Percursos Históricos, Ano V, vol. maio, série 11/05, 2015.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. O breve século XX. 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
(Parte Dois – A Era de Ouro, capítulos 11. Revolução Cultural, 12. O
Terceiro Mundo e 13. “Socialismo Real”, pp.
314-390).
RESENHA
SOARES, Marilda
A obra
de Eric Hobsbawm é considerada uma das mais monumentais da historiografia do
século XX, com destaque para o estudo das “Eras”, assim nomeadas pelo autor,
grande estudioso do marxismo e da História Contemporânea: A Era das Revoluções (1789-1848), A
Era do Capital (1848-1875), A Era
dos Impérios (1785-1914) e Era dos Extremos (1914-1991). Esta
resenha se dedica à abordagem dos capítulos: “Revolução Cultural”, “O Terceiro
Mundo” e “Socialismo Real”, integrantes
da segunda parte do volume Era dos
Extremos.
No capítulo
“Revolução Cultural” o autor discute as causas das mudanças culturais ocorridas
a partir da segunda metade do século XX e suas relações com as transformações
sociais e econômicas. Eric Hobsbawm concentra a análise no contexto familiar,
particularmente nos países economicamente desenvolvidos, nos quais a estrutura
patriarcal torna-se frágil e cede lugar a novas configurações familiares, aumento
crescente dos divórcios e do contingente de pessoas morando sozinhas, fenômenos
esses associados à redefinição das relações de gênero e mudanças de atitudes quanto
aos padrões de sexualidade e moralidade. Tais mutações são, segundo o autor,
dialeticamente causa e consequência de rupturas em torno do conceito de família
nuclear, bem como de transformações nas estruturas econômicas, políticas e
socioculturais.
Os
jovens, engajados no mundo do trabalho, tornam-se agentes de transformações
sociais, econômicas, políticas e culturais, ganhando autonomia frente aos
modelos arcaicos de família e autoridade, passando a ser considerados em seus
gostos e aspirações de mudança contínua. A percepção dessa mudança criou, no
mundo capitalista, um mercado especialmente voltado para o gosto jovem, com a
moda e os estilos musicais revolucionando a indústria, o comércio e o
comportamento social. Novos hábitos e costumes, predominância do caráter social
urbano, bem como da classe média, reações ao formalismo e à elitização, estes
foram alguns dos confrontos presentes no período da revolução cultural. E se trata de uma “revolução”, pois
representava o rompimento com as estruturas passadas para dar lugar ao novo. De
um lado, o afrouxamento dos valores tradicionais e o “abismo de gerações”, de outro a crítica das relações humanas
autoritárias e retrógradas e a ampliação das liberdades individuais.
No
capítulo “O Terceiro Mundo”, Hobsbawm aborda os processos de revolução e
descolonização como integrantes do quadro histórico do pós-Segunda
Guerra Mundial, indicando a influência do contexto da Guerra Fria e das
demandas de transformação nos países pobres vitimados pela exploração
capitalista e imperialista das nações dominantes.
O então
chamado Terceiro Mundo compreendia países da África, Ásia e América Latina, que
passam a sofrer as pressões do aumento demográfico e as carências próprias da
falta de recursos materiais, tecnologia industrial, educação, saúde e capital
para promover o atendimento das carências sociais e econômicas da sociedade. Em
plena Guerra Fria, os países do Terceiro Mundo iriam filiar-se ou ao Primeiro
Mundo e seu modelo capitalista comandado pelos Estados Unidos da América, como
a maioria dos países latino-americanos, ou ao Segundo Mundo, ou seja, ao bloco
socialista encabeçado pela URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, como
países do leste europeu, da África e do leste asiático, porém, sempre na
condição de dependência e, em geral, seguindo o modelo autoritário, como afirma
Hobsbawm: “a predominância de regimes
militares [...] unia Estados do
Terceiro Mundo de diversas filiações constitucionais e políticas [...]” (p.
340).
.O
ideal circundava o avanço industrial e a acumulação de capital, mas para tais
transformações, adotava-se a centralização política, no nível da política
interna, e a adesão a um ou ouro bloco econômico, no nível da política externa.
E seguindo esse padrão, o Brasil, dependente do capital norte-americano, com o
governo centrado na autoridade do regime militar e na ausência de direitos
civis, tornou-se o oitavo
maior país industrial do mundo não comunista, integrando as fileiras das nações
“em desenvolvimento”.
No
capítulo “Socialismo Real”, Hobsbawm historia a formação do bloco socialista a
partir da Revolução Bolchevique de Outubro, mas detém-se na análise do mundo
socialista do pós-Segunda Guerra, “na
terminologia da ideologia soviética, de países de ‘socialismo realmente
existente’" p. 364), cuja política baseava-se na autoridade do partido
único e no controle do Estado sobre os meios e bens de produção, como a URSS, a
China, Coreia, Vietnã, Cuba, por exemplo.
As
características principais dos países socialistas diferenciavam-se dos
capitalistas pela grande intervenção estatal na economia e o planejamento da distribuição
de renda. O autor aponta o momento de passagem do projeto de estruturação de
estados socialistas para a sua desagregação, entre as décadas de 1980 e 1990,
quando o modelo se desmonta pelas contradições sentidas nas sociedades sob seu
controle: ainda que a economia fosse estatizada e, teoricamente, os bens da
nação pertencessem ao conjunto da sociedade, esta era pobre e desprovida de
maiores perspectivas de mudança, na medida em que não havia liberdade de
escolha e possibilidade de progresso material. A “revolução proletária” da
Rússia de 1917, seguida como modelo nos países socialistas convergentes, no
final do século XX mostrava-se incapaz de lograr a igualdade econômica e
política, restringindo cultural e socialmente as populações do mundo socialista.
Explicitava-se, portanto, sob a égide do socialismo, a contradição entre a
produção industrial, os apelos de uma era de consumo e o baixo poder aquisitivo
da sociedade, assim como a ampliação dos direitos no mundo capitalista e a
impossibilidade de expressar opiniões no mundo socialista. Assim, avolumaram-se
os movimentos de abertura política e econômica que culminaram na dissolução do
bloco socialista e da URSS e, consequentemente, no encerramento da Guerra Fria,
o que não significou o fim das lutas, revoluções e demais conflitos que marcam
a época contemporânea.