria Célia Lima-Hernandes, Guilherme Fromm. São
Paulo: M.C. Lima-Hernandes: G. Fromm, 2004 – Edição impressa. ISBN: 85-903532-3-0.
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