Patrimônios da Humanidade

Patrimônios da Humanidade

29 julho 2011

Aspectos históricos da ascensão e declínio da União Soviética.



Aspectos históricos da ascensão e declínio da União Soviética.

Percursos Históricos, Ano I, vol. jul., série 29/07, 2011.


SOARES, Marilda

Mikhail Gorbachev renunciou ao governo em 1991, pondo fim a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), estabelecida em 1922, sob o governo de Lenin (Vladimir Ilitch Ulianov).
Após a Revolução de 1917, estabeleceu-se o poder soviético na Rússia, com o esforço para manutenção das conquistas revolucionárias, a luta contra os oposicionistas, a reorganização da economia e das estruturas políticas.
Entre 1918 e 1921, com a retirada das tropas russas da Primeira Guerra Mundial, iniciaram-se as medidas mais concretas, como o início da distribuição de terras aos camponeses; a estatização das indústrias, bancos e meios de transporte; a formação do Partido Comunista, para organização e controle da política de Estado, e do Exército Vermelho, para resistência à guerra civil e aos antirrevolucionários; e a Nova Política Econômica (NEP), com o favorecimento aos kulaks, atração e capital estrangeiro e hierarquização dos salários.
Em 1922, formou-se a URSS sob a liderança da Rússia, abarcando a Ucrânia, Letônia, Lituânia, Estônia, Bielorrússia, Azerbaijão, Turcomenistão, Uzbequistão, Geórgia, Quirguízia, Cazaquistão, Armênia e Tadjiquistão, tendo como modelo a federação, formada por repúblicas que seguiriam o molde do soviete de Petrogrado e uma política externa comum.
 Em 1924, com a morte de Lenin subiu ao poder Josef Stalin, que substituiu o projeto de “revolução permanente”, defendido por Leon Trotsky, pelo de “socialismo num só país”, o que representava a busca de estabilização e manutenção da governabilidade.
Seguiu-se um período de modernização econômica, com investimentos industriais em hidrelétricas e siderúrgicas e a contratação de técnicos estrangeiros.
Como afirma Eric Hobsbawm, no período entre-Guerras, enquanto as demais nações sofriam os abalos da Primeira Guerra e da crise de 1929,
O trauma da Grande Depressão foi realçado pelo fato de que um país que rompera clamorosamente com o capitalismo pareceu imune a ela: a União Soviética. Enquanto o resto do mundo, ou pelo menos o capitalismo liberal ocidental, estagnava, a URSS entrava numa industrialização ultra-rápida e maciça sob seus novos Planos Quinquenais. De 1929 a 1940, a produção industrial soviética triplicou, no mínimo dos mínimos. Subiu de 5% dos produtos manual faturados do mundo em 1929 para 18% em 1938, enquanto no mesmo período a fatia conjunta dos EUA, Grã-Bretanha e França caía de 59% para 52%do total do mundo. E mais, não havia desemprego (HOBSBAWM, 2004, p. 85).

Mas, tratando especificamente da questão das nacionalidades no interior da União Soviética, para manter unidade, durante as décadas de 1930 e 1940, Stalin realizou os expurgos das elites nacionais contrárias ao poder do PC soviético, incorporou ao seu domínio os países bálticos, a Polônia oriental e a Moldávia e muitos foram deportados para Sibéria e Ásia Central, de modo que as nacionalidades, pelo domínio da força, foram consideradas sob controle.
Stalin permaneceu no poder entre 1924 e 1953, mantendo uma política repressiva, autoritária e violenta contra os seus opositores, razão pela qual o regime soviético foi amplamente combatido pelos partidários da democracia e das liberdades civis. Por outro lado, foi sob o governo de Stalin que as tropas da URSS lutaram contra os regimes nazi-fascistas e contribuíram efetivamente para a derrubada do poder do Terceiro Reich.
No final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, constituiu-se o chamado “bloco soviético”, que duraria até a queda do muro de Berlim, em 1889-90, período em que os países alinharam-se política e economicamente sob o comando dos Estados Unidos da América (bloco capitalista) ou da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (bloco socialista).
No início de 1945 já se sabia da vitória dos países aliados sobre a Alemanha nazista, o Terceiro Reich. Em fevereiro, as nações vencedoras reuniram-se na Conferência de Yalta, no sul da União Soviética, por meio dos representantes dos EUA, URSS e Inglaterra: Franklin Delano Roosevelt, Josef Stalin e Winston Churchill. O objetivo expresso era delimitar as áreas de influência capitalista e socialista, definindo um controle geopolítico dos “Três Grandes” sobre as demais nações. Naquela ocasião, as tropas alemãs haviam sido substituídas por tropas soviéticas, e a rendição da Alemanha era apenas uma questão de tempo.
Uma decisão importante foi a de suprimir definitivamente o poder nazista na Europa Oriental, formando governos cujos projetos políticos fossem claramente antinazistas, e que organizassem eleições livres. Tal proposta estava destinada aos países até então ocupados pelo poderio alemão e libertados pelos soldados aliados, não se estendendo, portanto, à própria União Soviética. Tratava-se, portanto, de uma estratégia para que os países capitalistas pudessem recobrar suas posições econômicas e políticas na Europa Ocidental e no restante do mundo sob sua influência, e para que se formasse uma espécie de faixa de segurança no Leste Europeu sob a influência de regimes pró-soviéticos.
Após a rendição alemã e os acordos definidos no pós-guerra, em 1947 teve início a Guerra Fria, com a clara oposição entre os blocos de poder que se estabeleceram. O símbolo dessa partilha de poder foi a divisão da Alemanha em duas áreas.
Na Conferência de Potsdam, em maio de 1945, estavam presentes Josef Stalin, Harry Trumam e Clement Attlee, substituto de Winston Churchill. Lado a lado, reorganizaram as fronteiras alemãs, cedendo Oder-Neisse para a Polônia e o Sarre para a França. O território restante foi dividido em quatro  zonas de ocupação militar sob o comando dos Aliados.  Berlim foi dividida, representando o aniquilamento da autonomia política alemã e o fim do Terceiro Reich.
A intervenção norte-americana foi ampliada pela reforma monetária de 1948, quando o Plano Marshall passou a ser aplicado na recuperação da Alemanha ocidental, e os soviéticos retiraram-se do Conselho Interaliado de Ocupação. A Alemanha ocidental passaria a ser o símbolo da oposição ao comunismo soviético.
Os Estados Unidos, com a Doutrina Truman e o Plano Marshall, lançaram-se a uma política externa de aliança com os países antissoviéticos, estratégia da qual fazia parte um programa de recuperação econômica dos países europeus envolvidos na Segunda Guerra. Enquanto isso,  a União Soviética procurou manter o processo de expansão, articulando novos grupos de poder nos quais os comunistas garantiram a adoção de modelos políticos bem próximos ao adotado na URSS, a que Churchill denominou, já em 1946, “cortina de ferro”.
Para respaldar as ações políticas (monopólio dos Partidos Comunistas) e as ações econômicas (monopólio estatal sobre a economia) em 1947 foi recriada a Internacional Comunista (Kominform), cuja função era manter o controle centralizado dos Partidos Comunistas do Leste Europeu, então subordinados ao Partido Comunista Soviético. Em 1949 foi criado o Conselho de Assistência Econômica Mútua (COMECOM), com o predomínio do rublo como moeda comercial.
Como expressão do domínio dos Estados Unidos, em 1949 foi anunciada a formação da República Federal da Alemanha, com a capital em Bonn. Em contrapartida, a URSS anunciou a formação da República Democrática Alemã, com capital em Berlim Leste. E, finalmente em 1961 foi criado o Muro de Berlim.
Naquela época Nikita Khruchtchev estava no poder (1953-1964), e para garantir a manutenção do controle sobre a latente questão das nacionalidades e neutralizar possíveis focos de conflito interno, procurou realizar uma política de reabilitação dos povos deportados, com a concessão do direito de retornarem aos seus locais de origem, exceto os alemães do Volga e os tártaros, cujas terras haviam sido ocupadas por eslavos e russos.
Em maio de 1955 foi instituído o Pacto de Varsóvia, definindo uma aliança militar para os países do bloco soviético, formado pela União Soviética, Alemanha Oriental, Bulgária, Tchecoslováquia, Polônia e Romênia.
Mas, apesar de todas as medidas políticas, econômicas e militares, havia sérios questionamentos por parte das populações daqueles países quanto à legitimidade dos regimes instituídos e a liderança soviética, com pouca sustentação popular, o que se mostrou, por exemplo, com a revolução de 1956 ocorrida na Hungria, quando o próprio Partido Comunista húngaro organizou um levante em favor da retirada das tropas do Pacto de Varsóvia do país. Do confronto resultaram no fuzilamento do líder Imre Nagy, em cerca de 20 mil mortos e no massacre dos rebelados húngaros.
Entre 1964-1982, sob o governo de Leonid Brejnev, a temática das nacionalidades retornou, sendo discutida a partir de duas posições: aqueles que julgavam que haveria a russificação das mais de cem nacionalidades da URSS, e os que acreditavam na formação de uma nacionalidade soviética.
Foi ainda no período Brejnev que ocorreu um notável movimento de contestação, a Primavera de Praga, de 1968, quando os tchecos, liderados por Alexander Dubcek, ocuparam as ruas de Praga exibindo cartazes críticos que mostravam a imagem de Lenin e apresentavam uma inscrição dizendo: “Lenin, eles enlouqueceram!”. Embora se tratasse de manifestações pacíficas, sem levante armado, eles foram duramente reprimidos pelas tropas do Pacto de Varsóvia.
Esse período foi de grande conturbação na política interna soviética, o que contribuiu para a derrocada do regime político. A questão das nacionalidades, subordinadas ao controle político da URSS, emergiu em meio a uma grave crise econômica, visível desde o início dos anos de 1980. 
Na Polônia, devido ao aumento dos preços, uma onda de greves representou a falta de apoio popular aos governantes, tendo resultado, mais tarde, na criação do Solidariedade, em 1980, um sindicato liderado por Lech Walesa, que desafiou o Partido Comunista ao expressar oposição às medidas repressivas e ao não atendimento das necessidades sociais. Assim, o Solidariedade reivindicava democracia e liberdade e seria proibido em 1981.
Embora o problema das nacionalidades estivesse aparentemente sob controle, durante o período de Gorbachev mostrou-se clara a recusa, especialmente dos muçulmanos, quanto à russificação. E, em resposta o governo pôs de lado o programa de ações afirmativas, intensificando o ensino da língua russa e enviando representantes políticos às regiões cuja população fosse predominantemente de origem islâmica.
Espalhavam-se os focos de resistência ao autoritarismo e à falta de representação e liberdades sociais e, como consequência, começaram a ser instituídas reformas que acabaram por desintegrar o bloco soviético e mesmo a própria URSS. Foram medidas diferenciadas nos vários países do grupo, como negociações entre os Partidos Comunistas e os de oposição, reformas suaves ou mesmo a perestroika (reestruturação) e a glasnost (transparência), da União Soviética, já na era de Mikhail Gorbachev, e, ainda o processo revolucionário romeno que culminou com o fuzilamento do ditador Nicolae Ceaucescu.
Os objetivos da perestroika e da glasnost eram nitidamente de reorganização do regime soviético, de modo a viabilizar sua continuidade. Entretanto, a guerra do Afeganistão e o desastre em Chernobyl contribuíram para que as populações eslavas não russas, especialmente da Ucrânia, recorressem ao relativo liberalismo engendrado pela glasnost.
As intervenções políticas e militares do Kremlin levaram ao desencadeamento de conflitos, como no Cazaquistão, no Tadjiquistão, na Quirguízia e na Moldávia, com muitos mortos e feridos.
A abertura política permitia que a imprensa apresentasse à sociedade o problema das etnias e a oposição do poder central à ação das elites nacionais locais. Por outro lado, o declínio econômico colocava em pauta a questão da competência do governo soviético para a resolução de todas as questões urgentes, dentre as quais estava Chernobyl e o uso da energia nuclear. Iniciavam-se os movimentos pela descentralização do poder político e econômico.
Armênia, Estônia, Geórgia, Azerbaijão tornaram-se palco de conflitos em torno da soberania nacional, com a presença de tropas enviadas por Moscou, a que se ampliaram as Frentes Populares e as reivindicações.
Na Alemanha, outro processo revolucionário. Em 1989, nas cidades de Leipzig, Dresden e Berlim oriental as manifestações populares levaram à queda do Muro de Berlim e ao fim da ditadura implantada na República Democrática Alemã, a que se seguiria, ainda que não fosse o projeto original, a reunificação alemã, sob o comando dos partidos políticos da Alemanha ocidental, a Democracia-Cristã e a Social-Democracia, em 1990.
A Alemanha estava, então, reunificada e o Pacto de Varsóvia, extinto.
Pode-se considerar esse momento o marco do fim da Guerra Fria. E, como afirma Hobsbawm, “não foi o confronto hostil com o capitalismo e seu superpoder que solapou o socialismo. Foi mais a combinação entre seus próprios defeitos económicos, cada vez mais evidentes e paralisantes, e a acelerada invasão da economia socialista pela muito mais dinâmica, avançada e dominante economia capitalista mundial” (HOBSBAWM, 2004, p. 226).
Acelerando o processo de desestruturação, no início de 1990, Estônia, Letônia e Lituânia declararam-se independentes. Grupos organizados por nacionais russos desses países procuraram organizar a resistência interna contra os movimentos separatistas. E, em junho, russos foram atacados em Tuvinian, na região turco-mongólica. Intensifica-se o êxodo de russos para a URSS e a política de concessões pacificadoras de Gorbachev já não seria mais capaz de conter os movimentos de independência.
Em agosto, um grupo de conservadores, composto pelo chefe de gabinete de Gorbachev, Valeri Boldin, o secretário do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, Oleg Shenin, o vice-presidente do Conselho de Defesa Oleg Baklanov, o comandante das forças terrestres soviéticas Valentin Varennkov, e o general do Comitê de Segurança do Estado (KGB), Yuri Plekhanov, solicitou uma audiência com Gorbachev, em nome do Comitê Estatal de Emergência, para que ele transferisse a presidência da URSS para Gennady Yanaiev, então vice-presidente.
Diante da negativa, Gorbachev e sua família foram postos em prisão domiciliar. Enquanto isso, em Moscou, a imprensa divulgava seu afastamento do poder devido a problemas de saúde e a junta de governo baixava decretos proibindo manifestações, greves e a liberdade de imprensa.
Os tanques invadiram as ruas de Moscou.
Explicitava-se o golpe de Estado.
Com ampla divulgação internacional dos acontecimentos, a oposição interna liderada por Boris Yeltsin, Presidente da Rússia, e apoiada pelo patriarca da Igreja Ortodoxa Russa e por oficiais da KGB e pela ação de manifestantes populares, o golpe fracassou. Em 22 de agosto Gorbachev e sua família retornaram a Moscou. O poder do Partido Comunista e da KGB estava definitivamente abalado.
Além disso, o golpe intentado contra Gorbachev contribuiu para o apressamento dos processos de independência das repúblicas soviéticas. As repúblicas bálticas proclamaram-se independentes e deixaram formalmente a URSS, sendo admitidas como países-membro da Organização das Nações Unidas (ONU). Depois, as demais foram se separando: Bielorrússia, Moldávia, Geórgia, Armênia, Cazaquistão e Quirguízia.
Em 8 de dezembro, Rússia, Ucrânia e Bielorrússia proclamaram a formação da Comunidades de Estados Independentes (CEI). Assim, a renúncia de Gorbachev, em 25 de dezembro, finalizava um importante período histórico, formalizando o que já era inegável: a União Soviética não mais existia.
Segundo reflexões de Lenina Pomeranz,
São ainda bastante controvertidas as discussões sobre o porquê de a experiência de construção de um sistema alternativo ao capitalismo ter terminado, depois de décadas de funcionamento. E não propriamente nos países europeus do Leste, onde sua implantação se deu, de forma impositiva, como resultado da Segunda Guerra Mundial, mas na URSS, onde sua implantação se deu como resultado da Revolução de Outubro e cujo modelo foi reproduzido nos referidos países. Há que se fazer, nesse sentido, considerações e reflexões sobre o tema, sem que elas sejam reduzidas de maneira simplista aos embates da Guerra Fria. O colapso do socialismo real precisa ser entendido em sua complexidade, envolvendo fatores relacionados com sua configuração e seu modo de funcionamento, mas também com fatores externos, relacionados com a oposição à sua existência e à sua influência sobre o resto da humanidade (USP, 2010).

Após o esfacelamento da União Soviética, as disputas se seguiriam, mas agora tendo a Rússia no centro da cena.

Bibliografia.
BARRACLOUGH, Geoffrey. Introdução à história contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.
FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação. São Paulo: IBRASA, 1983.
FERRO, Marc. A Revolução Russa de 1917. São Paulo: Perspectiva, 2004.
FERRO, Marc. História da Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Perspectiva, 1979.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios (1875-1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
MAGNOLI, Demétrio. União Europeia: História e Geopolítica. São Paulo: Moderna, 1995.

NAIME, Jéssica. União Europeia: histórico. Resenha. In: Conjuntura Internacional. Cenários PUC Minas, 2005. Disponível em: http://www.pucminas.br/imagedb/conjuntura/CNO_ARQ_NOTIC20050808100423.pdf

POMERANZ, Lenina. A queda do Muro de Berlim. Reflexões vinte anos depois. In: Revista USP, nº 84. São Paulo, fev. 2010. Disponível em: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-99892010000100003&lng=en&nrm=iso&tlng=pt


VESENTINI, J.W. Nova Ordem, Imperialismo e Geopolítica Global. Campinas: Papirus, 2003.

22 julho 2011

China: do "Ta Chiang Kuo" à proclamação da República Popular.

China: do "Ta Chiang Kuo" à proclamação da República Popular.


Percursos Históricos, Ano I, vol. jul., série 22/07, 2011. 
SOARES, Marilda

A história da China, assim como a história dos países que não estiveram à frente do desenvolvimento econômico mundial na Idade Moderna e início da Contemporânea, apresenta particularidades que foram decisivas para o desencadear dos diferentes períodos históricos vividos aos longo do século XX. Na China, tais particularidades constituíram as condições objetivas para as chamadas especificidades do modelo chinês de construção do socialismo.
Dentre as características da história chinesa, destacam-se algumas que se tornaram bases para a Revolução Chinesa: as sobrevivências do modo de produção asiático e dos traços feudais que impediram, segundo alguns especialistas, o pleno desenvolvimento do modo de produção capitalista até o século XIX; a penetração do capitalismo estrangeiro na fase do neocolonialismo; a luta camponesa pela terra; a luta do povo chinês pela reconquista da independência nacional.
Durante os processos de revolução e transformação ocorridos na primeira metade do século XX, entre as questões teóricas, destacam-se as seguintes problemáticas: como construir o socialismo a partir de uma sociedade pré-capitalista? Como passar diretamente de uma sociedade pré-capitalista para o socialismo, sem perpassar a fase do capitalismo?
Para a compreensão de tais problemas, é necessário conhecer a China nos séculos que precederam o momento crucial da Revolução socialista suas lutas internas e com o sempre presente “inimigo estrangeiro”. E, sobretudo, procurar entender como se dá a penetração do capitalismo estrangeiro, as relações e comprometimentos da China com os países ocidentais e orientais, que remontam a períodos mais recuados, mas que encontraram seu auge no período em que as nações ocidentais lançaram-se francamente às práticas imperialistas.
No momento em que a Europa, sob o impulso das transformações econômicas e políticas, preparava a Revolução Industrial, a China isolava-se dos contatos exteriores. Ainda assim, os manchus realizaram, no século XVIII, uma enérgica política externa, e no início do século XIX a China era o “Grande e Puro Império”, o Ta Chiang Kuo”, dotada de grandes possessões, com cerca de 11 milhões de quilômetros quadrados e uma população de mais de 300 milhões de habitantes, sendo a maior sociedade agrária do mundo.
A história da China na transição dos séculos XIX e XX é a de uma nação imensa, diante do agressivo poderio ocidental. Desde fins do século XVIII, fazia-se sentir a ação de sociedades secretas, como a do Lotus Branco, contra uma dinastia cada vez mais distante do povo. O mandarinato, constituído pelos altos funcionários, formava um corpo social isolado, representando a continuidade do formalismo da tradição chinesa.
A venalidade dos altos cargos era reconhecida pelo governo, que lhes fixava os preços (1838). O ópio fazia sentir seus efeitos destruidores sobre a população e, embora proibido seu uso desde 1729, e vetada a importação desde 1796, o rendoso contrabando foi sempre muito intenso.
A Guerra do Ópio (1839-42), provocada pela pressão inglesa para liquidar o monopólio chinês sobre o comércio, através do Co-hong (grupo de comerciantes oficiais), terminou depois do bloqueio de Cantão e do bombardeio de Nanquim (1842), com a entrega de Hong-Kong aos britânicos, a abertura de mais cinco portos ao comércio e o pagamento de indenizações. O comércio do ópio, entretanto, continuaria em benefício dos interesses ingleses.
Pelo tratado de 1844, os Estados Unidos obtiveram o direito de extraterritorialidade para seus cidadãos. No mesmo ano, por outro tratado, a França assegurou a tolerância religiosa para os católicos, estendida aos protestantes franceses em 1845.
A progressiva penetração ocidental provocou a reação dos nacionalistas chineses, que protestavam contra a exagerada evasão da prata para compra de ópio, bíblias e fuzis, contra a saída de coolies, trabalhadores braçais, para as colônias europeias e contra a ameaça que representava para o artesanato chinês a entrada de produtos europeus e norte-americanos.
A Revolta dos T’ai Ping (1851-64) representou a junção de todos esses descontentamentos, a que se uniu certa dose de misticismo puritano, de seu iniciador na China Hung Hsiu-chüan. Seguiram-se as rebeliões de Nienfei (1853-78) e a dos muçulmanos em Yunan (1855-73), em Shensi (1862-73) e em Kansu e Ásia Central (1862-78). Essas revoltas, embora sufocadas, enfraqueceram o poder da dinastia imperial.
Os tratados de 1842 e 1844 não satisfizeram nem os estrangeiros nem os chineses, pois os primeiros desejavam maiores garantias e os chineses consideravam-se forçados a conceder demais, recusando-se, portanto, a revê-los. Assim, as novas hostilidades entre chineses e ingleses iniciaram-se.
Após sucessivas derrotas, os chineses tiveram de aceitar os termos do tratado de Tientsin, de 1858, pelos quais a Grã-Bretanha, a França, a Rússia e os Estados Unidos obtiveram amplas concessões, sendo a mais importante a entrega do controle alfandegário dos portos abertos ao comércio estrangeiro aos ingleses. A resistência do Imperador, que não concordava com a instalação de legações estrangeiras na capital, deu à Inglaterra e à França o pretexto para ocuparem militarmente Pequim e incendiarem o Palácio de Verão (1860), abrindo à Rússia a oportunidade para exigir a entrega da Província Marítima, a que se seguiria a fundação de Vladivostok.
Por ouro lado, a intervenção japonesa na Coreia, estado vassalo da China, provocou uma guerra entre os dois países (1894), que determinou a rápida e completa derrota chinesa. Pelo tratado de Shimonoseki (1895) a Coreia foi declarada independente e, além de perder Formosa, as Ilhas Pescadores e a península de Liaotung, a China foi obrigada a pagar uma indenização de 200 milhões de taéis. A derrota frente ao Japão pôs à mostra a fraqueza da dinastia dos manchus.
Em 1895, a Rússia obteve a concessão do território da Manchúria, por onde, mais tarde, passaria a estrada de ferro transiberiana, concessão ampliada em 1898, pela entrega do sul da península de Liaotung por 25 anos. A França conseguiu a ratificação da fronteira do Vale do MeKog, além das ferrovias e privilégios de mineração na China. A Grã-Bretanha exigiu e recebeu concessões na fronteira da Birmânia. Em 1897, os alemães tomaram Tsingtao e no ano seguinte arrendaram a baia de Chiang-chou por 99 anos, além de obterem o monopólio da exploração de minas em Shantung. A França arrendou a baia de Kuang-chou e a Grã-Bretanha, Kowloon, também por 99 anos, tendo adquirido, ainda, Wei-hai-wei. Em todos esses territórios, a China teve que renunciar ao exercício de sua soberania.
Tais fatos levaram, entre 1898 e 1900, a duas tentativas de recuperação do país. A primeira durante a Guerra dos Cem Dias de reforma, liderada por K’ang Yu-wei, o chamado “Confúcio moderno”, cujo programa foi adotado pelo imperador Kuang Hsu, procurando abrir caminho à modernização. Naquela ocasião foram promulgados cerca de 70 decretos abrangendo os seguintes prontos: reforma do ensino e criação da Universidade de Pequim e escolas superiores para divulgação da ciência e da técnica europeias; formação do exército nacional; reforma na agricultura; amparo ao comércio e à indústria; divulgação de obras estrangeiras.
Aos decretos seguiram-se as reações dos conservadores, apoiados pela regente Tzu-hsi, que culminaram com a prisão do Imperador e sua fuga, em 1898, e na renovação dos decretos reformistas.
Fracassada a tentativa de reação, os nacionalistas passaram à ação violenta, que se traduz, por exemplo, na Revolta dos Boxes (1900), cujo lema era: “Proteger o país e destruir o estrangeiro”.  Da fúria popular não escaparam os chineses católicos e protestantes, acusados de colaborarem com os “inimigos”. A tentativa de intervenção por parte as potências enfureceu o governo chinês, que ordenou a matança dos estrangeiros.  
Embora não houvesse declaração oficial de guerra, uma força internacional capturou Pequim em agosto de 1900, e a corte viu-se obrigada a fugir para Sian. Pesadas reparações foram exigidas do governo chinês. A repressão da Revolta dos Boxers pelas potências e a subsequente guerra entre Japão e Rússia, em disputa pelos territórios da Coreia e Manchúria, enfraqueceram ainda mais a China.
Tzu-hsi, reconciliada com K’ang Yu-wei, sancionou os decretos que regulavam a introdução dos valores da civilização ocidental na China. A educação foi modernizada e o governo reorganizado. Porém, tais reformas não satisfizeram os anseios da burguesia, desejosa de atuar politicamente e de libertar a China da tutela econômica estrangeira.
A regência reacionária do príncipe Ch’un agravou a crise e, em 1911, quando o governo anunciou o propósito de nacionalizar as ferrovias construídas com capitais chineses, a burguesia reagiu. Sun Yat-sen, que criara em Hong-Kong a primeira sociedade secreta socialista (1890-95), em 1905 fundara o Kuomintang (Partido Nacional do Povo), foi eleito presidente das Províncias Unidas da China, com sede em Nanquim, em novembro de 1911. A dinastia dos Ch’ing, sem condições de resistir ao movimento, entregou o poder ao general Yüan Shih-hai, que negociou a abdicação do jovem Imperador, em fevereiro de 1912, e proclamou a República, da qual foi eleito presidente provisório, depois da renúncia de Sun Yat-sen.
Refletindo sobre a ação do imperialismo ocidental nessa fase da história chinesa, que se encerrava, Geoffrey Barraclough afirmou:
É verdade, evidentemente, que a superioridade técnica dessas potências [europeias] tornou fácil a imposição da vontade delas pela força; isto ficou demonstrado, com a maior clareza, quando se uniram para suprimir a rebelião Boxer em 1900. Os dez anos entre a liquidação da sociedade Boxer e a queda da dinastia manchu constituíram "o apogeu da autoridade ocidental na China" (BARRACLOUGH, 1987, p. 43).

A república iniciava-se mantendo métodos tradicionais de governo, influência de ideias ocidentais e interferência das potências estrangeiras.
Em 1913, Yüan Shih-kai foi confirmado presidente. Em seu governo implantou verdadeira ditadura militar, com o apoio das potências que, para salvaguardar seus privilégios, tutelaram o novo regime, concedendo-lhe um empréstimo que garantia, em troca, o controle da arrecadação do imposto do sal, a exploração das estradas de ferro e dos recursos minerais do país.
Os radicais, agrupados no Kuomintang, opuseram-se a Yüan e obtiveram a maioria no Parlamento, que se reuniu em 1913 sob a constituição provisória de 1912, e passaram a reivindicar um tipo de governo em que o poder supremo coubesse ao Legislativo.
Ao mesmo tempo, começaram a surgir líderes militares rivais. Como Yüan persistisse na manutenção de suas prerrogativas como presidente, alguns elementos do Kuomintang, entre os quais Sun Yat-sen e Huang Hsin, enviaram contra ele uma expedição punitiva que chegou a ocupar Nanquim, mas logo foi derrotada.
Depois de confirmado na presidência Yüan dissolveu o Kuomintang, expulsou seus membros do Parlamento e promulgou uma nova constituição (1914). Os poderes presidenciais foram ampliados e seu período de governo passou para dez anos.
Yüan parecia ter esmagado a oposição e, em 1915, começou a preparar um ambiente para ser proclamado o novo Imperador da China. Contudo, a oposição rebelou-se em Yunnan e o movimento ganhou apoio em outras províncias. Após o estabelecimento, pelo Kuomintang, de um governo rival em Cantão, Yüan desistiu de reinstaurar a monarquia.
Durante os anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial ocorreram, na China, dois fatos inter-relacionados: a ascensão do nacionalismo e a emergência do movimento comunista. O partido comunista foi organizado por um grupo de intelectuais, em julho de 1921. Por recomendação do Comintern a Internacional Comunista, procurou aliar-se ao Kuomintang que, em 1924, foi reorganizado por Sun Yat-sen. No mesmo ano, Chian Kai-shek, que estava no comando da academia militar de Whampoa, com a colaboração de oficiais alemães e soviéticos, preparou o exército popular.
O movimento nacionalista dirigia seus ataques principalmente contra a Grã-Bretanha e verificaram-se vários choques entre as autoridades britânicas e chinesas, além de movimentos operários com a greve de portuários em Hong-Kong, em 1925, e as 22 greves de Xangai, e a greve geral de 1925.
Em 1926, o exército nacionalista, comandado por Chiang Kai-shek, iniciou uma marcha bem-sucedida para o norte, e o Kuomintang transferiu a captal para Hankow. Comerciantes e missionários estrangeiros foram expulsos dos territórios ocupados pelas forças nacionalistas. Os chefes militares do norte, temendo a vitória do movimento, uniram-se sob a liderança de Chang Tso-lin, tentando deter o avanço nacionalista.
À medida que o movimento se tornava mais radical, as tensões entre nacionalistas e comunistas passaram a ser mais evidentes. Chiang Kai-shek, intimamente ligado aos meios burgueses, procurou neutralizar a influência dos comunistas no Kuomintang e rompeu com o governo de esquerda instalado em Hankow.
A campanha do norte terminou em 1928 com a tomada de Pequim, simbolizando a unificação da China sob o novo governo, que manteve a capital em Nanquim. Mas os comunistas, para enfrentar a oposição nacionalista, organizaram-se em grupos guerrilheiros, constituídos por camponeses e desertores, assumindo o controle de territórios inacessíveis, e neles instalando seus sovietes. Em 1930 os comunistas, sob a liderança de Mao Tse-tung e Chu Teh, possuíam considerável força, e os sovietes chineses controlavam grandes áreas de Kiangsi, Fukien, Hunan e Hupeh.
O governo de nanquim empreendeu cinco campanhas, de 1930 a 1933, tentando destruir as forças comunistas. Em 1934, estas foram obrigadas a abandonar Kiangsi e empreender a Grande Marcha, de cerca de 10 mil quilômetros através das províncias do sul e do oeste, até chegar ao norte de Shensi, em 1935.
Já em 1931, o Japão havia ocupado a Manchúria e, em 1932, instituiu o Mandchkuo como Estado independente, governado pelo imperador Pu Yi, que abdicara em 1912. A atuação de Chiang Kai-shek, que não oferecera resistência aos japoneses, deu aos comunistas oportunidade de agitar as tropas nacionalistas, principalmente da Manchúria, apelando para seus sentimentos patrióticos e defendendo a união de todos contra o invasor. Quando Chiang Kai-shek chegou a Sian, em 1936, foi preso por Chang Hsüeh-liang, comandante das tropas nacionalistas na Manchúria.
Em 1937, sem prévia declaração de guerra, o Japão iniciou novas hostilidades. Pequim e Tietsin caíram em poder dos nipônicos. Os Estados Unidos e a União Soviética firmaram com a China tratados de ajuda e amizade e a Liga das nações convocou os signatários do Tratado das Nove Potências, em novembro de 1937, para que individualmente procurassem auxiliar a resistência chinesa. O Japão, no entanto, ocupou Xangai e Nanquim, realizando o bloqueio da China meridional e instituindo o Estado títere, que durou de 1938 a 1945.
O novo ambiente de guerra provocara a unidade moral do povo chinês. Todas as facções se uniram contra o invasor e o sistema de guerrilha acabou por impedir o avanço japonês.
A participação da China na Segunda Guerra Mundial, a partir de 1941, facilitou a ajuda norte-americana, inglesa e soviética ao governo de Chiang Kai-shek, e a derrota do Japão, em 1945, representando a libertação do território nacional chinês.
Mas o governo nacionalista fora seriamente desgastado por sete anos de guerra e inflação. A corrupção administrativa e os altos tributos atingiam o povo. Enquanto isso, nas chamadas “áreas libertadas” os comunistas haviam instalado governos locais com ampla base popular e realizado reformas econômicas e sociais em benefício dos camponeses.
Em 1945, o general Marshall, representando o governo norte-americano, procurou neutralizar os comunistas, tentando reconciliá-los com os nacionalistas em nome da preservação da unidade nacional chinesa. A conferência consultiva, realizada em janeiro de 1946, fracassou e o governo de coalizão, dirigido por Chiang kai-shek, não contou com a participação dos comunistas e da Liga Democrática que se recusaram a reconhecer a Constituição.
O fracasso das negociações levou ao reinício das hostilidades, que demonstrariam, a seguir, a fraqueza dos exércitos nacionalistas e a incapacidade do Kuomintang para governar o país, apesar da ajuda prestada pelos Estados Unidos.
De 1946 até o início de 1947 as tropas nacionalistas, transportadas por aviões e navios fornecidos pelos Estados Unidos, conseguiram tomar a maior parte das ferrovias e importantes cidades do norte.
As forças comunistas, equipadas principalmente com as armas tomadas dos japoneses, passaram gradualmente da guerra de guerrilha à guerra de posição. Em 1948, destruíram as forças nacionalistas da Manchúria e obtiveram importantes vitórias no norte.
  No final daquele ano, o governo nacionalista estava em uma situação bastante desfavorável: seus exércitos desintegrados, o Kuomintang conturbado por lutas internas e sem base popular, pois a inflação destruía a economia.
Diante da crise, em janeiro de 1949, Chiang Kai-shek demitiu-se, entregando o poder ao general Li Tsung-jen, o que não facilitou as negociações com os comunistas, que exigiam a formação de um governo de coalizão sob a chefia de Mao Tse-tung.  Os comunistas iniciaram uma marcha para o sul, conquistando Nanquim, a capital nacionalista, em abril de 1949.
Em 1º de outubro de 1949, foi oficialmente proclamada, em Pequim, a República Popular da China, e instalada a Conferência Consultiva do Povo, que elaborou o programa do novo governo chinês, presidido por Mao Tse-tung.
 

Bibliografia.

BARRACLOUGH, G. Introdução à História Contemporânea. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. Disponível em: www.scribd.com/.../Geoffrey-Barraclough-Introducao-a-Historia-Contemporanea.
BERGÈRE, Marie-Claire. A economia da China Popular. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.
BIANCO, Lucien. Los origenes de la revolucion china. Caracas: Tiempo Nuevo, 1970.
CHESNEAUX, Jean.  Asia oriental em los siglos XIX-XX. China – Japón – India – Sudeste asiático. Barcelona: Editorial Labor, 1969.
COGGIOLA, Osvaldo. A Revolução Chinesa. São Paulo: Moderna, 1985.
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07 julho 2011

A Alemanha no período entre-guerras: crise econômica e ascensão do nazismo.

A Alemanha no período entre-guerras: crise econômica e ascensão do nazismo.

Percursos Históricos, Ano I, vol. jul., série 07/07, 2011.   



SOARES, Marilda


             Norbert Elias, ao refletir sobre a história do povo alemão, afirma:

Muitas características da tradição alemã de crença e comportamento explicam-se melhor por referência ao modelo peculiar de história alemã como uma história de declínio. Assim, é possível enxergar, de um modo algo mais claro, quais dos muitos potenciais que estão escondidos dentro dessa tradição se aglutinaram nas origens de um movimento tão cruel e bárbaro quanto o nazismo. A ascensão e queda desse movimento marcou o ponto em que todo um período da história da Alemanha chegou ao fim, o período em que os alemães tiveram um sentimento de grandeza orientado principalmente para o seu passado, simbolizado através do conceito de um "Império" (Reich). (ELIAS, 1997, p. 307)

De fato, a Primeira Guerra Mundial destruiu a perspectiva de continuidade do crescimento econômico para muitos países envolvidos no conflito, especialmente para aqueles que depuseram as armas e pediram o armistício.

Contudo, após quatro anos de destruição e a vitória sobre a Alemanha, a indústria da guerra havia favorecido o processo de produção e acumulação capitalista para os vencedores, que receberam como legado uma série de benefícios quanto à produção industrial, aos mercados fornecedores de matérias-primas e consumidores de manufaturados, extensas áreas coloniais, novos espaços e setores de investimento financeiro, vantagens obtivas no Tratado de Versalhes.

Mas mesmo nesses países, a guerra deixara marcas profundas, especialmente quando à necessidade, urgente, de reconstrução do padrão de acumulação econômica anterior a 1914.

Paralelamente, no recém-inaugurado mundo socialista, a União Soviética parecia obter sucesso no seu programa de crescimento da produção, graças à adoção de um modelo de economia planejada. Esse fenômeno viria a provocar questionamentos e a elaboração de teses sobre o modelo de governo implantado e sua atuação sobre a economia nacional, pois o governo soviético lograra atingir níveis elevados de produção e manter a governabilidade com medidas que atingiam não apenas o setor econômico e político, mas mantinham o controle social em uma época em que, na maioria dos países envolvidos na guerra o panorama era de desemprego, descontentamento e mobilização da sociedade para transformações políticas mais efetivas.

Em meio às crises, setores da intelectualidade e burocracias estatais passaram a buscar alternativas e a apontar, de acordo com suas convicções teóricas e políticas particulares, opções que neutralizassem rapidamente o potencial estado convulsionário da sociedade. Assim, pensava-se, como solução, no comunismo marxista, no capitalismo reformado com características da social-democracia ou nas formas antiliberais e nacionalistas, como as realizadas pelo fascismo.

O panorama geral indicava a necessidade de mudanças, dada a percepção de falência dos valores da democracia liberal. A maioria tendia a aceitar a ideia de que havia a necessidade de estabelecer metas para superação da crise por meio da intervenção do Estado, no sentido de planejar a recuperação econômica. Assim, Alemanha, Grã-Bretanha e Japão passaram ao modelo de economia planejada.

Mas no caso da Alemanha do pós-Primeira Guerra, as medidas pareciam mais urgentes, na medida em que o decréscimo da produção abalava todas as esferas sociais.

Após 1871, a Unificação Alemã e a formação do Segundo Reich tinham favorecido a indústria competitiva e a rivalidade econômica externa. Dessa disputa surgiram alianças político-militares, a corrida armamentista, a paz armada, a primeira grande depressão, a Partilha da África e da Ásia, guerras por territórios e mercados e, finalmente, a Primeira Guerra Mundial, entre 1914-18, pondo fim ao Império Alemão e criando o ambiente para revoluções.

No período final da Guerra, após a entrada dos Estados Unidos, a Alemanha apontou perdas inesperadas até então: 192.477 soldados mortos; 421.340 desaparecidos e prisioneiros; 860.287 feridos; 300 mil civis mortos.

Em outubro de 1918, o presidente Wilson, dos EUA, deixou claro que só negociaria a paz com um governo alemão eleito pelo povo. Assim, precipitaram-se revoltas e eleições de conselhos operários nas fábricas, bem como a libertação de prisioneiros políticos e a instauração de um governo parlamentar.

Em 7 de novembro, o Conselho de Operários, Soldados e Camponeses de Munique proclamou a República Socialista da Baviera. Dois dias depois, uma  manifestação revolucionária em Berlim contribuiu para que o príncipe Max Bade anunciasse a abdicação do Imperador, transferindo a chefia de Estado para Freidrich Ebert, líder do Partido Social-Democrata, e propondo a convocação de uma Assembleia Nacional constituinte.

O regime republicano saiu “vitorioso” sobre a velha monarquia e sobre os radicais de esquerda, mas a Revolução Alemã representou uma tentativa de estender o alcance das transformações bolcheviques que vinham se consolidando na Rússia. Por outro lado, a experiência de revolução comunista abalaria ainda mais o quadro de crise, não apenas pela divulgação dos ideais revolucionários, mas pela mobilização dos setores políticos de centro e de direita para combater qualquer mudança que conduzisse os grupos de esquerda ao poder.

Influenciados pela Revolução Soviética, “marinheiros revolucionários levaram a bandeira dos sovietes por todo o território, onde o diretor de um soviete de operários e soldados de Berlim nomeou um governo socialista” (HOBSBAWM, 2004, p, 63). Tratava-se de uma tentativa do Partido Comunista alemão, cujos líderes Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, juntamente com outros militantes da Liga Spartacus, seriam perseguidos e brutalmente eliminados em 1919.

A rendição alemã, em 1918, e a assinatura do Tratado de Versalhes impuseram ao país uma série de restrições, como o pagamento de reparações de guerra, a concessão de territórios à França, Polônia e Tchecoslováquia. Com isso, verificou-se grande instabilidade econômica e política em meio a um cenário de desvalorização da moeda, crescimento da dívida externa e fuga de capitais.

Em 1923, o governo social-democrata, então no poder, convocou a Assembleia, que se reuniu na cidade de Weimar para elaborar a nova constituição. Optou-se pelo modelo federalista, democrático, liberal e parlamentarista.

Durante os primeiros tempos da “República de Weimar”, ainda que mudanças políticas e jurídicas tenham sido implantadas, a economia não apresentava sinais de recuperação: em janeiro de 1923, 1 dólar correspondia a 7.260 marcos e, em novembro, a 4.000.000.000 marcos.

De acordo com Eric Hobsbawm,

No caso extremo — a Alemanha em 1923 — a unidade monetária foi reduzida a um milionésimo de milhão de seu valor de 1913, ou seja, na prática o valor da moeda foi reduzido a zero. Mesmo nos casos menos extremos, as consequências foram drásticas. (2004, p. 79)

Com o decréscimo do poder aquisitivo e a fuga de capitais, o modelo constitucional liberal não conseguia se manter, caindo em desprestígio, pois, de alguma forma, a sociedade se mobilizava para exigir mudanças mais radicais, à esquerda ou à direita.

O Partido Nazista (Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães), fundado em 1921 e liderado por Adolf Hitler, ex-combatente da Primeira Guerra, e pelo general Ludendorf, tenta, então, um golpe de Estado em Munique.

Preso, Adolf Hitler passou oito meses recebendo apoio de personalidades de destaque político. E foi nesse período que escreveu Mein Kampf (Minha Luta), obra que seria um manual para os militantes do nazismo e do antissemitismo a ele agregado. Além desses preceitos, o texto defende o Estado forte, o nacionalismo e o racismo; e opõe-se à maçonaria, ao liberalismo, à Igreja Católica, ao parlamentarismo e à democracia.

A República de Weimar, de 1924 a 1929, procurou resistir à onda antiliberal por meio de medidas para recuperação do equilíbrio econômico e social. Gustav Stresemann, Ministro das Relações Exteriores, buscou a redução das indenizações de guerra e empréstimos com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Paralelamente, e graças aos empréstimos, iniciou a substituição da moeda, transformando 1 trilhão de marcos antigos em 1 marco novo.

Após 1924, uma relativa calmaria indicava o retorno ao crescimento econômico dos países antes envolvidos na Guerra. Apesar disso, nos anos de 1920 o desemprego permanecia em níveis elevados na Europa ocidental, quando comparados aos índices anteriores a 1914.

No final da década, verificou-se o retorno ao fluxo de investimentos externos, especialmente na Alemanha que, em 1928, recebeu cerca de 50 % do total das exportações de capital, tendo emprestado entre 20 e 30 trilhões de marcos, o que determinou a dependência alemã em relação ao funcionamento da economia externa.

A recuperação industrial, o desenvolvimento da tecnologia, a abertura de mercados internacionais e empresas levaram ao crescimento dos índices de emprego e à manutenção da governabilidade.

Mas a crise de 1929, ao abalar a economia norte-americana e europeia, pôs fim à renovação dos créditos e interferiu de forma significativa no processo de estabilização da economia alemã, gerando a redução do mercado consumidor, a impossibilidade de pagar as dívidas de guerra, a ruína das classes média e dos camponeses e o desemprego em massa.

Mais uma vez o antiliberalismo avançou, pois havia uma convicção quase generalizada de que o modelo liberal estava falido, sendo incapaz de criar as condições necessárias, especialmente da recuperação da honra alemã perdida na Guerra.

Progrediu também o antissemitismo, com a difusão da ideia de que os judeus representavam uma parcela alienígena, responsável pela concentração de capitais e, inimiga do povo alemão.

Organizaram-se as forças paramilitares de apoio ao movimento antiliberal e nazista, com as AS, divisões de assalto, as SS, brigadas de segurança, e a Juventude Nazista, composta por camadas médias e profissionais liberais.

A partir de 1929, os desfiles nazistas tornaram-se constantes, com promessas de emprego e controle dos preços, luta antissocialista e antiliberal e, sobretudo, oposição grande capital, aos democratas, comunistas e judeus.

A expressão mais concreta desse avanço pode ser observada pelos resultados das eleições de 1932, quando os nazistas elegeram 230 deputados e passaram a constituir a maior bancada.

O relativo crescimento econômico posterior a 1924 havia diminuído o campo de ação do Partido Nazista, que obtivera, nas eleições, cerca de 3% dos votos – que representavam 50% dos obtidos pelo Partido Democrático Alemão e 20% dos obtidos pelo Partido Comunista. Mas com a volta do quadro de crise, nas eleições de 1932, essa percentagem foi de 37% do total de votos.

No ano seguinte Hitler foi designado Chanceler e gradativamente impôs uma ditadura pessoal, sendo autorizado pelo Presidente Hindenburg a dissolver o Parlamento, e apoiado pelas AS e SS na intimidação, por meio de ataques, execução de prisões e assassinatos aos indivíduos e grupos de oposição.

Em fevereiro de 1933, forças paramilitares incendiaram o Reichstag, o Parlamento alemão, responsabilizando os comunistas pelo ato. E, como consequência, em 23 de março Hitler obteve plenos poderes para debelar quaisquer tentativas de desordem. Segundo Hobsbawm, o Partido Comunista foi imediatamente acusado pelo Partido Nazista e “Van der Lubbe, além do líder do grupo parlamentar comunista e três búlgaros que trabalhavam em Berlim para a Internacional Comunista foram presos e julgados. Van der Lubbe estava certamente envolvido no incêndio, os quatro comunistas com certeza não” (2004, p. 132-133).

Em 1934 a ditadura hitlerista já era um fato, o que se mostra quando, diante da tentativa de golpe por parte de alguns nazistas descontentes com a política de Hitler, estes foram massacrados, tal como quaisquer opositores. De acordo com o Papa Pio XI, os bispos católicos passavam a dever obediência ao Chanceler. E, finalmente, com a morte de Hindenburg, Hitler assumiu a chefia do Estado, dando início ao Terceiro Reich.


Bibliografia.

BARRACLOUGH, G. Introdução à História Contemporânea. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. Disponível em: www.scribd.com/.../Geoffrey-Barraclough-Introducao-a-Historia-Contemporanea.

ELIAS, Norbert. Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

HILLS, Ken. A Primeira Guerra Mundial.  São Paulo: Ática, 1991.

HOBSBAWM, E. A Era dos Impérios (1875-1914). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

HOBSBAWM, E. Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Cia. das Letras, 2004.

INSTITUTO ROSA LUXEMBURGO STIFTUNG. Biografia de Rosa Luxemburgo. Disponível em: http://www.rls.org.br/sobre-rosa-luxemburgo/biografia/RosaLuxemburg-Biografia.pdf/view.

LOUREIRO, Isabel.  A Revolução Alemã (19181923). São Paulo: Ed. Unesp, 2005.


LUXEMBURGO, Rosa. O Que Quer a Liga Spartakus? Disponível em: http://www.scientific-socialism.de/LuxemburgoRRCAP1.htm.