Série
Documentos. Manifesto Republicano, 1870.
Percursos
Históricos,
Ano I, vol. nov., série 12/11, 2011.
Manifesto
Republicano.
“Aos Nossos
Concidadãos.
É a
voz de um partido a que se alça hoje para faliar ao paiz. E
esse partido não carece demonstrar a usa legitimidade. Desde
que a reforma, alteração, ou revogação da
carta outhorgada em 1824, está por elia mesma prevista e
auctorisada, é legitima a aspiração que hoje se
manifesta para buscar em melhor origem o fundamento dos inauferiveis
direitos da nação.
Só a
opinião nacional cumpre acolher ou repudiar essa aspiração.
Não reconhecendo nós outra soberania mais do que a
soberania do povo, para elia apeliamos. Nenhum outro tribunal pode
julgar-nos: nenhuma outra auctoridade pôde interpôr-se
entre elia e nós.
Como homens
livres e essencialmente subordinados aos interesses da nossa pátria,
não é nossa intenção convulcionar a
sociedade em que vivemos. Nosso intuito é esclarecera.
Em um regimen
de compressão e de violência, conspirar seria o nosso
direito. Mas no regimen das ficções e da corrupção,
em que vivemos, discutir é o nosso dever.
As armas da
discussão, os instrumentos pacificas da liberdade, a revolução
moral, os amplos meios do direito, postos ao serviço de uma
convicção sincera, bastam, no nosso entender, para a
victória da nossa causa, que é a causa do progresso e
da grandeza da nossa pátria.
A bandeira da
democracia, que abriga todos os direitos, não repelle, por
erros ou convicções passadas, as adhesões
sinceras que se lhe manifestem. A nossa obra é uma obra de
patriotismo e não de exclusivismo, e acceitando a
comparticipação de todo o concurso leal, repudiamos a
solidariedade de todos os interesses illegitimos.
Exposição
de Motivos.
Uma longa e
dolorosa experiência ha doutrinado ao povo, aos partidos e aos
homens públicos em geral da nossa terra. A imprevidencia, as
contradições, os erros e as usurpações
governamentaes, influindo sôbre os negócios interno e
externos da nossa pátria, hão creado esta situação
depioravel, em que as intelligencias e os characteres políticos
parecem fatalmente obliterados por um funesto eclypse.
De todos os
angulos do paiz surgem as queixas, de todos os lados políticos
surgem os protestos e as revelações estranhas que
denunciam a existência de um vicio grave, o qual põe em
risco a sorte da liberdade pela completa annuilação do
elemento democratico.
O perigo está
indicado e é manifesto. Sente-se a acção do mal
e todos apontam a origem delle. E quanto maior seja o empenho dos que
buscam occultar a causa na sobra de uma prerogativa privilegiada e
quasi divina, tanto maior deve ser o nosso esforço para
espancar essa sombra e fazer a luz sobre o mysterio que nos rodeia.
As condições
da lucta política hão variado completamente de certo
tempo a esta parte. Já não são mais os partidos
que pleiteam, no terreno constitucional, as suas idéias e os
seus systemas. São todos os partidos que se sentem annuilados,
reduzidos a impotência e expostos ao desdem da opinião
pela influencia permanente de um principio corruptor e hostil à
liberdade e ao progresso de nossa patria.
Os agentes
reconhecidos pela lei fogem a censura pela allegação da
força superior que os avassalla. A seu turno, o elemento
accusado rethrae-se a sombra da responsabilidade dos agentes legaes.
Em taes
condições, e abandonando a questão dos nomes
próprios, que é mesquinha ante a grandeza do mal que
nos assoberba e ante a idéia que nos domina, appresentamo-nos
nós, responsabilisando diretamente à nossa forma de
governo, ao nosso modo de administração, ao nosso
systema social e político.
Neste paiz,
que se presume constitucional, e onde só deveram ter acção
poderes delegados, responsaveis, acontece, por defeito do systema,
que só ha um poder ativo, omnimodo, omnipotente, perpetuo,
superior a lei e à opinião, e esse é justamente
o poder sagrado, inviolavel e irresponsavel.
O privilegio,
em todas as relações com a sociedade - tal é, em
synthese, a fórmula social e política do nosso paiz -
privilegio de religião, privilegio de raça, privilegio
de sabedoria, privilegio de posição, isto é,
todas as distincções arbitrarias e odiosas que cream no
seio da sociedade civil e política a monstruosa superioridade
de um sobre todos ou a de alguns sobre muitos.
A esse
desequilibrio de forças, a essa pressão atrophiadora,
deve o nosso paiz a sua decadência moral, a sua desorganisação
administrativa e as perturbações economicas, que
ameaçam devorar o futuro depois de haverem arruinado o
presente.
A sociedade
brasileira, apoz meio século de existência como
collectividade nacional independente, encontra-se hoje, apesar disso,
em face do problema da sua organização política,
como se agora surgisse do chãos colonial.
As tradições
do velho regime, alliadas aos funestos preconceitos de uma escola
política meticulosa e suspicaz, que só vê nas
conquistas moraes do progresso e da liberdade invasões
perigosas, para quem cada victoria dos princípios democraticos
se affigura uma usurpação criminosa, hão por tal
forma trabalhado o espírito nacional, confundido todas as
noções do direito moderno, anarchisado todos os
princípios tutelares da ordem social, transtornado todas as
consciências, corrompido todos os instrumentos de governo,
sophysmado todas as garantias da liberdade civil e política,
que no momento actual tem de ser forçosamente - ou a autora da
regeneração nacional ou o accaso fatal das liberdades
públicas.
Processo
Histórico.
Para bem
apreciar as causas que hão concorrido para o relaxamento moral
que se observa, e conhecer-se até que ponto a idéa do
direito foi desnaturada e pervertida, é necessário
remontar à origem histórica da fundação
do imperio.
Iniciado o
pensamento da emancipação do Brazil, o despotismo
colonial procurou desde logo surprehender, em uma emboscada politica,
a revolução que surgia no horisonte da opinião.
Disfarçar a forma, mantendo a realidade do systema que se
procurava abolir, tal foi o intuito da monarchia portugueza. Para
isso bastou-lhe uma ficção - substituir a pessoa,
mantendo a mesma autoridade a quem faltava a legitimidade e o
direito.
Nos espíritos
a independência estava feita pela influencia das idéas
revolucionarias do tempo e pela tradição ensanguentada
dos primeiros martyres brazileiros. Nos interesses e nas relações
economicas, na legislação e na administração,
estava ella tambem feita pela influencia dos acontecimentos que
forçaram a abertura dos nossos portos ao comercio dos
pavilhões estrangeiros e a desligação dos
funcionaras aqui estabelecidos.
A democracia
pura, que procurava estabelecer-se em toda a plenitude de seus
princípios, em toda sanctidade de suas doutrinas, sentiu-se
atraiçoada pelo consorcio faliaz da realeza aventureira. Si
elia triumphasse, como devêra ter acontecido, resguardando ao
mesmo tempo as garantias do presente e as aspirações do
futuro, ficaria quebrada a perpetuidade da herança que o rei
de Portugal queria garantir à sua dymnastia.
Entre a sorte
do povo e a sorte da família, foram os interesses dymnasticos
os que sobrepujaram os interesses do Brasil. O rei de Portugal,
arreceiando-se da soberania democratica, qualificando-a de invasora e
aventureira, deu-se pressa em leccionar o filho na theoria da
traição.
O voto do
povo foi dispensado. A forma da acciamação fictícia
preterio a sancção da soberania nacional, e a graça
de Deus, impiamente alliada à vontade astuciosa do rei, impôz
com o imperio o imperador que o devia substituir.
O artifício
era grosseiro. Cumpria disfarçado. A unanime acclamação
dos povos carecia da corroboração nacional: a voz de
uma constituinte era reclamada pela opinião. A realeza
improvizada sentia a necessidade de legitimar a sua usurpação.
A constituinte foi convocada.
A missão
dessa primeira assembléia nacional era ardua e solemne.
Assomando no horizonte político, tinha mais que uma nação
para constituir, tinha um réo para julgar. A lucta
pronunciou-se, porque era inevitavel. O intuito da realeza sentio-se
burlado: o que elia pretendia era um acto de subserviência. A
attitude da assembléa foi para elia uma surpreza.
Preexistindo
a opinião e havendo-se constituído sem dependência
do voto pupular, não lhe convinha mais do que a muda sancção
da sua usurpação; e nunca a livre manifestação
da vontade do paiz.
A
constituiente foi dissolvida a mão armada, os representantes
do povo disperses, proscriptos e encarcerados.
A espada
vitoriosa da tirania cortou assim violentamente o único laço
que a podia prender a existência nacional e envenenou a unica
fonte que lhe podia prestar o baptismo da legitimidade.
A consciência
dos réprobos chega também a illuminação
do remorso: o próprio receio, si nem sempre traz o
arrependimento, presta ao menos a intuição do perigo.
Cumpre iliudir a opinião, indignada e dolorosamente
surprehendida. As idéas democráticas tinham já
então bastante força pra que fossem desdenhosamente
preteridas. A dissimulação podia, até certo
ponto, suavisar a rudeza do golpe. A força armada, já
destra nas manobras do despotismo, tranquilisava o animo do monarcha
quanto à vehemencia das paixões que pudessem proromper.
A carta constitucional foi outhorgada. E para que ainda um simulacro
de opinião lhe emprestasse a força moral de que
carecia, foram os agentes do despotismo os próprios
encarregados do impôl-a a soberania nacional, sob a forma do
juramento político.
Tal é
a lei que se diz fundamental. Com ella firmou-se o império.
Mescla informe de princípios heterogêneos e de poderes
que todos se annuilam deante da unica vontade que sobre todos impera,
é ella a base da monarchia temperada que, pela graça de
Deus, nos coube em sorte.
Há 48
annos que o grande crime foi commettido; e dessa data em deante, de
que se pode contar a hegyra da liberdade entre nós, começou
também esse trabalho longo e doloroso que tem exhaurido as
forças nacionaes no empenho infructuoso de conciliar os
elementos contradictorios e inconciliaveis sobro que repousa toda a
nossa organisação artificial.
A revolução
de 7 de Abril, que poz termo ao primeiro reinado, pela nobreza de
seus intuitos, pela consciência dos males soffridos, pela
experiência dos desastres, que annuilaram, no exterior, o
prestígio da nossa pátria e, no interior, todas as
garantias civis e políticas do cidadão, estava
destinada a resgatar a liberdade, a desaffrontar a democracia
ultrajada e a repor sobres os seus fundamentos naturaes o edificio
constitucional.
A legislação
do período da regencia, apezar de haver sido truncada,
desnaturada ou revogada, attesta ao mesmo tempo a elevação
do pensamento democratico e o seu ardente zelo pela consolidação
das liberdades públicas. Emquanto fora da influencia da
realeza, os governos se inspiram na fonte da soberania nacional, os
interesses da pátria e os direitos do cidadão parecem
achar melhor garantia e resguardo.
Cidadãos
eminentes, nobilissimos characteres, almas robustas e sinceramente
devotadas a causa do paiz, empregaram durante esse período
grandes, nobres, mas infructiferos esforços. Si o systema
contivesse em si a força, que só a verdade empresta, si
a vontade dos homens pudesse ser efficaz contra a influencia dos
princípios falsos, a causa do paiz houvera sido salva.
A inefficacia
da revolução comprova-se pelo vicio organico das
instituições, deficientes para garantir a democracia e
unicamente efficazes para perpetuar o prestígio e a força
do poder absoluto.
A
demonstração, offerece-a a própria reacção
effectuada em 1837 em diante.
A conspiração
da maioridade coincide com a obra da reacção:
procurou-se apagar da legislação até os últimos
vestígios do elemento democratico que tentara expandir-se. A
lei de 3 de dezembro de 1841, que confiscou praticamente a liberdade
individual, é o corollario da lei da interpretação
do acto addicional, a qual sequestrou a liberdade politica,
destruindo por um acto ordinario a deliberação do unico
poder constituinte que tem existido no Brazil.
Assim, pois,
annullada a soberania nacional, sophysmadas as gloriosas conquistas
que pretenderam a revolução da independência de
1822 e a revolução da democracia em 1831, o mechanismo
social e político, sem o eixo sobre que devia gyrar - isto é,
a vontade do povo, ficou gyrando em torno de um outro eixo - a
vontade de um homem.
A liberdade
apparente e o despotismo real, a fôrma dissimulando a
substância, taes são os characteristicos da nossa
organização constitucional.
O primeiro,
como o segundo reinado, são por isso similhantes.
O Sophisma em
Acção.
O último
presidente do conselho de ministros do ex-imperador dos francezes, em
carta aos seus eleitores, deixou escapar a seguinte sentença:
- A perpetuidade do soberano, embora unida à responsabilidade,
é uma cousa absurda-, mas a perpetuidade unida à
irresponsabilidade é uma cousa monstruosa.
Nesta senteça
se resume o processo do nossos sistema de governo.
Por acto
próprio, o fundador do império e chefe da dimnastia
reinante, se consagrou inviolavel, sagrado e irresponsavel. A
infallibilidade de arbítrio pessoal substituiu assim a razão
e a vontade collectiva do povo brazileiro.
Que outras
condições, em diverso regimen, constituem o
absolutismo?
Quando não
fossem bastantes estes atributos de supremacia, as faculdades de que
se acha investido soberano pela carta outorgada em 1824, bastavam
para invalidar as prerrogativas apparentes com que essa carta similou
garantir as liberdades públicas.
O poder
intruso que se constituiu chave do systema, regulador dos outros
poderes, ponderador do equilíbrio constitucional, avocou a si
e concentrou em suas mãos tôda a acção,
tôda a preponderancia. Nenhuma só das pretendidas
garantias democraticas se encontra sem o correctivo ou a contradicção
que a disvirtua e nulifica.
Temos
representação nacional?
Seria esta a
primeira condição de um paiz constitucional
representativo. Uma questão preliminar responde à
interrogação. Não há nem pôde haver
representação nacional onde não há
eleição livre, onde a vontade do cidadão e a sua
liberdade individual estão dependentes dos agentes immediatos
do poder que dispõe da força pública.
Militarisada
a nação, arregimentada elia no funccionalismo
dependente, na guarda nacional pela acção do
recrutamento ou pela acção da polícia, é
iliusoria a soberania, que só pôde revelar-se sob a
condição de ir sempre de accordo com a vontade do
poder.
Ainda quando
não prevalecessem essas condições, ainda quando
se presumisse a independência e a liberdade na escolha dos
mandatarios do povo, ainda quando ao lado do poder que impõe
pela força não existisse o poder que corrompe pelo
favoritismo, bastava a existência do poder moderador, com as
faculdades que lhe dá a carta, com o veto secundado pela
dissolução, para multificar de facto o elemento
democrático.
Uma câmara
de deputados demissivel a vontade do soberano, e um senado vitalício
a escolha do soberano, não podem constituir de nenhum modo a
legitima representação do paiz. A liberdade de
consciência nuilificada por uma egreja privilegiada; a
liberdade economica supprimida por uma legislação
restrictiva-I a liberdade da imprensa subordinada a jurisdição
de funccionarios do governo; a liberdade de associação
dependente do beneplacito do poder; a liberdade do ensino supprimida
pela inspecção arbitraria do governo e pelo monopólio
official; a liberdade individual sujeita à prisão
preventiva, ao recrutamento, a disciplina da guarda nacional, privada
da própria garantia do habeas-corpus pela limitação
estabelecida, taes são praticamente as condições
reaes do actual systema de governo.
Um poder
soberano, privativo, perpetuo e irresponsavel forma, a seu nuto, o
poder executivo, escolhendo os ministros, o poder legislativo,
escolhendo os Senadores e designando os deputados, e o poder
judiciario, nomeando os magistrados, removendo-os, aposentando-os.
Tal é,
em assencia, o mechanismo político da carta de 1824, taes são
os sophysmas por meio dos quaes o imperador reina, governa e
administra.
Deste modo
qual é a delegação nacional? que poder a
representa? como pôde ser a lei a representação
da vontade do povo? como podem coexistir como poder absoluto, que
tudo domina, os poderes independentes de que falia a carta?
A realidade é
que, si em relação a doutrina, as contradições
suffocam o direito, em relação a practica, só o
poder pessoal impera sem contestatação nem correctivo.
Consenso
Unanime.
A democracia,
accusam-na de intolerante, irritavel, exagerada e pessimista.
Suspeita aos olhos da soberania, que pretende ser divina, os seus
conceitos são inquinados de malevolência e prevenção.
E justo em tão melindrosa questão buscar em fontes
insuspeitas as sentenças que apoiam as nossas convicçoes.
Para
corroboraras temos o juizo severo de homens eminentes do paiz, de
todas as crenças e matizes políticos.
Nenhum
estadista, nenhum cidadão que tenha estudado os negócios
públicos, deixa de compartilhar comnosco a convicção
que manifestamos sobre a influencia perniciosa do poder pessoal.
Todos somos
concordes em reconhecer a lamentar a prestação moral a
que nos arrastou o absolutismo pratico sob as vestes do liberalismo
apparente.
Euzebio de
Queiroz, monarchísta extremado, chefe proeminente do partido
conservador, foi uma vez ministro no actual reinado, e não
mais consentiu em voltar a essa posição, apezar das
circunstancias e solicitações reiteradas do seu
partido.
"Neste
paiz, dizia elle, não se pôde ser ministro duas vezes".
Firmino
Silva, dando conta da morte desse distincto brazileiro, escreveu no
Correio Mercantil de 10 de Maio de 1868 as seguintes palavras:
"Inopinadamente
deixou o ministério o se retirou isoladamente; e sempre que se
offerecia occasião de assumir a governação, se
esquivava, com inquietação dos que o conheciam.
"Ha
convicões tão inabalaveis que preferem o silencio que
suffoca, ao desabafo que PODE PÔR EM PERIGO UM PRINCIPIO".
D. Manoel de Assis Mascarenhas, caracter severo e digno, manifestou
no Senado o seu profundo desgosto pelo que observava, nos seguintes
termos:
"Quando
a intelligencia, a virtude, os serviços são preteridos
e postos de parte; quando os perversos são galardoados com
empregos eminentes, póde-se affoutamente exclamar com Seneca:
"Morreram
os costumes, o direito, a honra, a piedade, a fé, e aquilio
que nunca volta quando se perde - o pudor". Nabuco de Araujo,
conhecido e pratico no governo, disse na câmara vitalícia
por occasião da ascenção do gabinete de 16 de
Julho:
"O poder
moderador não tem o direito de despachar ministros como
despacha delegados e subdelegados de polícia."
"Por sem
duvida, vós não podeis levar a tanto a attribuição
que a constituição confere à coroa de nomear
livremente os seus ministros; não podeis ir até ao
ponto de querer que nessa faculdade de involva o direito de fazer
politica sem a intervenção nacional, o direito de
substituir situações como lhe approuver.”
"Ora
dizei-me: não é isto uma farça? não é
isto um verdadeiro absolutismo, no estado em que se acham as eleições
no nosso paiz? Vêde esta sorite fatal, esta sorite que acaba
com a existência do systema representativo: - O poder moderador
pôde chamar a quem quizer para organizar ministérios;
esta pessoa faz a eleição porque ha de fazel-a; esta
eleição faz a maioria. Eis ahi está o systema
representativo do nosso paiz!"
Francisco
Octaviano, quando redactor do Correio Mercantil, por mais de uma vez,
estygmatisou em termos enérgicos o poder pessoal que se
ostenta e as inconveniências que de semilhante poder resultam a
nação.
Sayão
Lobato e o mesmo Firmino Silva escreveram no Correio Mercantil, cuja
redacção estava a seu cargo, as verdades seguintes:
"Quem de
longe examinar as instituições brasileiras pelos
effeitos da perspectiva; quem contentar-se em observar o magestoso
frontespicio do templo constitucional, suas inscripções
pomposas, sua architectura esplêndida, ha de sem dúvida
exclamar - eis aqui um povo que possue a primeira das condições
do progresso e da grandeza.
"Aquelle,
porém, que um dia estender o campo da observação
até o interior do edifício na esperança de ahi
admirar a realisação dos elementos de felicidade que as
fôrmas ostensivas do governo affiançavam, e o regimen da
liberdade tem desenvolvido em outros lugares, exclamará - que
decepção!
" Sob a
influencia do visconde de Camaragibe, Pinto de Campos e outros
monarchistas por exceliencia, foi publicado em Pernambuco no
Constitucional em 1868 o seguinte:
"O
governo, a nefasta política do governo do imperador foi quem
creou este estado desesperado em que nos achamos... política
de proscripção, de corrupção, de
venalidade e de cynismo... um tal governo não é o da
nação pela nação, é o governo do
imperador pelo imperador... A proporção que o poder se
une nas mãos de um só, a nação se desune
e divide".
O Diario do
Rio de Janeiro, escripto sob as inspirações do barão
de Cotegipe, dizia no mesmo anno:
"Tudo
está estremecido: a ordem e a liberdade. Se o presente
afflige, o futuro assusta".
O mesmo
Diario, e sob a inspiração dos mesmos homens, dizia
eloquentemente em referência às insidosas palavras -
harmonia dos brazileiros.
"A
harmonia imposta é a paz de Varsovia, ou a obediência
dos Turcos.
"Não
pode haver harmonia entre opprimdos e oppressores, entre usurpadores
e usurpados, entre algozes e victimas.
"Se os
opprimidos supportam, chamae-os resignados.
"Se não
promovem a reivindicação chamae-os covardes. Mas em
respeito a Deus, que tudo vê, não chameis harmonia dos
brazileiros o despreso das leis, a dietadura disfarçada, a
desgraça privada, o rebaixamento da dignidade nacional".
Silveira da
Motta disse no Senado em 1859:
"As
praticas constitucionaes enfraquecem-se todos os dias; o regimen
representativo tem levado botes tremendos, a depravação
do systema é profunda.
"No paiz
o que ha somente é a forma de governo representativo: a
substancia desappareceu.
"Tentêe-se
esta chaga da nossa sociedade, e ver-se-ha que no Brazil o regimen
constitucional é uma mera formalidade!
" Ainda
este anno e nessa mesma casa do parlamento, accrescentou elle:
"Cheguei a convicção de que o vicio não
está nos homens, está nas instituições".
Francisco
Octaviano, Joaquim Manoel de Macedo e outros, que em 1868 dirigiam o
Diario do Povo, publicaram um artigo editorial em que se lia o
seguinte:
"São
gravissimas as circumstancias do paiz. "No exterior arrasta-se
uma guerra desastrada...
"No
interior um espetáculo. Formulas apparentes de um governo
livre, última homenagem que a hipocrisia rende ainda a opinião
do seculo: as grandes instituições políticas
annulladas, e a sua acção constitucional substituída
por um arbítrio distaçado.
"Para
nós há uma só causa capital, dominante... esta
causa não é outra sinão à cega obstinação
com que desde annos, ora ás occultas, ora ás claras, se
trabalha por extinguir os partidos legítimos sem cuja acção
o systema representativo se transforma no pior dos despotismos, no
depotismo simulado.
"Chegadas
as cousas a este ponto está virada a piramide; o movimento
parte de cima: quem governa é a coroa..
." Em 21
de Julho do mesmo anno, dizia o mesmo jornal: "César
passou o Rubicon. Começa o período da franqueza...
preferimos a franqueza a dissimulação.
"Tinhamos
mêdo do absolutismo atraiçoado que escondia as garras do
manto da constituição, absolutismo chato, burguez,
deselegante. Mas o absolutismo, que não teme a luz, não
nos mette medo".
A 24 de Julho
de 1867 o Diário de S. Paulo, orgam do partido conservador
naquelia província, sob a redacção de João
Mendes de Almeida, Antônio Prado, Duarte de Azevedo e Rodrigo
da Silva, sob o titulo O Baixo Império, escrevia o seguinte:
"Haverá
ainda quem espere alguma cousa do Sr. D. Pedro li?
"Para o
monarcha brazileiro só há uma virtude - o servilismo!
"Para os homens independentes e sinceros - o ostracismo: para os
lacaios e instrumentos de sua grande política os títulos
e as condecorações!" José de Alencar antes
de ser ministro escrevia;
"O que
resta do paiz? o povo inerte, os partidos extinctos, o parlamento
decahido!"
Depois que
deixou o ministério, e com a experiência adquirida nos
conselhos da coroa, disse:
"Ha com
effeito uma causa que perturba em nosso paiz o desenvolvimento do
systema representativo, fazendo-nos retrogradar além dos
primeiros tempos da monarchia. Em princípio latente, conhecida
epenas por aquelles que penetravam os arcanos do poder; a opinião
ignorava a existência desse princípio de desorganisação.
Por muito tempo duvidamos do facto.
"Hoje,
porém, elle está patente, o governo pessoal se ostenta
a todo instante, e nos acontecimentos de cada dia. Parece que perdeu
a timidez ou modestia de outr'ora, quando se recatava com estudada
reserva. Actualmente faz garbo de seu poder; e si acaso a
responsabilidade ministerial insiste em envolvê-lo no manto das
conveniências, acha meios de romper o véu e mostrar-se a
descoberto.
"Como um
poiypo monstruoso, o governo pessoal invade tudo, desde as
transcendentes questões da alta política até as
nugas da pequena administração."
Antônio
Carios o velho, no primeiro anno do actual reinado, na discussão
da lei de 3 de Dezembro, já dizia:
"O
princípio regulador de um povo livre é governar-se por
si mesmo; a nova organisação judiciaria exclue o povo
brazileiro do direito de concorrer a administração da
justiça; tudo está perdido, senhores, abdicamos da
liberdade para entrarmos na senda dos povos possuídos!
" O
próprio barão de S. Lourenço teve a franqueza de
dizer no Senado:
"A força
e prestígio que com tanto trabalho os partidos tinham ganho
para o governo do paiz estão mortos.
"As
províncias perderam a fé NO GOVERNO DO IMPERIO".
Tal e a
situação do paiz, tal é a opinião geral
emitida no parlamento, na imprensa, por toda a parte.
A Federação.
No Brasil,
antes ainda da idéia democratica, encarregou-se a natureza de
estabelecer o princípio federativo. A topographia do noso
territorio, as zonas diversas em que elle se divide, os climas varies
e as producções differentes, as cordilheiras e as aguas
estavam indicando a necessidade de modelar a administração
e o governo local acompanhando e respeitando as proprias divisões
creadas pela natureza physica e impostas pela immensa superfície
do nosso território.
Foi a
necessidade que demonstrou, desde a origem, a efficacia do grande
principio que embalde a força compressora do regimen
centralisador tem procurado contrafazer e destruir.
Emquanto
colônia, nenhum receio salteava o animo da monarchia portugueza
por assim repartir o poder que delegava aos vassallos dilectos ou
preferidos. Longe disso, era esse o meio de manter, com a metropole,
a unidade severa do mando absoluto.
As
rivalidades e os conflitos que rebentavam entre os differentes
delegados do poder central, enfraquecendo-os e impedindo a
solidariedade moral quanto as idéias e a solidariedade
administrativa quanto aos interesses e ás forças
disseminadas; eram outras tantas garantias de permanência e
solidez para o princípio centralisador e despotico. A
efficacia do methodo havia já sido comprovado, por occasião
do movimento revolucionaria de 1787 denominado - a Inconfidência.
Nenhum
interesse, portanto, tinha a monarchia portugueza quando homisiou-se
no Brazil, para repudiar o systema que lhe garantira, com a
estrangulação dos patriotas revolucionarias, a
perpetuidade do seu domínio nesta parte da America. A divisão
política e administrativa permaneceu, portanto, a mesma na
essencia apesar da transferência de sede monarchica para as
plagas brazileiras.
A
independência proclamada officialmente em 1822 achou e
respeitou a fôrma da divisão colonial.
A idea
democratica representada pela primeira constituinte brazileira
tentou, é certo, dar ao princípio federativo, todo o
desenvolvimento que elle comportava e de que carecia o paiz para
poder marchar e progredir. Mas a dissolução da
assembléa nacional, suffocando as aspirações
democraticas, cerceou o princípio, desnaturou-o, e a carta
outhorgada em 1824, mantendo o status quo da divisão
territorial, ampliou a esphera da centralisação pela
dependência em que collocou as províncias e seus
administradores do poder intruso e absorvente, chave do systema, que
abafou todos os respiradores da liberdade, enfeudando as províncias
a côrte, a sede do unico poder soberano que sobreviveu a ruína
da democracia.
A revolução
de 7 de Abril de 1881, trasendo a superfície as idéias
e as aspiraçoes suffocadas pela reacção
monarchica, deu novamente azo ao princípio federativo para
manifestar-se e expandir-se.
A autonomia
das províncias, a sua desvinculação da côrte,
a livre escolha dos seus administradores, as suas garantias
legislativas por meio das assembléias provinciaes, o
alargamento da esphera das municipalidades, essa representação
resumida da família política, a livre gerência
dos seus negócios, em todas as relações moraes e
economicas, taes foram as condições characteristicas
desse período de reorganisação social,
claramente formuladas ou esboçadas nos projectos e nas leis
que formaram o assumpto das deliberações do governo e
das assembléas desse tempo.
A reacção
democratica não armou sómente os espíritos para
essa lucta grandiosa.
A convicção
de alguns e o desencanto de muitos, fazendo fermentar o levedo dos
odios legados pela monarchia que se desnacionalisára, a acção
irritante do partido restaurador desafiando a colera dos opprimidos
da vespera, armou também o braço de muitos cidadãos
e a revolução armada pronunciou-se em varios pontos de
paiz sob a bandeira das franquezas provinciaes.
Desde 1824
até 1848, desde a federação do Equador até
a revolução de Pernambuco, póde-se dizer que a
corrente elétrica que perpassou pelas províncias,
abalando o organismo social, partio de um só fóco - o
sentimento da independência local, a idéa da federação,
o pensamento da autonomia provincial.
A obra da
reacção monarchica triumphando em todos os combates,
pôde até hoje, a favor do instincto pacifico dos
cidadãos, adormecer o elemento democratico, embalando-o sempre
com a esperança do seu proximo resgate.
Mas ainda
quando, por signaes tão evidentes, não se houvesse já
demonstrado a exigência das províncias quanto a esse
interesse superior, a ordem de coisas que prepondera não pôde
deixar de provocar o estygma de todos os patriotas sinceros. A
centralisação, tal qual existe, representa o
despotismo, dá força ao poder pessoal que avassala,
estraga e corrompe os characteres, perverte e anarchisa os espíritos,
comprime a liberdade, constrange o cidadão, subordina o
direito de todos os arbítrio de um só poder, nulifica
de facto a soberania nacional, mata o estimulo do progresso local,
suga a riqueza peculiar das províncias, constituindo-as
satellites obrigados do grande astro da côrte - centro
absorvente e compressor que tudo corrompe e tudo concentra em si - na
ordem moral e política, como na ordem economica e
administrativa.
O acto
adicional interpretado, a lei de 3 de Dezembro, o conselho de Estado,
creando, com o regimen da tutelia severa, a instancia superior e os
instrumentos independentes que tendem a cercear ou annuliar as
deliberações dos parlamentos provinciaes, apezar de
truncados; a dependência administrativa em que forão
collocadas as províncias, até para os actos mais
triviaes; o abuzo do effectivo sequestro dos saltos dos orçamentos
provinciaes pra as despezas e para as obras peculiares do município
neutro; a restficção imposta ao desenvolvimento dos
legítimos interesses das províncias pela uniformidade
obrigada, que fôrma o typo da nossa absurda administração
centralisadora, tudo está demonstrando que posição
precaria occupa o interesse propriamente nacional confrontado com o
interesse monarchico que é, de si mesmo, a origem e a força
da centralisação.
Taes
condições, como a historia o demonstra e o exemplo dos
nossos dias está patenteando, são as mais proprias
para, com a enervação interna, expôr a pátria
às eventualidades e aos perigos da usurpação e
da conquista.
O nosso
estado é, em miniatura, o Estado da França de Napoleão
III. O desmantelamento daquelle paiz que o mundo está
presenciando com assombro não tem outra origem, não tem
outra causa explicativa.
E a própria
guerra exterior que tivemos de manter por espaço de seis
annos, deixou vêr, com a occupação de MattoGrosso
e a invasão do Rio Grande do Sul, quanto é impotente e
desastroso o regimen de centralização para salvaguardar
a honra e a integridade nacional.
A autonomia
das províncias é, pois, para nós mais do que um
interesse imposto pela solidariedade dos direitos e das relações
provinciaes, é um principio cardeal e solemne que inscrevemos
na nossa bandeira.
O regimen da
federação baseado, portanto, na independência
reciproca das províncias, elevando-as a cathegoria de Estados
próprios, unicamente ligados pelo vinculo da mesma
nacionalidade e da solidariedade dos grandes interesses da
representação e da defeza exterior, é aquelle
que adaptamos no noso progamma, como sendo o unico capaz de manter a
communhão da familia brasileira.
Se
carecêssemos de uma fórmula para assignalar perante a
consciência nacional os effeitos de um e outro regimen, nós
a resumiríamos assim: - Centralisação-Desmembramento.
Descentralisação-Unidade.
A Verdade
Democratica.
Posto de
parte o vicio insanavel de origem da carta de 1824, imposta pelo
principe ao Brazil constituído sem consti- tuinte, vejamos o
que vale a monarchia temperada, ou monarchia constitucional
representativa.
Este systema
mixto é uma utopia, porque é utopia ligar de modo
sólido e perduravel dous elementos heterogêneos, dous
poderes diversos em sua origem, antinomicos e irreconciliaveis - a
monarchia hereditaria e a soberania nacional, o poder pela graça
de Deus, o poder pela vontade collectiva, livre e soberana, de todos
os cidadãos.
O consorcio
dos dous princípios é tão absurdo quanto
repugnante o seu equilíbrio.
Ainda quando,
como sonharam os doutores da monarchia temperada, nenhum dos dous
poderes preponderasse sobre o outro, para que caminhando
paralelamente, mutuamente se auxiliassem e fiscalisassem, a
consequencia a tirar é que seriam iguaes.
Ora admitir a
igualdade do poder divino ao humano é de impossível
comprehensão.
Mas adrnittir
com o art. 12 da carta de 1824 que todos os poderes são
delegações da nação, e acceitar o systema
mixto como um systema racional e exequivel, é ultrapassar as
raias do absurdo, porque é fazer preponderar o poder humano
sobre o poder divino.
A questão
é clara e simples. Ou o principe, instrumento e orgam das leis
providenciaes, pela sua só origem e predestinação,
deve governar os demais homens, com os predicados essenciais da
inviolabilidade, da irresponsabilidade, da hereditariedade sem
constraste e sem fiscalisação, porque o seu poder emana
da Omnipotencia infinitamente justa e infinitamente boa; ou a
Divindade nada tem que ver na vida do Estado, que é uma
communhão a parte e extranha a todo interesse espiritual, e
então a vontade dos governados é o unico poder supremo
e o supremo arbitro dos governos.
Quando a
theocracia asiatica tinha um ungido do Senhor, ou os leudas da media
edade acciamavam um rei, carregando-o triumphalmente depois de uma
victoria, esse reconhecimento solemne do direito da força era
logico; quando pelo mesmo princípio a monarchia unia-se ás
communas para derrocar o feudalismo, o despotismo monarchico era
logico tambem. Mas depois da emancipação dos povos e da
consagração da força do direito, o que é
logico é o desapparecimento de todo o princípio caduco.
A transação
entre a verdade triumphante e o erro vencido, entre as conquistas da
civilisação e os fructos do obscurantismo é que
é inadmissível.
Atar ao carro
do Estado dous locomotores que se dirigem para sentidos oppostos é
procurar - ou a immobilidade si as forças propulsoras são
eguaes, ou a destruição de uma delias, si a outra lhe é
superior.
É
assim que as theorias dos sonhadores, que defendem o systema mixto,
cahem na prática.
Para que um
governo seja representativo, todos poderes devem ser delegações
da nação, e não podendo haver um direito contra
outro direito segundo a expressão de Bossuet, a monarchia
temperada é uma ficção sem realidade.
A soberania
nacional só pôde existir, só pode ser reconhecida
e praticada em uma nação cujo parlamento, eleito pela
participação de todos os cidadãos, tenha a
suprema direcção e pronuncie a última palavra
nos públicos negocios.
Desde que
exista em qualquer constituição, um elemento de coacção
ao princípio da liberdade democratica, a soberania nacional
está violada, é uma cousa irrita e nuila, incapaz dos
salutares effeitos da moderna fórmula do governo o governo de
todos por todos.
Outra
condição indispensavel da soberania nacional é
ser inalienavel e não poder delegar mais que o seu exercício.
A pratica do direito e não do direito em si é o objeto
do mandato.
Desta verdade
resulta que quando o povo cede uma parte de sua soberania, não
constitue um senhor, mas um servidor, isto é um funccionario
Ora, a
consequencia é que o funccionario tem de ser revogavel, movel,
electivo, creando a fórmula complementar dos Estados modernos
- a mobilidade nas pessoas e a perpetuidade nas funcções
- contra a qual se levantam nos systemas, como o que nos rege, os
phncipios da hereditariedade, da inviolabilidade, da
irresponsabilidade.
Associar, uma
a outra, duas opiniões ciosas de suas prerrogativas, com
interesses manifestamente contratos, é, na phrase de Gambetta,
semear o germen de eternos conflictos, procurar a neutralisação
das forças vivas da nação, em um duello
insensato, e aguardar irremediavelmente um dos dous resultados: ou
que a liberdade do voto e a universalidade do direito sucumbam ante
as satisfações e os desejos de um só, ou que o
poder de um só desappareça deante da maioria do direito
popular.
Ainda mais: a
soberania nacional não pôde siquer estipular sobre a sua
própria alheiação. Porque é a reunião,
a collecção das vontades de um povo. E como as gerações
se succedem, e se substituem, fôra iníquo que o
contracto de hoje obrigasse de antemão a vontade da geração
futura, dispondo do que não lhe pertence, e instituindo uma
tutela perenne que seria a primeira negação da própria
soberania nacional.
A
manifestação da vontade da nação de hoje
pôde não ser a manifestação da vontade da
nação de amanhã e dal-ii resulta que, ante a
verdade da democracia, as constituições não
devem ser velhos marcos da senda política das naciona lidades,
assentados como a consagração e o symbolo de princípios
immutaveis. As necessidades e os interesses de cada épocha têm
de lhes imprimir o cunho de sua individualidade.
Si houver,
pois, sinceridade ao proclamar a soberania nacional, cumprirá
reconhecer sem reservas que tudo quanto ainda hoje pretende
revestir-se de character permanente e hereditario no poder está
eivado do vicio da caducidade, e que o elemento monarchico não
têm coexistência possível com o elemento
democratico.
É
assim que o princípio dymnastico e a vitaliciedade do Senado
são duas violações flagrantes da soberania
nacional. e constituem o principal defeito da carta de 1824.
Em Conclusão.
Espostos os
princípios geraes que servem de base à democracia
moderna, unica que consulta e respeita o direito e a opinião
dos povos, temos tornado conhecido o nosso pensamento.
Como o nosso
intuito deve ser satisfeito pela condição da preliminar
estabelecida na própria carta outhorgada; - a convocação
de uma assembiéa constituinte com amplas faculdades para
instaurar um novo regimen, é necessidade cardeal.
As reformas a
que aspiramos são complexas e abrangem todo o nosso mechanismo
social.
Negá-las
absolutamente, fôra uma obra impia porque se provocaria a
resistência.
Aprazá-las
indefinidamente, fôra um artifício grosseiro e perigoso.
Fortalecidos,
pois, pelo nosso direito e pela nossa consciência,
apresentamo-nos perante os nossos concidadãos, arvorando
resolutamente a bandeira do partido republicano federativo.
Somos da
América e queremos ser americanos.
A nossa forma
de governo é, em sua assencia e em sua prática,
antinomica e hostil ao direito e aos interesses dos Estados
americanos.
A permanência
dessa forma tem de ser forçosamente, além da origem da
oppressão no interior, a fonte perpetua da hostilidade e das
guerras com os povos que nos rodeiam.
Perante a
Europa passamos por ser uma democracia monarchica que noa inspira
sympathia nem provoca adhesões. Perante a América
passamos por ser uma democracia monrchisada, aonde o instincto e a
força do povo não podem preponderar ante o arbítrio
e a omnipotencia do soberano.
Em taes
condições pode o Brazil considerar-se um paiz isolado,
não só no seio da América, mas no seio do mundo.
O nosso esforço dirige-se a supprimir este estado de cousas,
pondo-nos em contacto fraternal com todos os povos, e em
solidariedade democratica com o continente que fazemos parte".
Dr. Joaquim
Saldanha Marinho (advogado, ex-presidente de Minas e São
Paulo, ex-deputado por Pernambuco).
Dr. Aristides
da Silveira Lobo (advogado, ex-deputado por Alagoas).
Christinao
Benedicto Ottoni (engenheiro, ex-deputado por Minas).
Dr. Flávio
Farnese (advogado e jornalista).
Dr. Pedro
Antonio Fernando Viana (advogado e jornalista).
Dr. Lafayete
Rodrigues Pereira (advogado, ex-presidente do Ceará e
Maranhão).
Dr.
Bernardino Pamplona (fazendeiro).
João
de Almeida (jornalista)..
Dr. Pedro
Bandeira de Gouveia (medico).
Dr. Francisco
Rangel Pestana (advogado jornalista).
Dr. Henrique
Limpo de Abreu (advogado, ex-deputado por Minas).
Dr. Augusto
Cesar de Miranda Azevedo (medico).
Elias Antônio
Freire (negociante).
Joaquim
Garcia Pires de Almeida (jornalista).
Quintino
Bocayuva (jornalista).
Dr. Joaquim
Mauricio de Abreu (medico).
Dr. Miguel
Vieira Ferreira (engenheiro).
Dr. Pedro
Rodrigues Soares de Meirelles (advogado).
Galdino
Emiliano das Neves.
Dr. Julio
Cesar de Freitas Coutinho (advogado).
Alfredo
Moreira Pinto (professor).
Carlos
Americano Freire (engenheiro).
Jeronimo
Simões (negociante).
José
Teixeira Jordão (professor).
João
Vicente de Brito Galvão.
Dr. José
Maria de Albuquerque Mello (advogado, ex-deputado pelo Rio Grande Do
Norte).
Gabriel José de Freitas (negociante).
Joaquim
Heliodoro Gomes (empregado publico).
Francisco
Antonio Castorino de Faria (empregado publico).
José
Caetano de Moraes e Castro.
Octaviano
Hudson (jornalista).
Dr. Luiz de
Souza Araújo (medico).
Dr. João
Baptista Lupez (medico).
Dr. Antonio
da Silva Netto (engenheiro).
Dr. Antonio
José de Oliveira Filho (advogado).
Dr. Francisco
Peregrino Viriato de Medeiros (medico).
Dr. Antônio
de Souza Campos (medico).
Dr. Manoel Marques da Silva Acauan (medico).
Maximo
Antonio da Silva.
Dr. Francisco
Leite de Bittencourt Sampaio (advogado, ex-deputado por Sergipe).
Dr. Salvador
de Mendonça (jornalista).
Eduardo
Baptista R. Franco.
Dr. Manoel
Bonicio Fonteneili (advogado, ex-deputado pelo Maranhão).
Dr. Felix
José da Costa e Souza (advogado).
Paulo Emilio dos Santos
Lobo.
Dr. José Lopes da
Silva Trovão (medico).
Dr. Antonio
Paulino Limpo de Abreu (engenheiro).
Macedo Sodré
(negociante).
Alfredo Gomes
Braga (empregado publico).
Francisco C.
de Bricio.
Manoei
Marques de Freitas.
Thome lgnacio
Botelho (capitalista).
Eduardo
Carneiro de Mendonça.
Julio V.
Gutierrez (negociante).
Candido Luiz
de Andrade (negociante).
Dr. José
Jorge Paranhos da Silva (advogado).
Emilio Rangei
Pestana (negociante).
Antonio Nunes
Galvão.
[Texto
publicado no periódico A República, no
Rio de Janeiro, em 3 de dezembro de 1870].