O Estado “verdadeiramente nacional”: o panorama
político brasileiro e o golpe de Estado de 1937.
Percursos
Históricos, Ano I, vol. set., série 14/09,
2011.
SOARES, Marilda
A ascensão de Getúlio Vargas ao poder foi fruto não apenas das
articulações políticas em torno da sucessão presidencial, mas da junção de
vários fatores como, a questão do tenentismo, a luta contra as oligarquias
estaduais, o pavor das classes dominantes quanto ao perigo de uma revolução popular,
a crise da economia norte-americana, o rompimento da política café-com-leite, a emergência de novos grupos no cenário
político nacional.
Durante a década de 1920, o movimento tenentista havia se destacado na
política brasileira, realizando vários levantes sem definir exatamente um
programa partidário ou orientação doutrinária. Com o acirramento dos conflitos
entre os grupos que se articulavam em torno da sucessão presidencial, viram-se
obrigados a uma definição mais clara dos seus princípios.
Essa exigência apresentava-se não apenas para os tenentes, mas para
todas as frações políticas nacionais, visto que não se relacionava apenas ao
problema da substituição de um presidente por outro, mas sim às expectativas
sociais quanto aos encaminhamentos que o novo presidente daria à questão
social, tratada até então como caso de polícia e "resolvida" pela
implantação do estado de sítio.
Em parte, a definição de postura devia-se à atuação dos sindicatos
trabalhistas e do Partido Comunista Brasileiro que ao longo da década de 1920
haviam conquistado maior aceitação para as suas orientações ideológicas e
práticas políticas.
As classes dominantes viam-se ameaçadas, tanto pela organização popular,
quanto pelos problemas específicos associados à crise do mundo capitalista,
problemas provocados pela Guerra, a quebra da Bolsa de Nova Iorque e os
problemas nacionais, ligados à política imposta por Washington Luiz que era contrária aos interesses das
oligarquias estaduais. Por outro lado, havia a concorrência imposta pela baixa
oficialidade do Exército e pela burocracia estatal que ganhavam espaços de
controle antes exclusivos do setor oligárquico.
As disputas eleitorais colocaram em pauta todas essas questões e levaram
à formação de dois grupos opostos, um situacionista, formado pelos partidos
republicanos estaduais, e outro oposicionista, aglutinado na Aliança Liberal
que, ao perder as eleições alegou fraude, realizou protestos e se organizou
para a deposição do presidente, na Revolução de 1930.
O histórico de atuação dos tenentes e sua participação no movimento
revolucionário garantiu para o grupo a nomeação para os cargos de interventores
estaduais, o que lhes assegurava uma vitória contra o poder das oligarquias
estaduais.
Entretanto, no processo de composição de forças para a manutenção do
poder o objetivo era de conciliação e não de exclusão da oligarquia, tanto que
dentre as primeiras medidas adotadas pelo governo provisório destacaram-se a
política de proteção aos cafeicultores e a redução do poder das burocracias
estaduais, determinando que os tenentes governariam os Estados, mas sem os
poderes antes conferidos aos governadores.
A política centralista e ao mesmo tempo conciliadora mostrou-se desde o
início como estratégia para conciliar interesses divergentes e manter a governabilidade.
Ao conceder as Interventorias aos tenentes o governo federal não reforçou o
poder político do grupo, mas o seu próprio poder ao desmobilizar o movimento
tenentista e impor medidas de limitação do federalismo. O mesmo se deu quanto
ao controle da oligarquia, dos sindicatos, dos trabalhadores, dos grupos
dissidentes ou oposicionistas e, por ocasião da implantação do Estado Novo, também
de grupos de apoio.
Após a implantação do governo revolucionário, as forças políticas
vitoriosas agruparam-se em torno da defesa de propostas para a orientação
política do novo Estado. Os tenentes aliaram-se a representantes dos setores
radicais das oligarquias em defesa da implantação da ditadura e preservação do
regime de exceção.
Os setores mais tradicionais das oligarquias defenderam a implantação de
um governo constitucional, pautado por uma orientação política democrática e
liberal e, mais tarde, passaram a identificar o governo provisório como um
"inimigo comum" da nação. Dessa disputa surgiu a união de grupos em
torno do movimento constitucionalista de 1932.
O movimento constitucionalista considerou-se vitorioso e o Estado
também. A conciliação viria em seguida com a nomeação de Armando de Salles
Oliveira, membro da oligarquia paulista, para a Interventoria de São Paulo; e,
em maio de 1933 as eleições gerais para a escolha dos deputados constituintes,
resultando na promulgação da Constituição de 1934 e na eleição, no dia
seguinte, de Vargas como presidente constitucional do Brasil por quatro anos.
Mas, retomando o período imediatamente anterior ao processo
constituinte, o ano de 1932 marcou o início da ação institucionalizada de dois
grupos que viriam a constituir-se em base de apoio para o governo federal: a
Ação Integralista Brasileira e a Liga Eleitoral Católica.
A Ação Integralista Brasileira
constitui-se a partir da reunião de partidos fascistas formados na década de
1920 - como a Legião do Cruzeiro do Sul, o Partido Fascista Brasileiro, a Ação
Social Brasileira, a Legião de Outubro - e da ala direita do tenentismo.
Com uma orientação fascista, que incluía a adoção de símbolos e rituais
semelhantes aos adotados no movimento europeu, sob a liderança de Plínio
Salgado e tendo a explícita simpatia de personalidades políticas como Getúlio
Vargas, Francisco Campos, Góes Monteiro e Gustavo Capanema, os integralistas
pregavam a adoção dos valores cristãos e patrióticos, a representação
corporativa, o arbítrio do Estado. Sua estratégia residia na formação
paramilitar, na oposição ao liberalismo e ao comunismo e na prática política de
mobilização das massas.
Podemos dizer que foi justamente esse poder de mobilização das massas o
que levou à suspensão das atividades políticas da AIB, visto que a oposição ao
comunismo e, até certo ponto, ao liberalismo não incomodava as classes
dominantes e o Estado. Quanto à formação paramilitar e o poder de mobilização,
estavam excluídos da política adotada após 1937 que era nitidamente orientada
para a desmobilização, o que levou ao fechamento do Clube 3 de Outubro e da
própria AIB.
Antes da perseguição ao integralismo, a AIB sofreu a oposição da Aliança
Nacional Libertadora, formada em 1935 por “tenentes” (membros das camadas
médias e trabalhadores urbanos), o Partido Socialista do Brasil, o Partido
Comunista Brasileiro e alguns sindicatos. Os princípios da ANL orientavam-se de
acordo com a frente única antifascista formada na Europa, defendendo a
liberdade de manifestação, a nacionalização das empresas estrangeiras, a
desapropriação dos latifúndios, o cancelamentos das dívidas externas, dentre
outros pontos. A estratégia da ANL residia na realização de comícios,
distribuição de panfletos e mobilização das massas.
Considerada mais perigosa do que a AIB, a ANL provocou uma reação
imediata do Congresso: a aprovação da Lei de Segurança Nacional e, logo após, o
decreto do fechamento da Aliança, seguida de
prisões e cassações de seus membros e simpatizantes.
Em 1935, multiplicaram-se as ações repressivas do Estado, expressas, por
exemplo, através da substituição das lideranças sindicais por "pelegos" e, por ocasião da
Intentona Comunista, a decretação de estado de sítio e a criação da Comissão de
Repressão ao Comunismo, com poder para propor medidas repressivas como o
afastamento de suspeitos civis ou militares.
Um outro grupo de poder foi a Liga Eleitoral Católica, criada em 1932
com o objetivo de instruir os eleitores católicos e canalizar os votos para os
candidatos comprometidos com os princípios políticos e morais defendidos pela
Igreja Católica.
Os resultados foram quase que imediatos. Em 1933 a LEC conseguiu eleger
a maior parte dos seus candidatos e a Igreja obteve a aceitação das suas
exigências no projeto constituinte e na Constituição de 1934: o direito do voto
para os religiosos, o reconhecimento civil do casamento religioso, a manutenção
da proibição do divórcio, subvenção do Estado para escolas católicas, ensino
religioso facultativo nas escolas
oficiais. Iniciou-se um novo período para as relações entre a Igreja e o
Estado.
No período de 1930 a
1937, o governo conquistou o apoio dos grupos liberais e conservadores,
recorrendo a estratégias de mobilização e desmobilização conforme as
necessidades mais imediatas. Em 1937, as articulações para o golpe de Estado
contaram direta ou indiretamente com o auxílio da burocracia estatal, de parte
da oligarquia, de militares, dos integralistas e da Igreja Católica. As
articulações pela sucessão presidencial iniciaram-se em um clima de repressão,
com as garantias e liberdades civis submersas no estado de sítio e um temor dos
grupos dominantes em relação aos extremismos de direita e de esquerda.
A historiografia brasileira estudou largamente o período estadonovista e
apontou o seu caráter ditatorial e autoritário e, em determinados momentos,
chegou a classificá-lo como totalitário, conceito negado pela maioria dos
autores, que apontam a relação entre populismo e autoritarismo como uma das
suas principais características.
Outro traço apontado é a peculiaridade da ideia de nacionalismo
difundida pelo Estado Novo, detectada através da observação das suas medidas
"fascistizantes" que
apelavam para coesão social e buscavam neutralizar as divergências entre as
facções políticas em nome da unidade nacional.
Dentre tais características, destaca-se a ambiguidade intrínseca às
medidas adotadas no período.
Ao mesmo tempo em que o Poder Central ditava as regras da economia, da
política e da sociedade, fazia concessões às antigas e novas reivindicações
sociais, não apenas para as camadas baixas da população, mas também para a
elite, através dos empresários e grandes produtores rurais, dos investimentos
na produção e da cooptação da intelectualidade.
Embora o modelo político adotado fosse o resultado da articulação das
principais tendências direitistas das primeiras décadas do século XX, o
direcionamento político do país e a evolução do contexto histórico internacional,
determinariam, no Estado Novo, a exclusão de grupos antiliberais, como os eugenistas
e os integralistas
Outra contradição, talvez apenas aparente, refere-se à política
antiliberal, predominante no discurso e na prática, dada a exclusão de
intelectuais liberais antes articulados ao poder. Mas apesar disso, alguns dos
preceitos fundamentais da organização da burocracia do Estado, da legislação
específica para o funcionamento de determinados setores, de inspiração
nitidamente liberal, foram mantidos e até reforçados pela política
governamental.
O Estado Novo se definia como o "novo Estado", mas recorria à retórica dos primeiros tempos da
República para resgatar o ideal de nacionalidade e desenvolvimento. Como
afirmou Francisco Iglésias, o regime criado não era original e nutriu-se em
modelos europeus - italiano, português, polonês -, de modo que, como afirmou
Francisco Iglésias "não lhe faltaram
antecedentes imediatos, sem falar nos remotos, reacionários ou tradicionalistas
do século XIX e mesmo antes" (IGLÉSIAS, s.d., p. 246).
A manutenção do controle da Nação, em 1937, apresentava-se como uma
tentativa de reduzir o poder das oligarquias estaduais que, ao longo da
Primeira República, apropriaram-se das prerrogativas constitucionais e
dominaram a esfera política, contribuindo para que os Estados mantivessem
relativa autonomia frente à União, e que, com a Constituição de 1934, e valendo-se
da concepção política liberal, haviam encontrado uma nova forma de manter-se no
poder.
Por outro lado, o crescimento das formas de organização da sociedade,
não apenas em partidos, mas em agremiações e sindicatos, bem como a divulgação
de ideologias opositoras, de direita e de esquerda, comprometiam o projeto
nacional engendrado pelo Estado.
A suspensão das atividades das organizações partidárias, a destituição
dos governos estaduais e sua substituição por Interventorias, a criação de uma
rede de órgãos burocráticos, eram medidas que faziam parte do mecanismo
político-institucional decisivo na tarefa de
unificar o poder, implantar e manter o Estado fortificado.
O Estado Novo inicia-se oficialmente em 10 de novembro de 1937 com um
golpe que impôs a ditadura à Nação, com medidas antiliberais e autoritárias,
como a extinção dos partidos políticos, e ampliando o controle sobre todos os
setores diretamente ligados à ordem pública.
A criação de mecanismos favoráveis à centralização política, incluindo a
dissolução dos partidos e o fortalecimento do poder do chefe da Nação,
mostrou-se desde a Proclamação ao povo
brasileiro, feita por Getúlio Vargas
nos primeiros momentos do Estado Novo. O discurso teve como eixo a
desordem política trazida pelo processo de sucessão presidencial, no qual,
segundo ele, o suborno e as promessas demagógicas eram recursos que
demonstravam o oportunismo dos governos locais preocupados apenas com a
legitimação das "ambições do
caudilhismo provinciano", "à
revelia da vontade popular". Ou seja, a ação golpista não se
apresentava como arbitrariedade política, mas como salvação nacional. Dizia o
presidente que, nos períodos de crise, a democracia partidária não oferece
segurança de crescimento e de progresso.
Nos projetos políticos autoritários formulados desde a década de 1920 era o Estado, e não a sociedade civil, o legítimo promotor da construção nacional. Neles, portanto, havia uma oposição às ideias de auto-regulação da sociedade, o que fundamentava o "princípio da autoridade" da sociedade política sobre a sociedade civil e a própria subordinação dos diversos aspectos que compunham a realidade ao papel do Estado, de organização nacional.
Nos projetos políticos autoritários formulados desde a década de 1920 era o Estado, e não a sociedade civil, o legítimo promotor da construção nacional. Neles, portanto, havia uma oposição às ideias de auto-regulação da sociedade, o que fundamentava o "princípio da autoridade" da sociedade política sobre a sociedade civil e a própria subordinação dos diversos aspectos que compunham a realidade ao papel do Estado, de organização nacional.
Esse caráter organizador pressupunha também a conciliação dos interesses
antagônicos, o que garantia a manutenção do estado de compromisso e da
integração entre Estado e sociedade. Assim, o autoritarismo, presente nas
medidas políticas e na ideologia do Estado, mostrava-se nos discursos
legitimadores da preservação da ordem e da organização para o progresso como
uma emergência diante do quadro caótico criado pelo modelo político liberal.
A partir dessas considerações podemos compreender as palavras de
Francisco Campos:
A ideologia do novo regime é extraída das realidades
brasileiras [...] sendo autoritário por definição e por conteúdo, o Estado Novo
não contraria entretanto a índole brasileira (CAMPOS, apud PECAULT, 1990, p.
56).
Ficava, assim, instituído o governo ditatorial, embora os dispositivos legais determinassem a realização de um plebiscito
popular para confirmar ou não a Constituição, o que jamais viria a ocorrer.
A Carta Constitucional – o instrumento legal – elaborada
cuidadosamente desde 1936, foi inspirada na Constituição polonesa de Pilsudski, não representava uma
novidade em termos de organização política, visto que refletia o modelo
político direitista e as concepções adotadas também na Espanha, em Portugal e
na Itália.
As constituições em vigor na era de Vargas geralmente são analisadas
comparativamente, sendo apontadas as distâncias entre a de 1934, chamada
liberal, e a de 1937, chamada autoritária. Essas definições, que têm sua parte
de verdade, podem ser melhor observadas.
Em 1933 e 1934 a
voga conservadora disputou seu espaço de poder com o chamado grupo liberal,
predominante por aqueles tempos, que logrou obter a aprovação da maior parte
das suas propostas constitucionais. Entretanto, é preciso não por de lado o fato de que, se o modelo
adotado por Francisco Campo era similar à Constituição polonesa, totalitária e
fascista, de Pilsudski, por outro lado, baseou-se também em vários pontos da
Constituição brasileira de 1934, dentre os quais haviam elementos retirados da Carta del Lavoro e da Constituição Fascista Italiana. De
acordo com Carone, "o trabalho de
Francisco é uma amálgama entre fórmulas fascistas, nacionalistas e as de
caráter liberal, a última como solução de camuflagem" (CARONE, 1973,
p. 142).
Na Constituição, as
justificativas para a adoção de nova postura do Estado frente à ordem pública
são claramente associadas à necessidade de fortalecimento do poder central para
promover a defesa nacional contra os "perigos"
internos e externos:
Atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro à
paz política social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de
desordem, resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que uma
notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da
extremação de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento
natural, a resolver-se em termos de violência, colocando a nação sob a funesta
iminência da guerra civil;
Atendendo ao estado de apreensão criado no país pela
infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda,
exigindo remédios de caráter radical e permanente;
Atendendo a que, sob as instituições anteriores, não
dispunha o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da
segurança e do bem estar do povo;
Com o apoio das forças armadas e cedendo às
inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas
diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e a rapidez com que se vem
processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas;
Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à
sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz
política e social, as condições necessárias, ao seu bem estar e a sua
prosperidade [...].
Assim, o poder político passa a ser exercido não pelo povo, mas em nome
do povo, "do seu bem estar, da sua
honra, da sua independência e da sua prosperidade". Para tanto, o
Governo Federal declarava seus poderes quase que ilimitados, como o direito de
confirmar ou não os governos estaduais e determinar a intervenção nos Estados:
O Governo Federal intervirá nos
Estados, mediante a nomeação, pelo Presidente da República, de um Interventor,
que assumirá no Estado as funções que, pela sua Constituição, competirem ao
Poder Executivo, ou as que, de acordo com as conveniências e necessidade de
cada caso, lhe forem atribuídas pelo Presidente da República:
a) para impedir invasão iminente de um país
estrangeiro no território nacional ou de um Estado em outro, bem como para
repelir uma ou outra invasão;
b) para restabelecer a ordem gravemente alterada, nos
casos em que o Estado não queira ou não possa fazê-lo;
c) para administrar o Estado, quando, por qualquer
motivo, um dos seus poderes estiver impedido de funcionar [...]
Parágrafo único. A competência para decretar a
intervenção será do Presidente da República nos casos das letras a, b e c [...].
Nas palavras de Maria do Carmo Campello de Souza, a implantação do
sistema de Interventorias nos Estados consistia na seguinte prática: "o Executivo federal nomeava para a
chefia dos governos estaduais indivíduos que, embora nativos dos Estados, e
mesmo identificados em suas perspectivas ideológicas aos grupos dominantes,
eram ao mesmo tempo 'marginais', isto é, destituídos de maiores raízes
partidárias; indivíduos com escassa biografia política ou que, se possuíam
alguma, a fizeram até certo ponto fora das máquinas partidárias tradicionais
dos Estados [...]" (SOUZA,
1990, p. 87-8).
Esse sistema de Interventorias e departamentos administrativos
interligava as oligarquias estaduais, os ministérios e a Presidência da
República. Com a implantação da ditadura, foi criada uma rede de órgãos
técnicos para fiscalização das atividades administrativas, mecanismo que
expandiu a máquina burocrática do Estado e o controle sobre os setores
estratégicos para a manutenção do regime.
A ampliação dos poderes do Presidente da República foi, necessariamente,
um destaque entre os artigos constitucionais, não somente no que tange á
intervenção nos Estados, cabendo-lhe, durante todo o período de recesso do
Parlamento e de dissolução da Câmara dos Deputados, o direito de expedir
decretos sobre as matérias de competência legislativa da União e organizar o
Governo e a administração federal, comandar o Supremo e organizar as Forças Armadas,
sendo de sua competência privativa - enquanto autoridade maior do Estado,
coordenador da atividade dos órgãos representativos de grau superior, dirigente
da política interna e externa, promotor e orientador da política legislativa de
interesse nacional e superintendente da administração do país:
a) sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e
expedir decretos e regulamentos para sua execução; b) expedir decretos-leis,
nos termos dos arts. 12 e 13; c) manter relações com os Estados Estrangeiros;
d) celebrar convenções e tratados internacionais, ad referendum do Poder
legislativo; e) exercer a chefia suprema das forças armadas da União, administrando-as
por intermédio dos órgãos do alto comando; f) decretar a mobilização das forças
armadas; g) declarar a guerra, depois de autorizado pelo Poder Legislativo, e,
independentemente de autorização, em caso de invasão ou agressão estrangeira;
h) fazer a paz ad referendum do Poder legislativo; i) permitir, após
autorização do Poder legislativo, a passagem de forças estrangeiras pelo
território nacional; j) intervir nos Estados e neles executar a intervenção,
nos termos constitucionais; k) decretar o estado de emergência e o estado de
guerra nos termos do art. 166; l) prover os cargos federais, alvo as exceções
previstas na Constituição e nas leis; m) autorizar brasileiros a aceitar
pensão, emprego ou comissão de governo estrangeiro; n) determinar que entrem
provisoriamente em execução, antes de aprovados pelo Parlamento, os tratados ou
convenções internacionais, se a isto o aconselharem os interessem do país.
Além dessas competências, o Presidente possuía as prerrogativas de:
a) indicar um dos candidatos à Presidência da
República; b) dissolver a Câmara dos Deputados [...]; c) nomear os ministros de
Estado; d) designar os membros do Conselho Federal reservados à sua escolha; e)
adiar, prorrogar e convocar o Parlamento [...].
Na prática, tanto o Parlamento, quanto as Assembleias e Câmaras ficavam
dissolvidas a partir de então, reservando-se ao presidente o poder de governar por decretos. E, dos vários
preceitos constitucionais, muitos dos quais não executados, as disposições
finais e transitórias mostravam mais claramente o panorama político que se
seguiria: a suspensão das liberdades e garantias civis e o "estado de emergência", ambos
justificados pelos alarmantes perigos que punham em risco a Nação.
Embora houvesse a previsão de um plebiscito para confirma a nova Carta e
a expectativa de, após tal ensejo, convocarem-se eleições para o Parlamento,
durante todo o Estado Novo o poder de governar através de decretos-leis foi
mantido, tendo-se, ao longo do período, ampliado a tendência centralizadora. Nos
Estados, além dos interventores que juntamente com todo o corpo burocrático a
serviço do governo estadual, após 1939,
passaram a ser controlados pelo DASP.
Dentre os interventores designados, políticos direitistas, membros das
oligarquias regionais, médicos, militares e mesmo parentes do presidente.
O modelo de constituição centralista expressava as tendências políticas
internacionais e, ao mesmo tempo, a aspiração de grupos conservadores e
ultraconservadores com destacada ação política no Brasil durante a década de
1930, como o Partido Fascista Brasileiro, o Partido Nacional Sindicalista, a
Ação Social Brasileira, a Legião Cearense do Trabalho e outros que compunham a
Aliança Integralista Brasileira.
Se a Constituição de 1934 garantira a representação social pelo
Congresso, a de 1937 reforçou a criação de órgãos técnicos para a elaboração de
projetos de desenvolvimento social e econômico. Assim, esses órgãos deveriam
auxílio ao governo e cumprir, na prática o papel anteriormente reservado aos
parlamentares.
Embora o Poder Executivo fosse representado pelo presidente, pelos
ministros de Estado e chefes da Casa Civil e da Casa Militar, destacava-se, na
cena política, o poder pessoal de Vargas, cujas atribuições estavam garantidas
constitucionalmente e tornavam-no o foro decisório de todas as questões mais
urgentes, ou essenciais, ao funcionamento da esfera política e administrativa.
A ampliação dos poderes presidenciais haviam permitido a retomada da
política de intervenção nos Estados refratários, bem como as substituições de
militares no Ministério da Guerra e no Estado-Maior do Exército, que passavam a
ser ocupados por homens de confiança de Vargas (o Ministério da Guerra passava a ser
ocupado pelo general Eurico Gaspar Dutra
e a Chefia do Estado-Maior do Exército pelo General Góes Monteiro), o que provocara no Congresso a recusa, em julho de
1937, da prorrogação do estado de sítio.
Pouco depois, a alegação de um plano de insurreição comunista levou ao
fechamento do Senado e da Câmara dos Deputados, à dissolução dos partidos
políticos, à proibição das milícias,
uniformes e insígnias, à queima das bandeiras dos Estados; à imposição do
Estado Novo.
O novo regime político impôs medidas que resultaram na exclusão dos
integralistas e na cooptação das classes dominantes. A exclusão dos
integralistas deu-se através da perseguição às milícias e organizações
paramilitares, concluída com o asilo político de Plínio Salgado no Estado Novo
de Salazar. A cooptação das classes dominantes resultou da transformação de
associações comerciais e industriais em órgãos consultivos do Estado e da
criação do Conselho de Economia Nacional e do Conselho de Comércio Exterior, órgãos
que reuniam representantes dos setores produtivos.
A recusa oficial ao fascismo e a rearticulação entre o Estado e as
classes dominantes deram-se após 1942 - com a entrada do Brasil na Segunda
Guerra, quando o Governo fez a opção pelo grupo aliado, revendo as posições
políticas adotadas anteriormente -, no momento em que guerra propiciava a
aceleração da acumulação de capitais no país. Esses fatores, aparentemente
isolados, fecham o ciclo do processo e inclusão, exclusão e cooptação iniciado
pelo governo após a Revolução de 1930 e mantido nas diferentes fases da era de
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