Percursos Históricos, Ano V, vol. set., série 12/09, 2015.
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Em defesa
dos direitos humanos e da diversidade de práticas e preceitos religiosos.
SOARES, Marilda
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem
ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se
podem aprender a odiar, podem se ensinadas a amar.”
Nelson Mandela
Em
21 de janeiro de 2015, data em que se comemora o Dia Nacional de Combate à
Intolerância Religiosa, o Conselho de Participação e Desenvolvimento da
Comunidade Negra de Piracicaba – CONEPIR posiciona-se a favor dos direitos
humanos e da liberdade religiosa e reafirma os princípios definidos no Encontro
de Cúpula Mundial de Lideres Religiosos e Espirituais pela Paz Mundial, quando,
reunidos em Nova York, lideranças evangélicas, católicas, budistas, judaicas,
islâmicas, espíritas, hinduístas, taoístas, bahá’ís, esotéricas e de religiões
antigas e modernas, registrando o documento intitulado O Compromisso com a Paz
Global, onde se lê:
"• as religiões têm contribuído para a Paz no mundo,
mas também têm sido usadas para criar divisão e alimentar hostilidades;
• o nosso mundo está assolado pela violência,
guerra e destruição, por vezes perpetradas em nome da religião;
• não haverá Paz verdadeira até que todos os grupos
e comunidades reconheçam a diversidade de culturas e religiões da família
humana, dentro de um espírito de respeito mútuo e compreensão".
O grupo
reunido assumiu o compromisso de:
"• condenar toda violência cometida em nome da
religião, buscando remover as raízes da violência;
• apelar a todas comunidades e grupos étnicos e
nacionais a respeitarem o direito à liberdade religiosa, procurando a
reconciliação, e a se engajarem no perdão e no auxílio mútuos;
• despertar em todos os indivíduos e comunidades o
senso de responsabilidade, compartilhada entre todos, pelo bem-estar da família
humana como um todo, e o reconhecimento de que todos os seres humanos –
independentemente de religião, raça, sexo e origem étnica – têm o direito à
educação, à saúde e à oportunidade de obter uma subsistência segura e
sustentável".
Diante
dessas considerações torna-se imperativo questionar por que, em pleno século
XXI, ainda é necessário combater a intolerância religiosa?
Dentro do
contexto sócio-histórico e da realidade nacional e internacional vivida em
tempos passados e atuais, a construção de uma sociedade democrática,
igualitária e com respeito à diversidade infelizmente mostra-se, muitas vezes,
uma utopia.
No que se
refere especificamente à questão religiosa, as práticas sagradas, sejam
definidas como formulações metafísicas ou como práticas concretas, orientam a
forma de organização de diferentes grupos humanos, suas concepções e produções
culturais, leis e conceitos morais socialmente aceitos ou contestados. Por essa
razão, o princípio democrático é um caminho a ser percorrido e que necessita
ser construído.
Levando
em consideração os preceitos éticos e humanitários, o artigo 5º, inciso VI, da
Constituição federal do Brasil define como direitos que: “É inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto
e a suas liturgias”.
Do mesmo
modo, a liberdade de escolha e expressão religiosa, enquanto parte dos direitos
fundamentais da humanidade, é afirmada pela a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, da qual todos os países que se definem como democráticos são
signatários.
Em 1981,
a Organização das Nações Unidas – ONU proclamou a Declaração sobre a eliminação
de todas as formas de intolerância e discriminação fundadas em religião ou
crença, segundo a qual:
“Toda pessoa tem direito à liberdade de
pensamento, de consciência e de religião. Este direito inclui a liberdade de
ter uma religião ou qualquer crença de sua escolha, assim como a liberdade de
manifestar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto em
público quanto em particular”.
A
discriminação religiosa tem sido responsável pela exclusão social, econômica,
política e cultural e, o que é pior, por guerras e múltiplas formas de
violência cotidiana, moral ou física.
E, como
afirma documento Diversidade religiosa e Direitos Humanos, publicado pela
Secretaria Especial dos Direitos Humanos e Presidência da República: “No momento em que alguém é humilhado,
discriminado, agredido devido à sua cor ou à sua crença, ele tem seus direitos
constitucionais, seus direitos humanos violados; este alguém é vítima de um
crime – e o Código Penal Brasileiro prevê punição para os criminosos”.
O
preconceito manifesto ou oculto sobrevive onde não há o respeito, traduzindo-se
em humilhação e exclusão do “outro”, o “diferente”, o “não eu”. Trata-se,
certamente, de expressão do pensamento autoritário, de tentativa de imposição
de “uma verdade” que não é aceita ou praticada pelo “outro”.
Diante da
abrangência e complexidade do tema e com a modesta pretensão de estimular a
reflexão, é pertinente a apresentação de alguns aspectos e exemplos históricos
relacionados à problemática.
Os dados
históricos registrados por meio da escrita, e desde tempos imemoriais por meio
dos registros da cultura material, revelam que o homem organiza-se em sociedade
e cria mecanismos de produção e reprodução cultural, o que envolve certas
noções de verdade e adequação, bem como certas práticas condizentes com elas.
Nos
pré-históricos agrupamentos humanos são encontradas pinturas rupestres
registrando práticas religiosas e de sepultamento que indicam a presença de
concepções ligadas ao sagrado e manifestadas em rituais.
Nas
primeiras civilizações de que se tem notícia, no Oriente Próximo Asiático, são
encontrados restos de cultura material com templos e documentos em escrita
cuneiforme que atestam a existência de preceitos claros a serem seguidos tanto
nos rituais religiosos, quanto na vida diária, surgindo ali as primeiras
escolas para formação de sacerdotes
Na Grécia
clássica também eram claros os preceitos a serem seguidos e as formas definidas
para a exteriorização dos cultos aos deuses – o que se pode perceber nas
construções religiosas, nos ritos cívicos e mesmo nas olimpíadas e nos teatros,
que eram, inicialmente, momentos de culto aos Deuses do Olimpo.
Na Idade
Média ocidental, a hegemonia religiosa na Europa Ocidental e sua oposição à
hegemonia religiosa do mundo islâmico, dentre outros conflitos, levaram às
Cruzadas, às “guerras santas” e diferentes formas de perseguição entre os
seguidores das religiões em confronto.
Na Idade
Moderna, as imposições de conversão forçada, a Inquisição e a doutrinação de
povos nativos americanos e africanos, juntamente com a escravização, foram
outras modalidades de intolerância e violência contra a Fé.
No
período contemporâneo, apesar dos direitos juridicamente e socialmente
declarados, a heterogeneidade de povos e culturas não foi respeitada, fato que
se confirma pelos processos de extermínio, na Segunda Guerra Mundial e em
diferentes outros momentos e conflitos religiosos, como ainda é possível
testemunhar no Oriente Médio, na África, na Índia, na Europa e nas Américas.
O racismo
institucionalizado, assim como a definição de religiões oficiais, ou da
proibição de práticas religiosas – como na antiga União Soviética – e as
explícitas ou veladas formas de perseguição têm impedido a concretização da
convivência pacífica, pautada por preceitos democráticos e igualitários.
Em
contraposição a esse quadro, e mais uma vez em nome dos direitos humanos
universais, em março de 2011, em Genebra, a missão brasileira no Conselho de
Direitos Humanos da ONU, em sua Declaração oficial afirmou que “O Brasil deplora veementemente todas as
ações de discriminação e incitação ao ódio religioso que vêm ocorrendo em
várias partes do mundo. Muitas vidas inocentes foram perdidas por causa da
intolerância e da ignorância”.
Não
obstante os princípios proclamados pelas nações autodeclaradas democráticas, em
muitos países a diversidade – de origem, etnia, práticas religiosas e outras –
dificulta a convivência, na medida em que os indivíduos assumem posturas
radicais, primando pela intolerância, xenofobia, racismo e incontáveis formas
de preconceito.
Como
afirmou Mahatma Gandhi: “A regra de ouro
consiste em sermos amigos do mundo e em considerarmos toda a família humana
como uma só família. Quem faz distinção entre os fiéis da própria religião e os
de outra, deseduca os membros da sua religião e abre caminho para o abandono, a
irreligião”.
A
incorporação dos princípios de pluralidade e diversidade significa o
reconhecimento da existência de diferentes culturas, etnias e religiões e a
compreensão de que as diferenças caracterizam a existência humana. Portanto,
para preservar as sociedades que primam pela igualdade de direitos faz-se
necessária a defesa das liberdades e identidades individuais e coletivas.
Publicação original: Portal
dos Conselhos de Piracicaba
By Colaborador on janeiro 21, 2015